Esta é a estratégia da Netflix para atrair mais audiência
Sucesso na década de 1960, Perdidos no Espaço voltará em streaming e com mais efeitos especiais
Da Redação
Publicado em 17 de março de 2018 às 07h15.
Última atualização em 17 de março de 2018 às 10h49.
Los Angeles — Em menos de um mês, no dia 13 de abril, Perdidos no Espaço estará de volta às TVs, graças à infatigável Netflix .
Para os fãs da série original, dos anos 1960, isso pode ser uma notícia boa ou nem tanto – como é possível que a nova versão chegue aos pés das memórias de tardes diante da tela preto e branco, evitando o dever de casa e esperando ansiosamente pelo momento em que o robô diria “Perigo, Will Robinson, perigo!” ou o Dr. Smith seria punido pela trapaça que ele não podia deixar de fazer a cada episódio?
Por outro lado, a possibilidade de revisitar os velhos amigos de infância — agora a cores, com efeitos especiais de ponta e todo o luxo da cinematografia digital — não deixa de ser interessante.
Existe apenas um pequeno-grande detalhe: a nova versão da série não foi feita para eles, os velhos fãs. Ou melhor: não inteiramente para eles.
Bem-vindo ao universo do reboot & remake, a estratégia de (re)criação de conteúdo que mais uma vez impulsiona a indústria da TV e do streaming.
No cinema, o conceito de refeitura é tão antigo quanto a própria imagem em movimento — de Robin Hood (refeito cinco vezes a partir da primeira versão, em 1922) a Um Conto de Natal (também refeito cinco vezes, a partir da primeira adaptação da obra de Charles Dickens, em 1935) e Nasce um Estrela (que terá este ano sua terceira refeitura desde a primeira versão, de 1937), retornar a uma obra que já fez sucesso uma vez é uma prática corriqueira, e não apenas do cinema norte–americano: Bollywood é fã das refeituras, e há muitos casos no cinema japonês e francês.
A televisão, idem. De Missão Impossível a infinitas iterações de Jornada nas Estrelas, a TV tem em seu DNA a tendência de recolocar em atividade conceitos que deram certo no passado. Recentemente já tivemos a re-introduções de Havaí 5-O, Arquivos X, As Panteras, Will & Grace, S.W.A.T. e, na Netflix, Arrested Development e Fuller House. Este ano, apenas nas quatro grandes redes norte-americanas — ABC, CBS, NBC e Fox teremos reboots de Murphy Brown, Roseanne, Prison Break e Gilmore Girls – e ainda há ainda mais títulos sendo remoídos e reinventados – mas não muito – para temporadas futuras.
A lógica que sustenta tanto interesse por refeituras e reboots é simples: uma premissa, uma história e/ou um grupo de personagens conhecidos tem mais chance de satisfazer o público do que uma premissa completamente original. Por quê? Porque já deu certo antes.
Não é à toa que um adágio clássico da indústria é “ofereça uma ideia original, desde que não seja muito original.”
Um filme ou uma série que já fizeram sucesso funcionam como uma marca no mercado de consumo – um nome que é imediatamente reconhecido pelo consumidor como sinônimo de experiências específicas e, idealmente, prazeirosas.
Filmes e séries que fizeram muito sucesso agregam um outro valor: a capacidade de ultrapassar as bareriras de idade. Um conteudo-marca atinge a geração que o consumiu pela primeira vez e as gerações que vieram depois, ouvindo falar dele, vendo referências na cultura popular, tomando contato através da família e dos amigos mais velhos.
Isso vale ouro.
É o modelo praticado pela Disney desde seus primeiros anos, e acelerado nas últimas décadas com a aquisição da Lucasfilm, da Marvel e da Pixar – com raras exceções ( Uma Dobra no Tempo, por exemplo – mas que, de todo modo, baseia-se num livro clássico da literatura infanto-juvenil estadunidense), sua planilha de lançamentos é, essencialmente, um ciclo infinito de reboots e revisitas aos mesmos universos e narrativas, por diversos pontos de vista.
Apoiar-se em refeituras de conteúdos-marca é uma estratégia perfeita para tempos de alta competitividade, como agora. Com um universo cada vez maior de plataformas para o consumo de produtos audiovisuais, ter uma marca conhecida destaca um título no meio da gritaria de outras ofertas.
