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Livro relaciona Almeida Júnior com identidade paulista

Ao retratar caipiras e figuras da elite paulista, pintor colaborou para conformação de uma identidade de São Paulo que começou a ser elaborada na metade do século 19

Reprodução do quadro O Caipira Picando Fumo, do pintor Almeira Júnior (Reprodução)
DR

Da Redação

Publicado em 27 de junho de 2012 às 09h50.

São Paulo - O pintor e desenhista brasileiro José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899) contribuiu por meio de suas obras para a afirmação de uma identidade genuinamente paulista que começou a ser elaborada na metade do século 19 composta, de um lado, por imagens relacionadas ao passado e às origens de São Paulo , e de outro lado, por símbolos associados ao presente e ao futuro do estado.

Ao pintar figuras como os caipiras, os derrubadores e os monçoneiros, o artista plástico nascido em Itu colaborou para a construção de uma imagem de São Paulo como um estado rural, que teria se originado por obra dos “desbravadores das matas” – neste caso, os bandeirantes, dos quais os caipiras são remanescentes e estão muito ligados.

Ao mesmo tempo, ao retratar figuras importantes da elite paulista da época, como advogados e engenheiros, também ajudou na constituição de outra face da imagem paulista que começava ser erigida, associada à modernidade, ao cosmopolitismo e ao progresso.

A avaliação é feita por Daniela Carolina Perutti no livro Almeida Júnior, gestos feitos de tinta, publicado com auxílio da Fapesp por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.

Resultado do trabalho de mestrado realizado por Perutti na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da Fapesp e sob orientação da professora Lilia Moritz Schwarcz, no livro Perutti analisa como a maneira pela qual os personagens são retratados nas telas de Almeida Júnior produz um discurso sobre uma certa identidade paulista que começou a ser elaborada na metade do século 19, quando o artista produziu suas obras.

Marcada por um grande crescimento econômico, de urbanização e de aumento populacional em ritmo até então desconhecido, em decorrência da economia cafeeira, na época havia uma preocupação das elites paulistas com a afirmação de São Paulo no cenário brasileiro, procurando estabelecer a contribuição do estado para a formação da nação brasileira.


Para isso, foram criados o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e o Museu Paulista, com a missão de constituir uma história local e em oposição à historiografia do Rio de Janeiro, construída na monarquia por instituições como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e baseada na figura do índio, entendido como o fundador do Brasil.

Nascido e criado no meio rural, de onde saiu apenas para estudar pintura na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro e, posteriormente, na École de Beaux-Arts em Paris, e sabendo da demanda das elites paulistas, pelas quais circulava, em pensar as figuras constitutivas do estado, o artista plástico elegeu o caipira para narrar em suas telas o passado paulista, que teria se originado por meio da desbravação dos interiores do país.

Desse modo, os caipiras seriam remanescentes do início da ocupação do Estado de São Paulo pelos bandeirantes – a figura escolhida como a representante da historiografia do estado e que sintetizava os símbolos do europeu e de um homem civilizado, responsável por levar o progresso ao interior do país, e ao mesmo tempo simples, corajoso e aventureiro.

“Almeida Júnior soube dar uma conotação muito boa para os caipiras que pintou de modo a atender a demanda das elites paulistas, aproveitando toda a experiência e vivência que teve no meio rural para trazer para suas telas um personagem tipicamente paulista para o imaginário da época”, avaliou Perutti.

Nova identidade paulistana

Segundo Perutti, em pinturas regionalistas, que incluem Caipira picando fumo e O derrubador brasileiro, Almeida Júnior deu um sentido muito positivo para a figura do caipira, discordando, em grande medida, da visão hegemônica sobre a figura na época de que, assim com os indígenas, o caipira seria um sujeito preguiçoso, indolente e avesso à socialização e que deveria desaparecer para dar lugar à civilização.


