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Harlem Globetrotters: uma marca que luta contra o tempo

Ícone da Guerra Fria, marca tem público cativo no Brasil

HARLEM GLOBETROTTERS EM QUADRA: o time já visitou 144 países, muitas vezes como parte do soft power americano  / Divulgação

HARLEM GLOBETROTTERS EM QUADRA: o time já visitou 144 países, muitas vezes como parte do soft power americano / Divulgação

EH

EXAME Hoje

Publicado em 2 de setembro de 2017 às 11h24.

Última atualização em 2 de setembro de 2017 às 11h24.

“Ganhar dos Harlem Globetrotters é como atirar no Papai Noel.” A frase é creditada a Red Klotz, responsável, na década de 1950, pelo “adversário oficial” do time-demonstração, os Washington Generals. E dá a dimensão do quanto os Globetrotters são amados pelos fãs de basquete no mundo.

Fundado em 1926, o time que é símbolo dos valores americanos estará de volta ao Brasil em setembro, onde tem um público cativo, conquistado nas muitas visitas anteriores. O desafio da marca hoje é continuar lucrativa e relevante, mesmo com a idade avançada.

Em tempo: Klotz sabia do que estava falando. Ele foi fundador, jogador e técnico dos Generals, extintos em 2015, adversários que eram parte do show que correu o mundo. E reza a lenda que o time, criado para perder, teve um único triunfo ao longo de dezesseis mil confrontos. Foi em 1971, no estado do Tennessee, com uma bola de Klotz no último segundo.

“O Brasil é um mercado muito importante para os Globetrotters”, garante o presidente da equipe, Howard Smith. “O país é berço de alguns dos melhores jogadores do planeta e a paixão dos fãs pelo basquete permite que a gente possa voltar a nos apresentar aí”, ele completa. Nos últimos noventa anos, os Harlem Globetrotters tornaram-se queridos graças a turnês mundiais de exibição que misturam, ainda hoje, basquete e espetáculo. Foram 144 milhões de espectadores em 122 países e territórios, segundo a contabilidade oficial.

Por aqui, eles estiveram pela primeira vez em 1951, e voltam agora para a décima-oitava visita no fim de setembro, com apresentações marcadas em São Paulo, Belo Horizonte e Rio. A essência é a mesma de sempre. “Os fãs podem esperar ver de perto o único time profissional de basquete com homens e mulheres na mesma quadra, curtir a nossa particular linha de quatro pontos e ganhar fotos e autógrafos das nossas estrelas. Serão duas horas de entretenimento que ficarão na memória das pessoas”, garante Smith.

O executivo, com experiência em televisão e passagem por canais como Nickelodeon e MTV Europa, fazia parte do time da Herschend Family Entertainment, a principal empresa de entretenimento temático do país, que comprou o time de basquete em 2013. Ano passado, no aniversário de 90 anos dos Harlem Globetrotters, Smith assumiu a direção como parte de um projeto de rejuvenescimento da marca, que inclui hoje cerca de cerca de 450 eventos ao vivo por ano e a expansão dos quase dois milhões de fãs nas redes sociais. “A principal fonte de receita dos Globetrotters são a venda de ingressos, de produtos com a nossa marca e os patrocínios, e a popularidade crescente do time tem criado oportunidades de crescimento nas três áreas”, garante Smith.

A imagem da marca no mundo é um grande trunfo para alcançar esse crescimento. “Ainda que o time tenha sido fundado nos Estados Unidos, ele é amado no mundo inteiro, é o time do coração de torcedores em Nova York e em São Paulo, uma marca que transcende barreiras de cultura ou de língua”, entusiasma-se Smith. Em outras palavras, aquele time que o jogador que o derrota se sente assassinando o bom velhinho.

Esse amor global, no entanto, não é garantia de que Smith vai conseguir manter uma marca nonagenária ainda vibrante e, principalmente, atual. Ele acredita que só há um caminho para isso. “Inovar, sempre. Por nove décadas, estivemos na linha de frente da evolução do basquete, popularizando a ponte-aérea, inventando a linha de quatro pontos e sendo responsáveis por enterradas em tabelas de mais de três metros e meio de altura”, lista Smith, lembrando que eles foram o primeiro time a misturar homens e mulheres na quadra.

