Rita Lee: "A defesa dos animais é a luta contra a nova escravidão"
A cantora entrevista Roberto de Carvalho e vice-versa, o que dá origem a um papo de um casal teleguiado pela paixonite há 44 anos
Estadão Conteúdo
Publicado em 28 de dezembro de 2020 às 10h49.
Última atualização em 28 de dezembro de 2020 às 11h14.
Confira a entrevista de Rita Lee, cantora e compositora para quem "a defesa dos animais é a luta contra a nova escravidão", com o parceiro Roberto de Carvalho.
Parafraseando a banda Police, 'we are spirits in a material world' (nós somos espíritos em um mundo material). Como acha possível resolver esta equação?
Rita: Sou darwinista até a página 3. A raça humana é híbrida, metade celeste e metade terráquea. Houve até uma época em que éramos hermafroditas. Estar no mundo da matéria é uma experiência individual, intransferível e difícil, uma aventura do nosso espírito (que é eterno), mas que aqui na Nave Mãe Terra tem começo, meio e fim...
Se a vida terminasse amanhã, o que ficou faltando, o que ficou sobrando?
Rita: Ficou faltando realizar na Terra o velho mantra clichê dos hippies: paz e amor. Ficou sobrando uma gentalha tosca e cafona que só tem como meta de vida o poder material.
Há 30 anos, em Perto do Fogo, você diz que em 2020 ia ser tudo igual. A profecia se confirmou? Daqui a 30 anos, será tudo igual?
Rita: Eu me referia ao estupro que o Brasil sofreu e ainda sofre desde o descobrimento sob as canetadas toscas dos poderosos da vez e que continuaria tudo igual em 2020. Tenho um pressentimento de que em algum momento haverá uma interferência externa na consciência humana: no sentido de que ou nos autodestruímos com o aumento do poderio nuclear ou passamos no teste evolutivo proposto por nossos pais celestes.
Existe vida fora da Terra?
Rita: Com zilhões de galáxias, zilhões de planetas, zilhões de estrelas e zilhões de dimensões existentes no universo, é um tanto pretensioso e ignorante terráqueos se imaginarem a única forma de vida.
Geneticamente, em você prevalece uma metade italiana e uma metade americana. Essa arquitetura moldada em forma brasileira. Na formação da sua identidade, onde esses genes prevalecem, se destacam?
Rita: Dos antepassados italianos, herdei a alegria pela música, o deboche, os beijos e os agarros de carinho, a paixão por cinema e a formação católica. Dos americanos, a disciplina, a independência, a responsabilidade, o duvidar das certezas e o interesse por ufologia.
Falando sobre Brasil, como colocar ordem no caos?
Rita: Houve uma época em que o caos brasileiro tinha um cotè charmoso, exótico e criativo, que encantava o mundo. Hoje, o caos está na política incompetente e corrupta, que corta o barato do nosso humor debochado, instalando ódio entre 'nós e eles', enquanto se destrói a natureza, sempre cagando e andando para o futuro do País.
Por que uma grande parte dos humanos não consegue captar a divindade dos animais?
Rita: Pela ignorância espiritual dos humanos em se considerarem arrogantemente como a única imagem e semelhança de um deus que eles mesmos inventaram, se achando superiores aos reinos mineral vegetal e animal. A defesa da causa animal é a luta contra a nova escravidão.
O que esperar do mundo pós-pandemia?
Rita: Minha esperança é pensar que essa pandemia trará um upgrade na consciência em um bom número de humanos em termos de respeito à nossa Nave Mãe Terra. Ainda vivemos em tribos, é hora de nos unirmos como uma única humanidade e respeitarmos todas as formas de vida.
O que de melhor a música trouxe para sua vida?
Rita: A oportunidade de levar às pessoas alegria e divertimento, fazendo-as esquecer por uns momentos de seus problemas e de seus sofrimentos.
Você acaba de ganhar um dia num paraíso à sua escolha. Como você idealiza este dia?
Rita: Imagino meu paraíso cheio de bichos e de plantas, com uma biblioteca completa, o poder de ter acesso aos mistérios numa dimensão superior onde reencontrarei almas queridas que se foram antes de mim, além de aprender coisas fantásticas com os mestres de Luz. Meu paraíso na Terra é ter você como companheiro de vida melhor amigo, parceiro ideal musical, pai dos meus três filhos lindos e avô dos meus dois netos fofos.