Informado pela literatura determinista da época, que pensava o homem como produto de seu meio físico, Almeida Júnior procurou identificar o corpo dos caipiras retratados em suas telas com o ambiente representado ao redor deles.

Nesse sentido, a coloração dos corpos dos caipiras pintados quase que se confunde com o chão de terra batida, com uma cor de terra, meio avermelhada. E a luz do sol produz um efeito muito parecido na terra e nos corpos dos personagens.

Por outro lado, os personagens – cujo enquadramento é muito próximo do espectador, fazendo com que possam entrar na vida íntima dos caipiras – são retratados realizando atividades muito simples e específicas, como picando fumo, apertando o lombilho do cavalo ou pitando um cachimbo, o que lhes confere uma positividade moral.

“Almeida Júnior construiu uma notação do gesto muito própria para esses personagens. Ao mesmo tempo em que há um movimento de valorização da figura do caipira em suas telas, ele procurou identificá-los com o meio físico”, disse Perutti.

Perutti também observa que o artista retratou os caipiras sempre em ambientes muito isolados, com um ou, no máximo, dois personagens em cena, e sem nenhum símbolo de progresso, como os existentes nos diversos retratos e pinturas de gênero que produziu de figuras importantes da elite paulista da época.

Nessas pinturas burguesas, personalidades como Prudente de Morais (1841-1902) e o Marquês de Itu (1823-1889) são retratados próximos de estantes de livros. E algumas figuras, como advogados, estão em ambientes com janelas em que se observa, ao fundo, instituições como a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

“Almeida Júnior produz essas imagens com uma série de símbolos de poder, que representam uma certa modernidade e progresso de São Paulo e contrastam com as representações dos caipiras”, disse Perutti.

Dessa forma, conforme aponta Schwarcz no prefácio do livro, Almeida Júnior contribuiu para a conformação de uma nova identidade paulista, que estava sedenta de símbolos próprios e buscando ao mesmo tempo por uma particularidade regional e por um presente dos mais gloriosos.

Almeida Júnior, gestos feitos de tinta
Autora: Daniela Carolina Perutti
Páginas: 294
Lançamento: 2012
Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br/almeida-junior-gestos-feitos-de-tinta/

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São Paulo - O pintor e desenhista brasileiro José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899) contribuiu por meio de suas obras para a afirmação de uma identidade genuinamente paulista que começou a ser elaborada na metade do século 19 composta, de um lado, por imagens relacionadas ao passado e às origens de São Paulo , e de outro lado, por símbolos associados ao presente e ao futuro do estado.

Ao pintar figuras como os caipiras, os derrubadores e os monçoneiros, o artista plástico nascido em Itu colaborou para a construção de uma imagem de São Paulo como um estado rural, que teria se originado por obra dos “desbravadores das matas” – neste caso, os bandeirantes, dos quais os caipiras são remanescentes e estão muito ligados.

Ao mesmo tempo, ao retratar figuras importantes da elite paulista da época, como advogados e engenheiros, também ajudou na constituição de outra face da imagem paulista que começava ser erigida, associada à modernidade, ao cosmopolitismo e ao progresso.

A avaliação é feita por Daniela Carolina Perutti no livro Almeida Júnior, gestos feitos de tinta, publicado com auxílio da Fapesp por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.

Resultado do trabalho de mestrado realizado por Perutti na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da Fapesp e sob orientação da professora Lilia Moritz Schwarcz, no livro Perutti analisa como a maneira pela qual os personagens são retratados nas telas de Almeida Júnior produz um discurso sobre uma certa identidade paulista que começou a ser elaborada na metade do século 19, quando o artista produziu suas obras.

Marcada por um grande crescimento econômico, de urbanização e de aumento populacional em ritmo até então desconhecido, em decorrência da economia cafeeira, na época havia uma preocupação das elites paulistas com a afirmação de São Paulo no cenário brasileiro, procurando estabelecer a contribuição do estado para a formação da nação brasileira.


