Casual

No melhor restaurante do mundo: menu a R$1.000 e 6 meses de fila

Com menu inspirado em Nova York, o Eleven Madison Park oferece desde foie-gras curado, selado e transformado em pudim até pato Moscovy recheado com lavanda

Eleven Madison Park: incorporando a energia de Nova York à culinária local, o restaurante deixou de ser duas estrelas para ser o melhor do mundo (EMP/Divulgação)

Eleven Madison Park: incorporando a energia de Nova York à culinária local, o restaurante deixou de ser duas estrelas para ser o melhor do mundo (EMP/Divulgação)

RK

Rafael Kato

Publicado em 12 de junho de 2017 às 18h48.

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google PlayPara ler reportagens antecipadamente, assine EXAME Hoje.

NOVA YORK — Empurro a porta giratória do Eleven Madison Park em vão, pois são 13h e o melhor restaurante do mundo está fechado na hora do almoço. O restaurante — que em abril chegou ao topo da lista dos melhores do mundo, segundo o ranking San Pellegrino — fica em frente ao Madison Square Park, um pedaço verde no coração de Manhattan, dentro de um prédio nunca terminado, conhecido como North Building.

Projetado na década de 1920 para ser o prédio mais alto do mundo, o edifício tem apenas 30 andares e um topo reto, resultado da crise de 1929 e da Grande Depressão, que impossibilitaram o término da obra. Acabou ficando com o aspecto de uma grande caixa, com mais elevadores do que o necessário e com um lobby gigantesco, marcado pelas características da Art Deco e pelas grandes janelas, voltadas para o Madison Square Park.

O que seria o lobby do maior edifício do mundo foi adaptado para hospedar o Eleven Madison Park em 1998. Por causa dessas características o restaurante preserva um aspecto único, quase como se fosse uma catedral culinária no centro de Nova York, com enormes lustres que iluminam o salão. Quando surgiu, o Eleven era uma das joias mais antigas da coroa do empresário Danny Meyer, especializado em restaurantes e hotéis. Meyer tinha objetivos bem menos auspiciosos do que transformar o Eleven Madison Park no melhor restaurante do mundo e durante anos o lugar funcionou como uma brasserie francesa.

Pouco menos de dez anos depois, em 2006, Meyer proporia mudanças ao modelo de negócio do Eleven— que até então tinha apenas duas estrelas das quatro disponíveis na crítica do jornal The New York Times. O empresário trouxe para o restaurante o chef suíço Daniel Humm, que então morava em São Francisco e foi criado na fina arte da cozinha francesa, em restaurantes como o três estrelas Michelin Le Pont de Brent e o Gasthaus zum Gupf, nos Alpes Suíços. Alguns meses à frente do Eleven fizeram Humm perceber que não podia fazer aquela mudança sozinho e que precisava de um parceiro na sala de jantar. Ele conheceu o restaurateur Will Guidara, que à época trabalhava em um café de Meyer no Museu de Arte Moderna, e o convidou a compor o time. As ideais dos dois sobre como um restaurante deve ser eram parecidas e Guidara topou o desafio, mas somente por um ano.

Tal qual um Miles Davis

“Quero tudo, vamos tomar um pouco de tudo”, diz Will Guidara com um largo sorriso à garçonete da Library, uma parte do bar do Hotel NoMad, em Manhattan, que pertence ao grupo Make It Nice, do qual ele e Humm são donos. Guidara, do alto dos seus 36 anos e de um terno com o caimento impecável, é expansivo e comenta sobre a bebida que pedi antes que ele chegasse. Daniel Humm, com 40 anos, chega logo na sequência, muito mais à vontade num jeans azul e camiseta branca. Ele carrega um copo do restaurante Made Nice, o mais novo empreendimento do grupo Make It Nice, que serve refeições mais simples, feitas para o dia-a-dia. Humm é singelo e austero de uma maneira que passaria despercebido não fosse seu 1,93m de altura.

Encontro-me com os dois na Library antes do Eleven Madison Park abrir, às 17h30. Chega a ser frustrante fazer uma reportagem sobre o melhor restaurante do mundo sem provar seus pratos, mas o Eleven está completamente reservado desde o início do ano, antes mesmo de ganhar o prêmio de San Pellegrino, o que deu aos clientes que já tinham reservas uma sensação de vitória. Em algumas horas, o menu degustação de 3h, inspirado em Nova York, começará a ser servido perto dali, servindo desde foie-gras curado, selado e transformado em pudim, servido com geleia de aspargos até pato Moscovy, recheado com lavanda e servido com mel.