Rita entrevista Roberto:
Como e quando descobriu que tinha 'ouvido absoluto'? Confissão: cantar perto de você me dá uma certa vergonha pois sei que sou meio desafinada... mas no peito dos desafinados também bate um coração... que no caso é todo seu - não resisti em fazer uma declaraçãozinha.
Roberto: Quando eu tinha uns 12 anos, fiz aulas de piano com um professor chamado Amyrton Vallim. Além de ser um grande pianista ele era cego, e, portanto, o sentido de audição dele era muito mais apurado do que o normal. Ele fez os testes de identificação das notas nos sons. Então, fiquei sabendo que meu ouvido era absoluto e não relativo. O que não fez diferença na minha vida, até acho que o ouvido absoluto tem desvantagens. Por exemplo: quando você toca um instrumento e ele não está afinado, você se perde completamente, porque é o ouvido que está no comando. Se você toca onde tem de ser uma nota Lá e ouve uma nota Dó, você perde o senso de direção. E quanto à sua declaração aí, bom, além de ser superafinada, você tem o mezzo soprano mais bonito que meus ouvidos já ouviram, a textura da emissão, cheia de ar, doce, a sensualidade delicada. Bom, para mim é o nirvana. Please confie na minha capacidade de avaliação e sinceridade.
Como você me aguenta há 44 anos? Confissão: Sou uma mulher esquisita, ex-presidiária, ex-AA (Alcoólicos Anônimos), ex-NA (Narcóticos Anônimos), não sei cozinhar, sou cinco anos mais velha, sem peito, sem bunda e fumante.
Roberto: Sou teleguiado pela paixonite há 44 anos, espero que tenhamos pelo menos mais 44 anos. Só consigo visualizar a antítese do que está nesta confissão. Quando você se declara esquisita, vejo original e genial. Ex-presidiária por injustiça, vítima da repressão. Não precisa cozinhar, eu cozinho. Os peitos amamentaram nossos três filhos. Cinco anos mais velha, não, mais antiga, e você sabe o quanto eu adoro antiguidades. Tenho Vênus em Capricórnio, que sempre vai me ajudar a relevar essa sua Lua em Virgem que vejo se manifestando aí na confissão. E quanto aos AA e NA, 'well, shit happens to everyone!'
Seu piano é desbundante e sua guitarra é poderosa. Qual outro pianista/guitarrista brasileiro além de você? Confissão: grande frustração/preguiça minha é não saber tocar piano nem guitarra pra valer.
Roberto: Poxa, não acho nada disto. Então, vou adiante, como pianista, tenho profunda admiração por João Donato e Cesar Camargo Mariano. Guitarrista, são muitos os que adoro, mas muitos são meus amigos, daí fica complicado fazer essa escolha de Sofia. Sendo assim, fico com nosso filho Beto. Fico impressionado com a qualidade de guitarristas e músicos em geral que vejo no Instagram. Se hoje fosse montar uma banda, uma pesquisa no Instagram já dava conta do recado. E tenho que citar dois violões maravilhosos que para mim são influências basilares João Gilberto e Gilberto Gil, além do Guinga e Yamandu entre tantos. E viva Caetano!
Você acha que essa sua paixão por quiabo tem a ver com algum 'santo'? Confissão: Só de ver aquela baba do quiabo me faz ter ojeriza. Meu 'santo' é chegado num acarajé.
Roberto: O quiabo tem um significado esotérico, apesar de eu não saber exatamente qual. É de origem africana e na umbanda é ofertado a diversos orixás com finalidades diferentes. O fato é que, para mim, quiabo é força, energia, raiz, quase como uma droga, me dá barato.
Há alguma possibilidade de escrever umaautobiografia contando seu lado da história? Confissão: eu seria a primeira a comprar.
Roberto: Nesse lance de quarentena, tenho passado uma boa parte do tempo meditando sobre o tanto de situações que aconteceram ao longo da vida e que passaram meio batidas. Tentando criar uma expedição arqueológica na minha memória. Acho que tive uma vida bem interessante, mas sou reservado demais para autobiografias, além de ter a certeza de que minha vida não seria do interesse de ninguém além de mim mesmo. Provavelmente, você seria a primeira e a última a comprar (risos)!