Mulheres e calcinha fio dental: o que a moda revela sobre o machismo
Ao ressuscitar a peça, celebridades como Anitta, Kim Kardashian e Bella Hadid revelam uma sociedade machista
Daniel Salles
Publicado em 12 de novembro de 2020 às 09h01.
Última atualização em 14 de novembro de 2020 às 16h42.
Vocês lembram da calcinha fio-dental, febre nos anos 2000, exibida por celebridades como Britney Spears, Christina Aguilera e diversas outras artistas na época? Pois bem ou mal a peça voltou, agora com Bella Hadid, Anitta, Kim Kardashian e Beyoncé, entre outras. O uso da diminuta lingerie revela mais do que o corpo das celebridades: uma sociedade machista.
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Poderia ser só mais uma onda de consumo de moda que sumiria com o passar da velocidade do tempo. Mas o fio dental, que por mais que tenha indícios que não veio para ficar, é um fator importante para trazer reflexões sobre o contexto social que se vive. Seria apenas uma ‘modinha passageira’ se a repercussão em torno da peça não fosse tão instigante diante dos comentários negativos para as mulheres que decidiram usá-la. Muitas pessoas marcaram o perfil das celebridades com frases de julgamentos opressores e machistas, mostrando, mais uma vez, como o corpo feminino ainda é um símbolo de objeto e controle social.
Segundo Fabio Mariano Borges, sociólogo especialista em comportamento de consumo e professor titular da ESPM, de São Paulo, o fio dental não é o causador da polêmica, mas, sim, a sociedade patriarcal. “O brasileiro tende a olhar para o corpo feminino, principalmente, sempre de forma sexualizada. E quando ele está exposto esse olhar ganha ainda mais interpretações sugestivas de ser um corpo à disposição e vulgarizado”, explica.
De acordo com Mirela Perez, figurinista e pesquisadora em semiótica aplicada ao feminino burlesco de São Paulo, “reviver essa tendência e transformá-la em artigo de luxo é uma maneira de questionar os tabus envolvendo o corpo feminino e o papel da moda na perpetuação desses estereótipos”. Entretanto, na visão de ambos os especialistas o produto não indica um movimento consciente e ativista do feminismo, mas que sim é um sinal de que as mulheres estão muito mais empoderadas de seu corpo. “Empoderamento é quando alguém pega aquilo que é tido como ruim e usa a seu favor, de um jeito protagonista e que gera, de certa forma, uma provocação ao que é normatizado”, reflete Fábio Mariano.
Enquanto Anitta e Kim Kardashian se sentem empoderadas e donas da própria história, corpo e voz, isso não é uma verdade para todas. Muitas mulheres ainda não se sentem à vontade em suas próprias ‘vestes’ de mulheres. Assim como a caixa de comentários opressores de mídias sociais delatam pessoas com discursos machistas, a sociedade revela a cada atitude de uma mulher um gatilho de julgamento e punição.
Não à toa, vivenciamos no último mês a exposição e humilhação da influenciadora Mari Ferrer, vítima de estupro, que, por não ter um comportamento e vestes adequadas diante da expectativa social, foi considerada culpada pelo crime que sofreu. “Enquanto o machismo articulado por homens vem de um lugar de privilégio, o feminino tem origem na culpa, censura e medo. A mulher é ensinada desde cedo a agir de determinada forma, a se vestir de determinada maneira para chamar a atenção e buscar a aprovação do público masculino”, sinaliza Mirela Perez. Infelizmente, nada de novo sob o sol, certo?
A pergunta que fica, ao ver esse enredo acontecendo em 2020, é “até quando peças como calcinha fio dental serão motivos para julgar e valorar uma mulher? Pois, a o fato é claro: a medida de valor para a ala masculina é bem diferente, não? Ou você já escutou algo agressivo e opressor quando Neymar e Justin Bieber saem por aí com suas cuecas à mostra, trazendo logos de marcas famosas gigantes? Ah, no caso deles é um comportamento de atitude e estilo. No caso das mulheres, é desprezível. Pelo jeito esta lógica só o machismo vai conseguir explicar para você. Seguimos!