Humm explica como os dois começaram a trabalhar juntos no restaurante de Meyer e, mais importante, como continuaram a trabalhar juntos depois do primeiro ano estabelecido por Guidara.“Depois desse ano, nós estávamos nos divertindo e percebemos que havia muito trabalho ainda para ser feito” , diz Humm. “Eu nunca quis trabalhar com jantares finos. Estudo serviços de jantar desde muito jovem e nunca quis trabalhar na alta classe da culinária porque muitos chefs pensam que se trata somente da cozinha e nunca do serviço. Por isso eu disse que faria isso somente por um ano”, afirma o restaurateur. A relação dos dois se mostrou tão afetuosa que Guidara continuou ao lado de Humm e os dois começariam a transformar o Eleven Madison Park no que é hoje: uma mistura cosmopolita de tudo aquilo que construiu a cidade de Nova York.

Ao assumirem o restaurante, os dois começaram a buscar inspiração. Entre uma das mais importantes está o músico Miles Davis, que ainda hoje faz parte do dia-a-dia do Eleven Madison Park. Em 2006, meses após Humm assumir a cozinha, a crítica Moira Hodgson, da revista Observer, elogiou os talentos do chef, mas disse que faltava um pouco de Miles Davis ao lugar. “Eu fiquei pensando o que ela queria dizer com isso”, afirma Guidara. “Chegamos a uma lista com 11 adjetivos que definiam o músico e que deveríamos aplicar à cozinha e ao serviço: legal, reinvenção constante, inspirado, pra frente, fresco, colaborativo, espontâneo, vibrante, aventureiro, leve e inovativo.”

Até hoje fotos de Miles Davis estão espalhadas pela cozinha, onde a entrada é guardada por um quadro com as mesmas 11 palavras. Após terminar suas refeições, os clientes são convidados a visitar a cozinha. No salão, enquanto o jantar é servido durante a noite, é possível eventualmente escutar os trompetes e pianos de Davis.

Enquanto buscavam inspiração e ganhavam a consideração da crítica gastronômica local, o restaurante precisava de uma reforma. Eles convenceram Meyer a revitalizar do espaço em 2008, sob o argumento de que isso poderia alçar o restaurante à mais alta classe culinária de Nova York. Na noite de reabertura, durante um jantar beneficente, o banco Lehmann Brothers quebrou. Tudo que era certo se desfazia no ar enquanto uma nova depressão tomava conta dos Estados Unidos e do mundo. Se a crise de 1929 cortou o crescimento do North Building, a crise de 2008 poderia interromper a ascensão do Eleven Madison Park.

Nos meses seguintes, o Eleven Madison Park apertou as contas e fez cortes até na quantidade de sabão usada para lavar a louça. Enquanto isso, outros restaurantes de Nova York, como o Fiamma e o Fleur de Sel, ambos com uma estrela Michelin, fechavam as portas. Em 2008 e 2009 o Eleven não deu lucro. Com uma manobra arriscada, eles conseguiram encher a casa na noite em que sabiam que receberiam a visita de um importante crítico do jornal The New York Times. Ganharam quatro estrelas na avaliação, publicada em agosto, e a partir de então todas as noites estavam cheias. O Eleven começou a fazer dinheiro em uma época que os restaurantes da cidade lutavam contra a crise.

Guidara e Humm foram convidados a abrir braços do Eleven Madison Park em outras cidades, como Londres e Tóquio — às vezes até com um bônus de sete dígitos anexado. Receosos de que uma empreitada além-mar pudesse tirar a atenção dos negócios em casa, cada uma das ofertas foi negada. Mas em meados de 2010 a empresa de investimentos GFI se aproximou dos dois para discutir a abertura de um restaurante em Manhattan, em um novo hotel que seria chamado de NoMad — o negócio propunha a divisão dos lucros e nenhum investimento inicial. Era bom demais pra deixar passar, e assim começava a se desenhar o grupo Make It Nice.

A apenas cinco minutos de caminhada do Eleven Madison Park, o problema do NoMad agora era Meyer. Embora ele admirasse o ímpeto empreendedor dos dois, a competição tão próxima poderia trazer a baixo seu próprio restaurante. Segundo Humm disse à revista New Yorker em 2012, Meyer afirmou que “a única maneira de prosseguir com isso é com vocês deixando para trás o Eleven Madison Park e indo em frente com o NoMad, ou comprando o Eleven de mim”. Meyer fez seu preço, e Guidara e Humm compraram o Eleven com a ajuda de um fiel cliente, Noam Gottesman, que deixou o banco Goldman Sachs para fundar seu próprio fundo de investimentos. Um novo restaurante do NoMad está nos planos do grupo para São Francisco nos próximos anos.

