Casual

Primeira chef de cave da Perrier-Jouët explica como as champanhes são criadas

A enóloga Séverine Frerson, que assumiu recentemente o posto, diz que sua cabeça é uma biblioteca cheia de gavetas com aromas e sensações táteis

Bebidas estão na promoção de Black Friday do Pão de Açúcar (Divulgação/Divulgação)

Bebidas estão na promoção de Black Friday do Pão de Açúcar (Divulgação/Divulgação)

JS

Julia Storch

Publicado em 12 de março de 2021 às 07h45.

Última atualização em 12 de março de 2021 às 21h51.

Poucos consumidores reparam, mas a maior parte dos champanhes não traz nenhuma informação sobre a safra no rótulo. Champanhes não são safrados porque, na maioria, são uma mistura de vários vinhos de diferentes anos. A partir dessa combinação, independentemente do clima, cada maison (como são chamadas as vinícolas em Champagne) consegue entregar sempre o mesmo champanhe todos os anos.  Champanhe, no entanto, não é refrigerante que tem uma fórmula e basta misturar sempre os mesmos ingredientes. Garantir que um rótulo do famoso espumante tenha os mesmos aromas, a mesma textura, a mesma acidez todos os anos é uma arte, a arte da assemblage, dominada por um grupo muito seleto de enólogos conhecidos como chefs de cave. 

Seu dinheiro está seguro? Aprenda a proteger seu patrimônio

O grupo, dominado por homens, tem aberto as portas para profissionais do sexo feminino nos últimos anos. Séverine Frerson é uma das mais recentes integrantes. A enóloga, que há 20 anos trabalha em Champagne, assumiu em outubro passado o posto de chef de cave da Maison Perrier Joët, uma das casas de maior prestígio da região. É a primeira mulher no posto.

Nascida em Sillery, na região de Champagne, filha de dois médicos, Séverine se formou em enologia pela Universidade de Reims e logo foi trabalhar para a Piper-Heidsieck, uma das maiores casas de Champagne. Lá foi subindo na hierarquia até que, no início de 2018, assumiu o posto de chef de cave. Em setembro do mesmo ano, aceitou o convite para trabalhar na Perrier-Joët, maison que hoje pertence ao grupo Pernod Ricard

Antes de assumir as rédeas, no entanto, Séverine passou dois anos aprendendo os segredos da casa com Hervé Dechamps, o chef de cave que por 37 anos comandou as assemblages da maison Perrier-Jouët e estava para se aposentar. “Trabalhar ao lado de Hervé foi muito enriquecedor”, conta Séverine. “Por tudo que já degustou, é como se ele fosse uma bíblia da história da maison. Nossos cuvées têm a chardonnay como protagonista. Hervé me ensinou, por exemplo, a perceber algumas nuances de aromas da casta."

A percepção e a memória sensoriais são os principais atributos de um bom chef de cave. “Minha cabeça é uma biblioteca”, diz Séverine. “Cada aroma está separado em uma gaveta. Atribuo diferentes qualidades ao aroma de uma  fruta, por exemplo. Pode ser a tal fruta fresca ou madura, a tal fruta com aroma agressivo. Classifico também sensações táteis como corpo e textura. Cada uma dessas classificações está numa gaveta separada de minha memória que eu acesso na hora em que estou degustando e fazendo assemblages."

O chef de cave precisa acompanhar e dirigir a produção dos diferentes vinhos das diversas parcelas de vinhedos que uma maison tem em vários terroirs de Champagne. Esses vinhos são conhecidos como vinhos de base. Eles não têm bolhas, mas são bem diferentes dos vinhos que costumamos tomar: em geral, menos alcoólicos, mais ácidos e com aromas que ainda estão por se desenvolver. O trabalho do chef de cave e sua equipe de enólogos é prever como esses vinhos estarão depois da segunda fermentação (em Champagne feita na garrafa), quando se formam as bolhinhas, e como misturá-los para obter o resultado desejado. 

Na maioria das vezes, nessa combinação, entram também vinhos de anos anteriores, conhecidos como vinhos de reserva. Isso em geral é necessário para compor um perfil gustativo e aromático constante. Como foi dito no início, a maioria dos champanhes não é safrada, porém, os vinhos especiais, de muita qualidade, costumam ser separados para entrar na assemblagem dos rótulos vintage, aqueles que têm indicação de safra.     

Na Perrier Jouët, este ano, Séverine e sua equipe deverão degustar cerca de 300 vinhos base e 100 vinhos. Ou seja, cerca de 400 vinhos no total. Com esse material devem produzir seis rótulos diferentes: Perrier-Jouët Grand Brut, Perrier-Jouët Blason Rosé, Perrier-Jouët Blanc de Blancs, Perrier-Jouët Belle Époque, Perrier-Jouët Belle Époque Rosé e Perrier-Jouët Belle Époque Blanc des Blancs (sendo que os três últimos, como são vintage, sempre dependem da qualidade da safra para existir). No Brasil, o preço dos não safrados começa em R$ 450 e dos vintages, em R$ 900, no Drinks and Clubs (drinksandclubs.com.br).

Séverine está chegando devagar. Não fala em grandes mudanças, mas, sim, em manter a tradição e o estilo. “O chef de cave é o guardião da história da maison”, afirma. Assim é o ofício que costuma tomar toda uma vida. Em 210 anos de história, a Perrier-Jouët só teve oito chefs de cave, sendo Séverine a primeira mulher. “É um trabalho fabuloso”, diz. Lembrando que uma de suas principais atribuições é provar constantemente os champanhes da casa, fica difícil de discordar.

Acompanhe tudo sobre:bebidas-alcoolicasFrançaVinhos

Mais de Casual

Chablis: por que os vinhos dessa região da França caíram no gosto do brasileiro?

"A Era das revoluções", de Fareed Zakaria, explica raízes do mundo contemporâneo; leia trecho

Do campo à xícara: saiba o caminho que o café percorre até chegar a sua mesa

Com sustentabilidade e legado, sempre teremos Paris

Mais na Exame