Fartas do machismo, mulheres criam iniciativas para transformar bares
Eugênia tem staff feminina, enquanto a Goose Islandb discute a igualdade de gêneros no universo da cerveja e o Bar das Patroas homenageia as mulheres
Marília Almeida
Publicado em 6 de junho de 2019 às 13h35.
Última atualização em 6 de junho de 2019 às 18h20.
São Paulo - Sem companhia para aquela noite, a paulistana Viviane Kahtalian resolveu se esbaldar sozinha no Lions Nightclub, na Bela Vista. Tudo ia bem até ser abordada por um bartender, que, notando-a desacompanhada, passou a oferecer, com insistência, uma taça de champanhe.
“Só porque saio sozinha alguém precisa me pagar uma bebida?”, questiona ela, relembrando o episódio não muito distante. “E o pior: eu gosto é de uísque cowboy”.
Ela já trabalhou com edição de arte de livros e, sob o pseudônimo de Aretusa Von De Menezes, escreveu a obra “10 mandamentos para a felicidade sexual da mulher”. No ano passado, abriu um bar onde episódios como o da Lions não têm risco de ocorrer, o Eugênia.
Instalado no número 953 da Rua Cônego Eugênio Leite, em Pinheiros, o bar brinca com o nome da via e homenageia a jornalista e atriz mineira Eugênia Álvaro Moreyra (1898-1948), tida com uma das primeiras feministas do Brasil.
Decorado com retratos de figuras como Amy Winehouse e Clarice Lispector, o sobrado dispões de três ambientes para o público. O salão do meio, com piso elevado, iluminado por um letreiro em neon no qual se lê “grl pwr”, acomoda um piano vertical. Faz as vezes de palco para shows protagonizados por mulheres (vozes masculinas, por sinal, são vetadas na trilha sonora que emana do sistema de som).
À exceção do namorado da Viviane, sócio dela, o staff é todo feminino. “Dando voz às mulheres contribuímos com o feminismo”, diz ela, que não se opõe a clientes masculinos. “Aqui ninguém olha torto quando uma mulher chega sozinha e nenhuma corre o risco de ouvir cantadas insistentes, porque ficamos de olho”.
De cada dez clientes, sete são mulheres. O drinque mais consumido leva bourbon, licor de laranja, limão siciliano, canela e xarope de laranja artesanal. A releitura do Rabo de Galo é feita com cachaça prata, licor à base de alcachofra e bitter de laranja. Chama Rabo de Galinha.
O Eugênia alinha-se a outras iniciativas que visam combater o machismo que ainda impera em bares e afins. No pub da Goose Island, no Largo da Batata, um grupo de mulheres se reúne todos os meses para debater a igualdade de gêneros no universo da cerveja. Fazem parte da Goose Island Sisterhood, confraria feminina instituída em abril de 2017.
Os encontros dão origem a chopes sazonais. O de número um, o Carolina, presta tributo à mineira Carolina Maria de Jesus (1914-1977), tida como uma das primeiras negras do país a se aventurar nas letras. No estilo sour, caracterizado pela maior acidez, tem sabor de goiabada, adicionada em homenagem ao estado natal da escritora.
Inaugurado em fevereiro, o bar das Patroas, no Itaim, adotou o seguinte slogan: “Aqui são elas no comando”. Inspirado no feminejo, o gênero musical que deu fama a duplas como Maiara & Maraisa, serve drinques inusitados como o Desce do Salto, união de rum, absinto, gengibre, limão e espuma de gengibre. Chega à mesa com uma réplica de um escarpim rosa.
A novidade é uma iniciativa dos empresários Pedro Casarin, Kiko Félix e Eduardo Singillo. “Não é um bar feminista, mas um bar que homenageia as mulheres, onde elas se sentem em casa”, diz o primeiro deles. “Na chegada temos dois tronos para elas tirarem fotos fazendo poses empoderadas. E o banheiro delas é um camarim”.
Novidades à parte, o machismo continua um obstáculo cotidiano para a maioria das mulheres que atuam no setor. Ex-mandachuva do Vizinho Gastrobar, no Rio de Janeiro, a bartender Jéssica Sanchez penou até ser levada a sério na coquetelaria. Quando começou a trabalhar nos bares de casas noturnas só tinha aval para lavar a louça.
A sommelière argentina Cecilia Aldaz já precisou mais de uma vez se desvencilhar de cantadas no restaurante em que trabalha, o Oro, no Rio de Janeiro, comandado pelo marido dela, o chef Felipe Bronze.
Indignado com o fato de ela usar uma caneta Bic, um dos clientes lhe deu uma Montblanc cravejada de brilhantes. Outro a presenteou com um colar da Tiffany com pingente de diamante. “Você precisa brilhar ainda mais no salão”, justificou esse último, para o constrangimento dela.