Humoristas usam a internet como local de resistência ao Talibã
Muitos artistas afegãos estão escondidos, e os cidadãos costumam apagar materiais potencialmente comprometedores de seus telefones
AFP
Publicado em 8 de novembro de 2021 às 12h41.
Última atualização em 8 de novembro de 2021 às 14h49.
Quando um talibã conhece a estrela pop afegã Ayrana Sayeed, ele tenta seduzi-la: "Se você se casar comigo, terei barba, bigode, tanques... e vou construir uma discoteca para você".
Inimaginável na vida real com a cantora exilada na Turquia, a cena faz parte de uma série de animações satíricas no YouTube que cativou os afegãos nas últimas semanas.
No vídeo, produzido em 3D, o caso de amor de um talibã com Sayeed é um sonho. Com sua Kalashnikov no ombro, ele acorda abraçando outro militante barbudo.
Sob o regime talibã, produzir esse tipo de vídeo pode ser mortal. Por isso, muitos artistas afegãos estão escondidos, e os cidadãos costumam apagar materiais potencialmente comprometedores de seus telefones.
O autor dos vídeos é Hafiz Afzali, 34 anos, refugiado na Finlândia há sete anos.
"Saí do Afeganistão aos 13 anos, quando o Talibã estava no poder. Me lembro de tudo", conta o criador das animações com milhões de visualizações.
Como muitos afegãos que deixaram o país naquela época, Afzali viveu uma rota de migração turbulenta que o levou a três anos difíceis no Irã, a um ano na Turquia e a sete na Grécia.
Observar e pensar
Musa Zafar, um conhecido comediante do Afeganistão que deixou o país em 2016, concorda. "O conteúdo satírico faz rir, ao mesmo tempo que mantém o conteúdo informativo da mídia", afirma. Por motivos de segurança, prefere não dizer onde mora.
Seu nome artístico para lutar contra o "extremismo religioso" é "Imam Musa". Um de seus conteúdos, publicado na Afghanistan International, uma das páginas de notícias mais lidas do país, fazia referência a vegetais para zombar do Talibã.
"Foi criada uma nova comissão dentro do Ministério da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício para discutir o formato de pepinos, berinjelas e abóboras", consideradas "provocativas" por se assemelharem a órgãos sexuais, ironiza.
E continua: por essas razões, "os padeiros agora têm duas semanas para produzir um pão que não seja redondo nem alongado".
O conteúdo lembra as declarações de um mulá próximo ao Talibã, que, no final de setembro, aconselhou as mulheres "a não usarem perfume ao sair de casa", e nem mesmo salto, cujo barulho no chão poderia seduzir os homens.
"A ignorância e a mente estreita do Talibã" inspiram os comediantes, diz Imam Musa.
Em Cabul
O cartunista Mergan Punch, um pseudônimo, decidiu continuar seu trabalho de Cabul, onde vive escondido. Ele abriu uma conta nas redes sociais para postar seus desenhos.
Um deles mostra a foto de um talibã, fazendo o símbolo da vitória com os dedos. "Eu perdoei todos eles", ele sorri. Ampliando o campo da imagem, porém, há uma rede com a qual matou duas pombas, símbolo da paz.
"Minha mensagem é que eles não mudaram. Eles querem colocar seus mulás e mujahedine no poder e fazer do Afeganistão o país dos terroristas", denuncia o cartunista.
Já Daud (nome fictício), um dos cartunistas mais famosos do país e facilmente reconhecível, encerrou todas as atividades.
Ele pretende sair do país para "lutar pela justiça e contra o extremismo através da arte", que considera sua paixão.