Um bom negócio fora das quadras

A empresa não divulga os números, mas no ano em que foi vendido, o time do Harlem Globetrotters tinha uma receita estimada em 40 milhões de dólares, cerca de 12% maior que a do ano anterior. O lucro operacional era estimado em 10 milhões de dólares, quase o dobro de 2008. A missão do CEO que Smith substituiu, Kurt Schneider, era justamente tornar a empresa mais saudável para ser negociada pelo fundo de privaty equity Shamrock Capital Advisors, dono de 80% da marca. Shamrock, fundado em 1978 como braço de investimentos da Disney, tinha então estimados  700 milhões de dólares sob a sua administração.

O fundo havia comprado sua parte dos Globetrotters em 2005, por 70 milhões de dólares, do ex-jogador Mannie Jackson, que continuou dono dos 20% restantes. Em 2013, as duas partes venderam o time para a Herschend. O valor pago não foi revelado, mas fontes estimam que a nova dona do time desembolsou algo em torno de 100 milhões de dólares pela equipe. Parece bastante dinheiro, mas, a título de comparação, qualquer franquia de segundo escalão da NBA custa, no mínimo, quatro vezes mais. Para o New York Times, um porta-voz da Herschend declarou, no ano da compra, que um sinal da saúde financeira dos Globetrotters era o fato da empresa ter batido, no ano anterior, o recorde de receita de sua história, sem entrar em detalhes.

A comparação com os valores da NBA não é gratuita. Durante pelo menos quatro décadas, quando a liga profissional de basquete norte-americana não tinha o alcance mundial que tem hoje, o símbolo do basquete americano no mundo foram os Globetrotters, e só eles. A equipe foi fundada em 1926 por Abe Saperstein, em Chicago, a mais de mil quilômetros do bairro nova-iorquino que o batizou.

O nome servia para reforçar a identidade racial do time, uma vez que o Harlem era o mais importante centro de cultura negra do país. Como um time regular, os Globetrotters ganharam o primeiro mundial de basquete em 1940, mas, para além da glória, eles nunca perderam a perspectiva de ter papel fundamental na integração dos negros no esporte e na sociedade norte-americana.

Um jogador do time, Nathaniel Clifton, foi o primeiro negro a assinar contrato com a NBA, indo jogar no New York Knicks em 1950. Naquele ano, o time embarcou nem sua primeira turnê mundial, quando se apresentou para 75.000 fãs em Berlim e começou a moldar a vocação de embaixadores do esporte pelo mundo. “Nos apresentamos em todas as arenas da NBA pelo país, mas somos empresas diferentes. Ambos trabalhamos para aumentar a popularidade do basquete, mas nosso estilo de jogo e de entretenimento nos diferencia deles”, pontua Smith.

Um destes diferenciais foi a integração das mulheres em times mistos.

Em 1985, a medalhista olímpica Lynette Woodward se juntou aos Globetrotters e tornou-se a primeira mulher a jogar num time masculino. Ela também ajudou a pavimentar o caminho para a fundação da liga feminina, a WNBA, que só nasceria nos anos 1990. Desde Lynette, foram quinze jogadoras a fazer parte do Harlem Globetrotters, e a tendência é que esse número siga crescendo. “Independente do gênero, procuramos jogadores e jogadoras para o nosso time que tenham três características: grandes atletas, grandes animadores de plateia e que tenham grandes corações”, resume Howard Smith.

Ícone de uma cultura

Um dos segredos da imagem do capitalismo americano no mundo são as instituições que o representam, independente de governos. Entre 1956 e 1978, em plena vigência da Guerra Fria, o setor responsável por questões culturais e educacionais do Departamento de Estado norte-americano escalou os maiores músicos do jazz para se apresentar oficialmente em áreas chamadas “de influência”. Sob a supervisão direta do então secretário John Foster Dulles, Dave Brubeck foi parar, entre outros países, na Polônia e no Irã. Benny Goodman não pegou atalhos e se apresentou em Moscou em 1962. Louis Armstrong, o principal nome do estilo nascido nos Estados Unidos, excursionou pela África e fez shows históricos no Rio, então capital federal, em novembro de 1957 – a recepção em sua homenagem no Palácio Laranjeiras reuniu Pixinguinha, Dorival Caymmi, Sivuca, Elizeth Cardoso e, claro, o presidente Juscelino Kubitschek.

A missão dos “embaixadores do jazz” era reforçar a ideia de que o estilo musical representava a democracia americana: era feito por pessoas extremamente talentosas, capazes de obter bons resultados a partir do improviso e, o mais curioso, era multirracial. Lembrança infelizmente atual, vale registrar que, em 1957, nos Estados Unidos, negros só podiam sentar em lugares designados para negros – o ato que supostamente encerraria o racismo oficial em locais públicos, empregos e sindicatos só seria publicado em 1964.

Inserido nesta tradição nacional, o time do Harlem Globetrotters, portanto, não viajou a 144 países somente a passeio. Com papel fundamental na integração racial por meio do esporte, ele tornou-se um símbolo dos mesmos valores representados pelos jazzistas mais ou menos na mesma época –os Globetrotters inclusive se apresentaram na União Soviética antes de Goodman, em 1959.

Questionado se a impopularidade de um presidente como o atual, Donald Trump, atrapalha a receptividade a um time símbolo dos Estados Unidos, Howard Smith tergiversa: “Independente de raça, cor ou política de um país onde jogamos, estamos ali no papel de Embaixadores da Boa-Vontade, preparados para unir as pessoas por meio do esporte e do entretenimento”, despista.

É inegável que, depois de um período de grande sucesso nos anos 1970 e 1980, quando viraram programa de TV e desenho animado, os Harlem Globetrotters foram atingidos pelo crescimento da popularidade da NBA no mundo. Estrelas como Meadowlark Lemon e Curly Neal não encontraram substitutos enquanto a liga de basquete, sob a direção de David Stern, começou a ocupar lugar de destaque na indústria do entretenimento. No começo dos anos 1990, os Globetrotters chegaram a flertar com a falência, segundo a imprensa norte-americana. O plano de recuperação incluiu voltar a ter estrelas de primeira grandeza na equipe e ensinar palavras na língua local para os jogadores durante as turnês mundiais, para reforçar o carinho do público fora dos Estados Unidos.

Howard Smith pegou uma empresa diferente da que esteve em crise nos anos 1990, mas tem o desafio de falar para uma geração digital. “A nossa marca e a natureza das nossas estrelas parecem sob medida para as mídias sociais”, registra. “Investimos pesado em plataformas digitais e nos organizamos como empresa para maximizar o potencial nesses meios. Nossos fãs e seguidores nas redes sociais dobraram nos últimos dezoito meses”, completa Smith.

Ele imagina conquistar novos territórios nas próximas décadas. “Em vinte anos, estaremos comemorando nosso aniversário de 112 anos e espero que a gente consiga chegar na Antártida, só falta ela. E que a gente mantenha o recorde de maior tempo sem perder da história por mais vinte anos”, conclui o executivo, bem-humorado. Uma ajuda extra está garantida. Entre os dez eleitos da galeria de Globetrotters Honorários, que incluem a atriz Whoopi Goldberg e o líder sul-africano Nelson Mandela, em 2015 juntou-se ao time o Papa Francisco. O argentino, que ganhou a camisa 90, foi o segundo sumo pontífice a ser escalado, uma vez que João Paulo Segundo já havia recebido a 75 em 2000. Ou seja, proteção não há de faltar.

Os Harlem Globetrotters fazem quatro apresentações em São Paulo (30/09 e 01/10, duas por dia), uma em Belo Horizonte (05/10) e três no Rio (uma 06 e duas 07/10). Ingressos entre 80 e 380 reais em ticketsforfun.com.br

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