Para isso, foram criados o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e o Museu Paulista, com a missão de constituir uma história local e em oposição à historiografia do Rio de Janeiro, construída na monarquia por instituições como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e baseada na figura do índio, entendido como o fundador do Brasil.

Nascido e criado no meio rural, de onde saiu apenas para estudar pintura na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro e, posteriormente, na École de Beaux-Arts em Paris, e sabendo da demanda das elites paulistas, pelas quais circulava, em pensar as figuras constitutivas do estado, o artista plástico elegeu o caipira para narrar em suas telas o passado paulista, que teria se originado por meio da desbravação dos interiores do país.

Desse modo, os caipiras seriam remanescentes do início da ocupação do Estado de São Paulo pelos bandeirantes – a figura escolhida como a representante da historiografia do estado e que sintetizava os símbolos do europeu e de um homem civilizado, responsável por levar o progresso ao interior do país, e ao mesmo tempo simples, corajoso e aventureiro.

“Almeida Júnior soube dar uma conotação muito boa para os caipiras que pintou de modo a atender a demanda das elites paulistas, aproveitando toda a experiência e vivência que teve no meio rural para trazer para suas telas um personagem tipicamente paulista para o imaginário da época”, avaliou Perutti.

Nova identidade paulistana

Segundo Perutti, em pinturas regionalistas, que incluem Caipira picando fumo e O derrubador brasileiro, Almeida Júnior deu um sentido muito positivo para a figura do caipira, discordando, em grande medida, da visão hegemônica sobre a figura na época de que, assim com os indígenas, o caipira seria um sujeito preguiçoso, indolente e avesso à socialização e que deveria desaparecer para dar lugar à civilização.


Informado pela literatura determinista da época, que pensava o homem como produto de seu meio físico, Almeida Júnior procurou identificar o corpo dos caipiras retratados em suas telas com o ambiente representado ao redor deles.

Nesse sentido, a coloração dos corpos dos caipiras pintados quase que se confunde com o chão de terra batida, com uma cor de terra, meio avermelhada. E a luz do sol produz um efeito muito parecido na terra e nos corpos dos personagens.

Por outro lado, os personagens – cujo enquadramento é muito próximo do espectador, fazendo com que possam entrar na vida íntima dos caipiras – são retratados realizando atividades muito simples e específicas, como picando fumo, apertando o lombilho do cavalo ou pitando um cachimbo, o que lhes confere uma positividade moral.

“Almeida Júnior construiu uma notação do gesto muito própria para esses personagens. Ao mesmo tempo em que há um movimento de valorização da figura do caipira em suas telas, ele procurou identificá-los com o meio físico”, disse Perutti.

Perutti também observa que o artista retratou os caipiras sempre em ambientes muito isolados, com um ou, no máximo, dois personagens em cena, e sem nenhum símbolo de progresso, como os existentes nos diversos retratos e pinturas de gênero que produziu de figuras importantes da elite paulista da época.

Nessas pinturas burguesas, personalidades como Prudente de Morais (1841-1902) e o Marquês de Itu (1823-1889) são retratados próximos de estantes de livros. E algumas figuras, como advogados, estão em ambientes com janelas em que se observa, ao fundo, instituições como a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

“Almeida Júnior produz essas imagens com uma série de símbolos de poder, que representam uma certa modernidade e progresso de São Paulo e contrastam com as representações dos caipiras”, disse Perutti.

Dessa forma, conforme aponta Schwarcz no prefácio do livro, Almeida Júnior contribuiu para a conformação de uma nova identidade paulista, que estava sedenta de símbolos próprios e buscando ao mesmo tempo por uma particularidade regional e por um presente dos mais gloriosos.

Almeida Júnior, gestos feitos de tinta
Autora: Daniela Carolina Perutti
Páginas: 294
Lançamento: 2012
Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br/almeida-junior-gestos-feitos-de-tinta/

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