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Dalai Lama lança disco de mantras em seu 85º aniversário

O líder espiritual do budismo tibetano deixou a política para falar da busca da felicidade e questões do cotidiano, como a pandemia do coronavírus

O Dalai Lama: o líder espiritual fala de assuntos como felicidade e coronavírus (Denis Balibouse/Reuters)

O Dalai Lama: o líder espiritual fala de assuntos como felicidade e coronavírus (Denis Balibouse/Reuters)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 6 de julho de 2020 às 09h39.

Poucas pessoas podem se orgulhar de lançar um disco aos 85 anos de idade. Mas o Dalai Lama é tudo , menos uma pessoa comum. O líder espiritual do budismo tibetano está aproveitando seu aniversário de 85 anos, comemorado hoje, dia 6 de julho, para apresentar um álbum de mantras e cânticos budistas.

As músicas foram compostas pelo casal neozelandês Junelle e Abraham Kunin, depois de cinco anos de trabalho. Com o título Inner World, (Mundo Interior), o álbum é composto por 11 faixas e é acompanhado de um pequeno livro. O Dalai Lama recita os mantras e discute temas como a sabedoria, a coragem e a cura. Compassion, ou Compaixão, uma das mais famosas orações budistas, foi um dos primeiros temas a ser divulgado no YouTube, em junho.

https://www.youtube.com/watch?v=84Fe-2ezVsc

Já há alguns anos o Dalai Lama tem deixado as questões políticas de lado para se dedicar às causas espirituais, sempre muito conectadas com os problemas do momento. No mês passado, ele se pronunciou sobre a atual pandemia do novo coronavírus.

"Essa doença é grave", afirmou. "Muitos especialistas estão prestando atenção a isso, então não tenho a acrescentar. Agradeço seus esforços e a ajuda que estão prestando a tantas pessoas, tanto os que estão pesquisando quanto os que prestam tratamento e cuidados. Muitos médicos e enfermeiros estão se colocando em risco.”

Apesar da nossa impotência frente a um vírus ainda sem vacina, ele defende a força mental como ferramenta de bem-estar. "Acredito que, quando há medo, o efeito da doença é pior. Precisamos de uma mente estável. Shantideva, um mestre do século 7, aconselhou que sempre examinemos a situação em que nos encontramos. Se um problema tem uma solução, devemos trabalhar para encontrá-la; caso contrário, não precisamos perder tempo pensando nisso.”

Segundo o Dalai, essa abordagem pragmática é útil para reduzir nosso medo e ansiedade. “No contexto de mundos e galáxias em evolução, uma vida humana é minúscula, mas quando termina, o fim não é permanente, algo acontece, vida após vida.”

O Dalai Lama vive no exílio em Dharamsala, uma pequena cidade de 20.000 habitantes no norte da Índia, aos pés do Himalaia. Em março de 1959, ele deixou o Tibete com mais 80.000 pessoas, após a repressão chinesa a uma revolta na capital, Lhasa. O Tibete está sob ocupação da China desde 1950.

Em março do ano seguinte, o Dalai conseguiu asilo para acomodar na pequena vila montanhosa um governo do Tibete no exílio, chamado Administração Central do Tibete (CTA), que nunca foi reconhecido pela comunidade internacional

Por seu papel em defesa do povo tibetano, ele ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1989. Mas nos anos mais recentes o líder budista tem evitado falar em política e procurado se posicionar apenas como um guia espiritual. “Acho que o mundo inteiro me vê como um homem religioso, mas nossos irmãos chineses me veem como um homem político”, me disse o Dalai Lama. “Gasto 80% do meu tempo com a espiritualidade. E apenas 20% com questões políticas.”

Estive em Dharamsala em 2006 para entrevistar o Dalai Lama, na véspera de sua segunda visita do Brasil. A viagem foi longa: da capital da Índia, Nova Deli, é necessário pegar um trem por 12 horas, depois mais três horas de ônibus por encostas montanhosas. Encontrei uma cidade fervilhante de turistas, em sua maioria praticantes de budismo e curiosos mochileiros europeus, repleta de hostels para jovens e pequenos restaurantes.

Deparei também com lindos mosteiros, escolas, casas tibetanas com bandeirinhas típicas que se parecem às de festa junina do Brasil. Um efervescente comércio em torno de causas budistas sustenta a pequena economia local. Em lojas de artesanatos são vendidas pequenas estatuetas de Buda, em sua representação tibetana, mais magro. Alguns tinham faixas cobrindo a cabeça. Esses, contavam os vendedores, haviam sido abençoados pessoalmente pelo Dalai. Custavam em torno de 100 dólares.

Já naquela entrevista, o Dalai procurava concentrar a conversa nas questões espirituais, mas sempre com um olhar contemporâneo. Pelos preceitos budistas, o Dalai Lama é considerado a reencarnação de Buda. Mas o próprio líder nega. “Não sou Buda! Sou simplesmente um monge budista, um ser humano normal, treinado nos ensinamentos budistas. Mas há diferentes ângulos de ver as coisas. São mistérios. Eu mesmo não tenho isso muito claro, não sei. Os lamas anteriores, até o nono, eram realmente extraordinários (o atual Dalai é considerado a 14ª reencarnação). Não como eu. Eles podem ser considerados como a reencarnação de Buda. Eu não sou sensacional.”

Ele segue: “Muitos anos atrás, nós, budistas, aceitamos que, se a ciência estiver um dia 100% certa de que não há reencarnação, nós aceitaremos. No método científico atual não se pode provar ou não a reencarnação. A fé na existência de outras vidas tem de ser baseada na crença ou na aceitação da consciência, o que é muito diferente das coisas físicas. A consciência, a mente, são muito amplas e não foram completamente exploradas pela ciência.”

O Dalai Lama defende a interação entre religião e ciência. “Um dos princípios budistas é analisar, investigar”, diz. “Se alguma descoberta vai contra nossas escrituras, temos a liberdade de ter uma interpretação diferente das escrituras ou de descartá-la. Também há o campo da psicologia. A psicologia budista parece mais avançada que a ocidental, pois está relacionada com as emoções. Meu interesse pelas ciências só cresce. Há cinco anos introduzimos estudo de ciências básicas para os monges, como física, biologia, química.”

O Dalai não acredita que a religião seja a principal causa hoje de conflitos do mundo. “Em um nível secundário, a fonte principal é a economia, o poder político, essas coisas. Num nível mais importante, o ódio, a ignorância, a raiva. Então a religião se tornou parte disso, ou um instrumento. As religiões são usadas para interesses políticos e econômicos. Mas há um grupo de crentes genuínos. Eles acreditam apenas em uma religião, uma verdade, devido à falta de conhecimento de outros valores e de outras tradições, ao isolamento, ao nível de conhecimento. Eles são muito sinceros na fé que querem impor aos outros, que consideram descrentes, infiéis.”

Na entrevista, no salão de conferências de sua residência em Dharamsala, o Dalai Lama falou sobre a consequência da dura repressão chinesa na sociedade tibetana. “A juventude que nasceu no Tibete tem uma atitude mais agressiva, pois cresceu em uma atmosfera de medo, de constante ameaça. Mas os tibetanos que moram na Índia são uma comunidade que ainda tem seus valores originais mais fortes. Eles podem falar mal a língua tibetana, mas a atmosfera aqui é mais parecida com a tibetana tradicional. Eles são mais gentis, têm mais compaixão.”

No fim, diz o Dalai, todos nós queremos o mesmo. “Todas as religiões, desde as principais até as mais simples, como aquelas em que as pessoas adoram espíritos locais, rezam para o fogo, falam sobre os valores humanos. Através dos valores humanos, as pessoas ficam mais felizes, as famílias ficam mais felizes, as sociedades ficam mais felizes. Aonde quer que eu vá, onde quer que eu encontre as pessoas, falo sobre um assunto: todos queremos a felicidade. Uma vida feliz não depende somente do dinheiro ou da prosperidade material, mas sim do nosso pensamento.”

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