Paranaense encontra razão de viver nas pororocas
Há 12 anos, o paranaense Serginho Laus vem deslizando pelas ondas do terrível encontro entre o rio e o mar
Da Redação
Publicado em 14 de junho de 2012 às 13h30.
São Paulo - Se você não tem idade para se lembrar de Amaral Netto, o apresentador da TV Globo que, nos anos 1970, fazia o trabalho sujo de cantar as glórias do Brasil Grande na ditadura militar, o termo “pororoca” pode soar estranho.Trata-se, basicamente, de uma massa de água do mar que invade a desembocadura do rio, gerando uma sequência de ondas que se estende por vários quilômetros e horas.
A maior intensidade é atingida nas luas cheias ou novas, na fase de maré viva ou sizígia. Quando vem vindo, a água ganha tal volume que pode ser ouvida bem antes de ser vista. Embora aconteça em diversas partes do mundo, o fenômeno ficou célebre na Amazônia .
Derivado do tupi, poroc poroc, a palavra significa “destruidor, grande estrondo”. É tudo isso e muito mais. No rastro do seu percurso são deixados detritos, troncos, galhos e mururés (planta aquática), além de uma variedade incalculável de aves, répteis, peixes e cobras. As mais temíveis ocorrem nos rios de Amapá, Maranhão e Pará.
Muitas vezes a mais de 20 horas de barco de cidades maiores. Agora, por que alguém iria querer se jogar no meio daquela fúria? Para o surfista paranaense Serginho Laus, a resposta é clara e límpida: “A sensação de surfar selva adentro é indescritível. Parece que você está num mundo paralelo. É muito mais do que surfe, é uma interação inesquecível entre natureza e ser humano”.
Um dos primeiros a escrever sobre a pororoca foi o espanhol Vicente Yáñez Pinzón, capitão da caravela Niña na armada de Cristóvão Colombo. No início de 1500, Pinzón e sua tripulação tiveram a nave arrastada pela força
das águas. O explorador francês Jacques Cousteau sobrevoou a onda e produziu imagens incríveis nos anos 1980 (quando uma de suas embarcações foi igualmente engolfada pelo barro). Mais de 400 anos separaram a viagem de Pinzón da primeira expedição para surfar na pororoca.
Aos 32 anos, Laus sempre retorna para o rio Araguari, no Amapá, local da pororoca mais violenta. Em seu currículo, coleciona naufrágios (“a lancha foi engolida como brinquedo na mão de criança”) e outras desventuras. Já se perdeu no mato por mais de dois dias e fraturou a lombar (“Fiquei no núcleo do monstro, rodopiando. Foram 45 segundos de puro desespero”). Apesar do perigo constante, ele continua voltando à selva, ano após ano.
Experiências quase trágicas são qualificadas como mais alguns capítulos em seu livro de aventuras. “Não gosto de perder, mas aceito a derrota com naturalidade, como um aprendizado.” Entre a primeira viagem, em 2000, e hoje, lá se vão doze temporadas e mais de 75 expedições. Cada uma delas lhe rende cinco dias de esporte. Numa contagem nada científica, isso teria outorgado a Laus 22 500 minutos surfando ondas na selva amazônica – ou mais de 15 dias apenas e tão somente na pororoca.
“O preparo físico e mental é fundamental para aguentar a pressão de surfar toneladas de água que invadem a floresta como um tsunami”, diz ele. A melhor pororoca aconteceu em 2005, quando Serginho bateu um recorde mundial de permanência numa única onda. No dia 24 de junho, conseguiu deslizar por 33 minutos e 15 segundos ao longo de 10,1 quilômetros. O feito rendeu menção no Guinness Book of Records.
“Faço muito mais para aquela região e aquelas pessoas do que apenas surfar”, acredita Laus. Como presidente do Instituto Pororoca e um dos fundadores da ONG Maré Amazônia, ele quer desenvolver estudos e mapeamentos. “Existem grupos interessados em explorar o local desordenadamente, e isso me preocupa muito”, acusa. Uma forma de promover suas ideias sobre educação ambiental é viajar e receber viajantes.
Ele foi o primeiro brasileiro a encarar a pororoca francesa, chamada mascaret, no rio Dordogne, na região vinícola de Bordeaux. Também deslizou na do rio Qiantang, na China (a temida “Dragão Negro”), e na do rio Severn, na Inglaterra. No ano passado, foi sua vez de recepcionar os gringos como anfitrião da maior expedição internacional para a pororoca amazônica. “É como se chocar com um trem, tamanha a força”, declarou na ocasião o surfista inglês Steve King. “E as ondas são imensas e limpas.”