E assim chegamos ao novo Perdidos no Espaço. A série original, estreada nos Estados Unidos em 1965, já não era exatamente original — baseava-se numa série de quadrinhos, The Space Family Robison, de 1962, que por sua vez se baseava num filme de sucesso, Robinson Suíço, lançado pela Disney em 1960, que por sua vez era a adaptação de um livro infanto-juvenil do mesmo nome, de 1812, que por sua vez inspirava-se em Robinson Crusoé, de Daniel Dafoe, publicado em 1719.
Do século 18 ao espaço, esta maratona temática revela o quanto conteúdos-marca são parte essencial do nosso repertório, o quanto gostamos do tema sozinhos-contra-o-universo (todas essas histórias são sobre pessoas naufragadas num mundo desconhecido) e por que os personagens de Perdidos no Espaço têm o sobrenome “Robinson”.
A série de 1965 foi criada por Iwin Allen, mesmo produtor de outro hit dos anos 60, Viagem ao Fundo do Mar, e estreou com sucesso na rede CBS. Filmada em preto e branco nos estúdios da Fox, com o baixo orçamento típico das produções da época (monstros e alienígenas eram reciclados dos outros projetos do produtor), a série seguia a família Robinson – mãe, pai, dois filhos, um cachorro, um papagaio, um robô – em múltiplas aventuras depois que sua nave perde o rumo a caminho do planeta que deveria colonizar. Um passageiro clandestino, o malévolo Dr. Zachary Smith, responsável pelo incidente, tornou-se o vilão-estrela da série – um personagem tão popular que, a partir da segunda temporada, ele se tornou um dos protagonistas das aventuras. O tema de abertura eram de um jovem compositor, John Williams.
Depois do modesto sucesso incial, Perdidos no Espaço começou a perder audiência em 1966 para o imensamente popular Batman da rede ABC. Uma tentativa de acompanhar o clima pop-cômico da rival foi tornando a série cada vez menos aventureira e cada vez mais absurda — e perdendo audiência até ser cancelada em março de 1968.
Em 1972 Perdidos no Espaço foi transformada em desenhos animados, e em 1998 a produtora New Line lançou um filme, estrelado por Wlliam Hurt, Mimi Rogers, Heather Graham, Matt LeBlanc e Gary Oldman (como o Dr. Smith). O filme, como a série original, teve bilheteria boa mas não espetacular, e a sequência que estava planejada não saiu do papel.
Em 2003 a recém-criada rede Warner de televisão encomendou a Irwin Allen um reboot da série, com John Woo no comando. Um piloto foi produzido mas jamais exibido — seus cenários e objetos foram adquiridos por Ronald D. Moore e David Eick, que preparavam seu próprio reboot — da fracassada série de 1978, Battlestar Gallactica. Lançada como uma minissérie no também novo canal Sci-Fi, a nova iteração de Battlestar Gallactica – com os cenários reciclados de Perdidos no Espaço- tornou-se não apenas um sucesso e uma referência na cultura pop, mas um exemplo de como fazer um reboot de uma propriedade intelectual. Muitos profissionais e observadores da indústria acreditam que se deve a Battlestar Gallactica 2003 o renovado entusiasmo pelo conceito de reboot.
Passados 11 anos, a Legendary Television – braço de TV da produtora famosa por seus títulos baseados em HQ e sci fi- começou a desenvolver um novo Perdidos no Espaço com os roteiristas Matt Sazana e Burk Sharpless (Dracula, Ahistória Nunca Cintada, Deuses do Egito). Em 2015, a Netflix entrou no projeto e, em 2016, acertou com a Legendary a produção de uma primeira temporada com 10 episódios – que é o que veremos a partir de 13 de abril.
O reboot retoma ideias originais de Irwin Allen – aventura e exploração em vez de comédia, a família Robison com três filhos, com ambos os pais engajados em ciência (a mãe bioquímica da versão dos anos 60 basicamente preparava o jantar, lavava a louça e acalmava o pai) e traz algumas novidades importantes: o Dr. Smith agora é uma mulher (Parker Posey), o robô é um ser alienígena vagamente aterrorizante, e não se economizou orçamento para cenários e efeitos especiais.
Será que vamos gostar? Não há por que não. Afinal, vem fazendo sucesso desde o século 18.
Assista ao trailer: