Outono Silencioso, de Arcangelo Ianelli (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 12 de novembro de 2012 às 16h39.
São Paulo - Já se tornou tradição ilustrar o Relatório de Atividades da FAPESP com reproduções fotográficas de obras de grandes artistas que percorreram suas trajetórias no Estado de São Paulo.
Além de constituírem um contraponto às tabelas e gráficos que compõem o relatório (por meio dos quais a instituição presta contas à sociedade sobre o trabalho realizado ao longo do ano anterior), essas imagens configuram também um tributo às artes plásticas paulistas, tão relevantes para a cultura brasileira.
Tal orientação foi adotada pela primeira vez no Relatório de Atividades 2005. Desde então, a FAPESP homenageou Francisco Rebolo, Aldo Bonadei, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Anita Malfatti. Arcangelo Ianelli foi incorporado, agora, a essa galeria ilustre.
O Relatório de Atividades 2011, lançado no dia 31 de outubro, traz reproduções de pinturas e esculturas desse artista que se tornou um nome referencial do abstracionismo geométrico brasileiro.
Juntamente com o lançamento do Relatório 2011 foi aberta na sede da FAPESP a exposição de reproduções das obras que ilustram a publicação. A mostra ficará aberta ao público até o dia 19 de dezembro. Escolas interessadas em apresentar a obra do artista a seus alunos podem agendar visitas de segunda a sexta-feira pelo telefone (11) 3838-4394.
Nascido em São Paulo, filho de pais oriundos do sul da Itália, Arcangelo Ianelli (1922-2009) começou a desenhar muito cedo, como autodidata. Buscando uma formação mais sólida, matriculou-se em 1940, aos 18 anos, na Associação Paulista de Belas Artes.
Mas logo trocou o ensino convencional daquela instituição pelos cursos livres de Colette Pujol e Waldemar da Costa. No ateliê deste último, teve três colegas que se tornariam personagens obrigatórios da história das artes plásticas brasileiras do século 20: Lothar Charoux, Hermelindo Fiaminghi e Maria Leontina.
Os desenhos e pinturas juvenis dos anos 1940 já apresentam um artista sofisticado, despojado no tema e rigoroso na execução: características que Ianelli desenvolveria e seriam as marcas distintivas de sua obra madura.
A simplificação da cena e a construção precisa do espaço pictórico, muito evidentes nas pinturas figurativas da década seguinte, indicam claramente uma direção e um sentido: o artista caminha lenta, mas seguramente, para a abstração, buscando, para além da epiderme dos objetos, a estrutura geométrica subjacente.
Não é a recusa da realidade, mas a busca de um nível mais profundo de realidade que o impulsiona. Nesses anos 1950, sintonizado com a tendência da época, caracterizada pela atuação de importantes coletivos artísticos, Ianelli integra o Grupo Guanabara, junto com Mabe, Takaoka, Mori, Handa, Fukushima e Wega Neri.
Katia Ianelli, filha do pintor, retratada como menina em uma obra excepcional de 1956, lembra sua infância no ateliê do pai: “Eu e meu irmão transitávamos por ali livremente, em íntima convivência com tintas, pincéis, telas e chassis. Podíamos brincar à vontade. A única exigência era o silêncio, uma condição essencial para o artista durante o seu trabalho”, disse à Agência FAPESP.
As primeiras pinturas abstratas datam do início da década de 1960. Geometrizantes, mesmo quando não inteiramente geométricas, contrapondo às vezes soluções lineares a soluções pictóricas, manifestam, desde o início, um forte interesse pela superfície material da obra, que se expressa na densa camada de óleo sobre a tela, resultado de muitas pinceladas superpostas.
Esse compromisso com a materialidade, com a tessitura, se mantém nas pinturas de grandes dimensões dos anos 1970. Mas, nestas, a matéria se torna cada vez mais depurada, mais sutil, como se, em vez de ser adicionada, a tinta fosse subtraída à tela. E a forma, agora puramente geométrica, se sobressai como o elemento dominante.
A extrema simplificação dessas obras é fruto de um trabalho consciente e persistente. Esse esforço reiterado em busca da depuração, que as pinturas afirmam com silenciosa eloquência, é confirmado pelo testemunho da filha do artista.
“Trabalhei por mais de 30 anos ao lado de meu pai, tendo-me tornado restauradora de pintura. Com ele tive a oportunidade de aprender muito sobre técnica e sobre a dedicação incondicional ao trabalho. Para ele, a inspiração resultava de horas de entrega ao fazer artístico, na busca incessante da pintura em sua forma simples, mais pura”, disse Katia.
Katia acrescenta uma informação interessante acerca das obras geométricas dos anos 1970. Elas foram pintadas com têmpera, pois, nessa época, devido a uma intoxicação por chumbo, Ianelli suspendeu a pintura a óleo, para a qual só voltaria dez anos mais tarde.
“Ele costumava dizer que a têmpera havia lhe ensinado uma grande lição: a transparência das cores. Transparência que voltou a buscar em seus últimos trabalhos, mas, desta vez, utilizando o óleo”, disse.
Há uma ilusão escultórica nessas pinturas composta por grandes superfícies retangulares, com mínimas variações tonais. E Ianelli realmente envereda pela escultura, em mármore e madeira, realizada concomitantemente com a pintura a partir de meados da década de 1970 até os anos 2000.
Em 70 anos de carreira, Ianelli acumulou prêmios e reconhecimento. A grande retrospectiva montada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2002 ofereceu aos paulistanos a possibilidade de um contato multilateral com a produção desse grande artista.
As reproduções fotográficas incorporadas ao relatório da FAPESP e expostas em tamanho grande no saguão da Fundação proporcionam, à nova geração, uma introdução a essa obra indispensável na paisagem das artes plásticas brasileiras.