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Irmãos Campana questionam uma de suas obras mais conhecidas

Humberto e Fernando Campana saíram do interior de SP para conquistar o mundo com seus projeto; conheça a trajetória da dupla

Humberto e Fernando Campana, os maiores designers de objetos do Brasil (Estúdio Campana/Facebook/Divulgação)
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Clara Cerioni

Publicado em 1 de outubro de 2017 às 08h00.

Última atualização em 1 de outubro de 2017 às 08h00.

São Paulo – Humberto e Fernando cresceram construindo seus próprios brinquedos e suas casas na árvore. Nascidos em Brotas, no interior de São Paulo , nenhum dos dois, hoje conhecidos como irmãos Campana, imaginaram que iriam conquistar o mundo com suas peças ousadas e seus objetos carregados de arte e funcionalidade.

Há pouco mais de três décadas de trabalho em conjunto, os dois maiores designers de objetos do Brasil sempre desejaram revolucionar a criação de peças por meio de histórias de vida e recordação de suas raízes. A mais recente mostra da dupla, intitulada “Fernando and Humberto Campana: Hybridism”, que está em exibição na galeria Friedman Brenda, em Nova York , é um dos trabalhos mais autorais e esculturais dos irmãos.

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Em cartaz até o dia 14 de outubro, a exposição busca traduzir por meio dos objetos os tempos difíceis que o mundo enfrenta. “Hibridismo para nós significa se adaptar a momentos difíceis. Aqui vivemos uma crise política sem precedentes. No mundo, a crise de refugiados, o conflito na Coreia do Norte e a calamidade da Venezuela nos deixam em catarse. É sobre isso que a mostra fala: tudo o que nos magoa e nos desanima é representado por meio da arte”, conta Humberto, em entrevista a EXAME.com.

Na conversa, o designer explora detalhes da carreira dos dois, diz que ambos questionam o nome de uma de suas obras mais famosas, a cadeira "Favela",  e fala sobre os próximos projetos da dupla,

Como começou a trajetória no designer?

Nunca planejamos seguir essa carreira. Eu me formei em direito e até cheguei a trabalhar em escritórios de advocacia. Meu irmão se enveredou pela arquitetura. Mas ambos sabíamos desde crianças que éramos artistas. A infância no interior foi muito boa, porque nos fomentou o contato direto com a terra. Com 26 anos eu decidi fazer um mantra na minha vida: começaria minhas obras com as próprias mãos e foi isso o que fiz.

Mas por que a escolha de trabalhar com objetos?

Eu tinha um estúdio que fazia trabalhos em vime para lojas de departamento, em paralelo com cursos de esculturas. Teve um ano em que o Fernando foi me dar uma força para dar conta das entregas. Depois ele nunca mais saiu de lá. Nós somos muito amigos e a nossa junção é inteligente, porque ele dá funcionalidade para as minhas criações.

Como é o trabalho em conjunto?

Hoje em dia fazemos tudo juntos. Ou ele cria e eu melhoro a ideia ou o contrário. Eu particularmente adoro os processos de construção, tanto que o que eu mais gosto é de ficar com os artesãos. Acredito que nossa grande missão é recuperar tradições que estão em vias de desaparecer e quem faz isso são os artesãos. A manualidade pode, sim, dialogar com a alta tecnologia, mas não se pode esquecer a tradição.

Qual a mensagem que as criações querem transmitir?

Eu adoro contar história de paisagens e de lugares. O Brasil é muito rico e diversificado, com muitas culturas e povos. Isso me fascina. Procuramos sempre fazer um retrato do mundo todo, seja do Brasil, da Itália ou dos Estados Unidos.

Como passar essas emoções aos objetos?

Isso surge espontaneamente. Eu não sou racionalista, gosto de fazer o trabalho com o coração. Às vezes, estamos viajando e vem uma ideia na cabeça e pronto. Outras vezes eu durmo, sonho e no dia seguinte coloco em prática. Uma vez que você se descobre artista as criações vêm muito fácil, para mim é assim.

Quais obras mais marcaram a carreira de vocês?

A cadeira Vermelha, com certeza. Ela foi um clássico do design feito de 300 metros de corda trançados manualmente, e que é até hoje a nossa peça mais famosa. Foi essa criação que nos deslanchou como designers.

Cadeira Vermelha (Campana/Divulgação)

Também tem a coleção de sapatilhas que desenvolvemos para a Melissa, um dos produtos mais acessíveis da nossa criação, que é comercializado em larga escala.

Coleção Melissa (Campana/Divulgação)

Uma das criações mais conhecida de vocês é a cadeira Favela, de 1990. Como você vê uma peça que retrata a pobreza do Brasil sendo comprada por pessoas da classe mais alta?

Antes de responder sobre isso, gostaria de fazer um esclarecimento dessa obra. Existe um ruído na minha cabeça e na do meu irmão, que só agora, que estamos mais próximos de comunidades carentes, percebemos.

Na época em que a idealizamos vimos muita beleza na construção espontânea das casas, de preencher espaços vazios com pedaços de madeira, mas agora questionamos o nome da obra. Nós não entendíamos o ar pejorativo que a palavra "Favela" tem nas pessoas.

-(Campana/Divulgação)

Mas respondendo sua questão, eu penso que quando um artista cria uma obra é como um colocar um filho no mundo. Você não sabe onde ela vai parar e não tem o mínimo controle sobre isso.

É possível comprar as peças que projetam?

Nem todas, mas recentemente lançamos uma coleção pela Tok& Stok, direcionada a um público mais jovem, onde a coleção foi toda pensada visando o custo benefício. Além disso, também temos uma coleção mais exclusiva que vendemos na Firma Casa, em São Paulo.

E como você vê o reconhecimento desses trabalhos?

As pessoas no Brasil são muito carinhosas conosco. Hoje nosso nome é respeitado, mesmo tendo demorado um pouco para compreenderem a nossa importância.

Quais são os próximos passos da dupla?

Temos muitos sonhos, mas o que mais temos nos dedicado é no Instituto Campana. Um espaço que tenha a concentração dos nossos 34 anos de estrada. Além disso, também planejamos investir mais nos projetos com crianças carentes – trazer pessoas de comunidades de São Paulo para ter workshops, entender o processo de criação e de construção das obras. Sabemos que a vida nos deu bastante e agora é hora de retribuir tudo isso.

Quais outros nomes do design brasileiro têm se destacado?

A cena do designer contemporâneo de hoje é muito diferente do que quando eu e meu irmão começamos há 30 anos. Tem muitos profissionais promissores, mas diria que Guilherme Wents e o Rodrigo Ohtake são dois nomes que chamam minha atenção. Primeiro pela leveza em suas criações, segundo pela pitada de arte que tem nas coleções.

Veja as imagens da exposição Fernando and Humberto Campana: Hybridism

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