A fazenda na selva de pedra

Durante todo esse processo, não só o Eleven Madison Park ou o cardápio que mudaram, mas Guidara e Humm também. O Eleven passou a ser um restaurante global e finalmente se transformou em um restaurante de Nova York, ganhando suas três estrelas Michelin em 2012. Guidara e Humm escreveram juntos um livro, I Love New York, em que descrevem a cozinha local, as fazendas e o estado de Nova York. Com esse amor pela cidade e pelo estado, eles começaram a servir em seus pratos somente ingredientes feitos em Nova York. Ao estilo de grandes chefs ao redor do mundo, que mantêm tudo que entra na cozinha o mais próximo possível dos olhos. “Durante a elaboração do livro, viajamos muito pelo estado de Nova York. Se você dirigir meia hora ao norte da ilha de Manhattan, haverá fazendas até onde a vista puder alcançar. Estar na costa norte do Atlântico nos permite também ter acesso a ótimos frutos do mar”, diz Humm.

Humm e Guidara chegaram à conclusão de que o que marca alguém que vai até um dos melhores restaurantes do mundo é a experiência e a marca da região. “Há esse restaurante na França, de Michel Bras, na cidade de Laguiole, onde tudo é tão preciso e tão perfeito. Naquela região da França, todas as pessoas comem com suas próprias facas, que não são tocadas por mais ninguém. E no Bras é assim também: é trazida antes da refeição para cada pessoa uma faca, que nunca é tocada, limpa ou retirada da mesa. Isso é algo que ficou comigo, porque eu queria trazer essa experiência para o ambiente refinado e grandioso do Eleven Madison Park”, diz Humm. Para ele, a culinária acontece quando a agricultura e a história se colidem. E assim ele tenta trazer aos pratos a história da construção de uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, aliada à culinária da região.

Para Guidara, é uma faca de dois-gumes estar no coração de Nova York e ser um dos melhores restaurantes do mundo. Você entra no Eleven Madison Park e acabou de vir do coração da cidade, não há uma preparação como nas viagens que precedem e fazem parte da experiência de comer nesses pequenos restaurantes no interior da França.

Os dois perceberam que fazer um dos melhores restaurantes do mundo em Nova York tratava-se de trazer a cidade para o restaurante. No Eleven Madison Park é possível ouvir as pessoas conversando, o serviço não é sisudo ao modelo dos restaurantes finos europeus, as mesas são próximas umas das outras, há um barman chacoalhando drinks ao fundo. As grandes janelas do que era o lobby do edifício ajudam a trazer para dentro da sala de jantar o próprio Madison Square Park. Humm e Guidara quiseram trazer os barulhos, as conversas e a energia de Nova York para dentro do restaurante. “Nós acreditamos que é um grande restaurante. Há milhares deles pelo mundo, mas há alguns em que você entra e sente algo. É quase inefável, mas há uma energia que você sente. Não se trata da comida ser melhor, do serviço ser melhor ou do salão ser mais bonito. Mas sim de uma autenticidade genuína, de uma experiência. Isso é o que tentamos passar”, diz Guidara.

Na última sexta-feira 9, o Eleven Madison Park fechou as portas para mais uma reforma, programada antes mesmo de o restaurante ganhar o título de melhor do mundo, em abril deste ano. Serviu 11 pratos, celebrando os 11 anos de trabalho conjunto de Guidara e Humm, por 295 dólares. O aspecto catedrático do restaurante deve ser mantido, bem como as características Art Deco e a atmosfera nova iorquina que fizeram dele do que é. Mas, assim como Miles Davis, o menu e o Eleven Madison Park— Will Guidara e Daniel Humm inclusos — estão em constante renovação. As portas e as reservas devem ser reabertas em setembro. Ao que tudo indica as mesas continuarão cheias e as conversas ressoarão no ar.

Acompanhe tudo sobre:BaresGastronomiaNova York

Mais de Casual

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Os 5 melhores filmes e séries para maratonar no fim de semana

Estas são as atrações turísticas que você não poderá visitar em 2025

6 livros que C-levels brasileiras recomendam para o fim do ano