São Paulo - Se você não tem idade para se lembrar de Amaral Netto, o apresentador da TV Globo que, nos anos 1970, fazia o trabalho sujo de cantar as glórias do Brasil Grande na ditadura militar, o termo “pororoca” pode soar estranho.Trata-se, basicamente, de uma massa de água do mar que invade a desembocadura do rio, gerando uma sequência de ondas que se estende por vários quilômetros e horas.
A maior intensidade é atingida nas luas cheias ou novas, na fase de maré viva ou sizígia. Quando vem vindo, a água ganha tal volume que pode ser ouvida bem antes de ser vista. Embora aconteça em diversas partes do mundo, o fenômeno ficou célebre na Amazônia .
Derivado do tupi, poroc poroc, a palavra significa “destruidor, grande estrondo”. É tudo isso e muito mais. No rastro do seu percurso são deixados detritos, troncos, galhos e mururés (planta aquática), além de uma variedade incalculável de aves, répteis, peixes e cobras. As mais temíveis ocorrem nos rios de Amapá, Maranhão e Pará.
Muitas vezes a mais de 20 horas de barco de cidades maiores. Agora, por que alguém iria querer se jogar no meio daquela fúria? Para o surfista paranaense Serginho Laus, a resposta é clara e límpida: “A sensação de surfar selva adentro é indescritível. Parece que você está num mundo paralelo. É muito mais do que surfe, é uma interação inesquecível entre natureza e ser humano”.
Um dos primeiros a escrever sobre a pororoca foi o espanhol Vicente Yáñez Pinzón, capitão da caravela Niña na armada de Cristóvão Colombo. No início de 1500, Pinzón e sua tripulação tiveram a nave arrastada pela força
das águas. O explorador francês Jacques Cousteau sobrevoou a onda e produziu imagens incríveis nos anos 1980 (quando uma de suas embarcações foi igualmente engolfada pelo barro). Mais de 400 anos separaram a viagem de Pinzón da primeira expedição para surfar na pororoca.
Aos 32 anos, Laus sempre retorna para o rio Araguari, no Amapá, local da pororoca mais violenta. Em seu currículo, coleciona naufrágios (“a lancha foi engolida como brinquedo na mão de criança”) e outras desventuras. Já se perdeu no mato por mais de dois dias e fraturou a lombar (“Fiquei no núcleo do monstro, rodopiando. Foram 45 segundos de puro desespero”). Apesar do perigo constante, ele continua voltando à selva, ano após ano.
Experiências quase trágicas são qualificadas como mais alguns capítulos em seu livro de aventuras. “Não gosto de perder, mas aceito a derrota com naturalidade, como um aprendizado.” Entre a primeira viagem, em 2000, e hoje, lá se vão doze temporadas e mais de 75 expedições. Cada uma delas lhe rende cinco dias de esporte. Numa contagem nada científica, isso teria outorgado a Laus 22 500 minutos surfando ondas na selva amazônica – ou mais de 15 dias apenas e tão somente na pororoca.
“O preparo físico e mental é fundamental para aguentar a pressão de surfar toneladas de água que invadem a floresta como um tsunami”, diz ele. A melhor pororoca aconteceu em 2005, quando Serginho bateu um recorde mundial de permanência numa única onda. No dia 24 de junho, conseguiu deslizar por 33 minutos e 15 segundos ao longo de 10,1 quilômetros. O feito rendeu menção no Guinness Book of Records.
“Faço muito mais para aquela região e aquelas pessoas do que apenas surfar”, acredita Laus. Como presidente do Instituto Pororoca e um dos fundadores da ONG Maré Amazônia, ele quer desenvolver estudos e mapeamentos. “Existem grupos interessados em explorar o local desordenadamente, e isso me preocupa muito”, acusa. Uma forma de promover suas ideias sobre educação ambiental é viajar e receber viajantes.
Ele foi o primeiro brasileiro a encarar a pororoca francesa, chamada mascaret, no rio Dordogne, na região vinícola de Bordeaux. Também deslizou na do rio Qiantang, na China (a temida “Dragão Negro”), e na do rio Severn, na Inglaterra. No ano passado, foi sua vez de recepcionar os gringos como anfitrião da maior expedição internacional para a pororoca amazônica. “É como se chocar com um trem, tamanha a força”, declarou na ocasião o surfista inglês Steve King. “E as ondas são imensas e limpas.”