Conheça a importância do silêncio e como cultivar a pausa
Em um mundo cheio de ruídos, o silêncio é essencial para o bem-estar. Saiba como é possível atingir esse estado sem precisar ficar isolado em algum templo distante
Da Redação
Publicado em 4 de março de 2013 às 17h48.
Em 1952, o compositor John Cage apresentou uma peça de vanguarda ao público americano. Entrou no palco, sentou-se à frente do piano, ligou um cronômetro e, durante exatos 4 minutos e 33 segundos, ficou em... silêncio. Para o artista, a música eram os leves murmúrios produzidos pela plateia atônita. Ao final desse tempo, Cage levantou-se e agradeceu ao público como se tivesse acabado de apresentar uma de suas obras convencionais. O que o músico queria? Provocar reflexão em meio à ausência de som! Sua extravagante composição virou um clássico executado até hoje, batizado de 4’33. Claro, o autor radicalizou uma experiência que, há séculos, tem operado profundas transformações não só espirituais e mentais como físicas na humanidade. Prática comum em todas as religiões, a meditação tornou-se alvo de investigação até da comunidade científica como caminho de cura para males de vários níveis. Não à toa! O silêncio é o início de tudo. De onde surgem o bem-estar, a saúde física e mental, a criação.
Na pausa entre os sons, a mente é ativada e se dá o pico da atividade cerebral. “Sem dúvida, a prática diária de interiorização melhora a qualidade de vida ”, assegura o psiquiatra Ramesh Manocha, da Sydney Medical School, na Austrália, pioneira numa recente pesquisa sobre meditação. “Torna-se fonte de paz interior e neutraliza as tensões da vida, aumentando a criatividade, a produtividade e a autossatisfação.” Em seus estudos, o médico encontrou uma relação direta entre a boa saúde e o estado de silêncio mental. Já se sabe que só a quietude leva a níveis profundos de autoconhecimento, permite a construção de sentimentos positivos e fortalece a autoestima. Para examinar de forma holística, e com metodologia científica, as qualidades incontestáveis do silêncio, a universidade australiana abriu inclusive uma clínica de meditação onde os pacientes praticam sahaja ioga e podem ser avaliados de perto. Depois de algumas sessões, boa parte deles relatou melhoras significativas.
O que diz quem ficou em silêncio?
Em alta num mundo tomado por ruídos de vários níveis, o silêncio já é considerado artigo de luxo. Em seu livro The World of Silence, de 1989, o filósofo suíço Max Picard advertiu que nada mudou tanto a natureza do homem quanto a perda do silêncio, uma lembrança fraca, como a privacidade e o mistério. Especialmente entre os moradores das grandes metrópoles, envolvidos não apenas pelo crescente barulho do trânsito como por aquele vindo dos aparelhos eletrônicos típicos da vida moderna. Durante alguns meses, o escritor novaiorquino George Prochnik percorreu o globo em busca de tranquilidade. Dessa jornada solitária resultou o livro In Pursuit of Silcence, de 2010, onde relata a passagem por monastérios e conversas com estudiosos sobre o efeito do sossego no corpo e na mente. “Hoje existem poucos lugares onde se encontra a quietude, mas há diferentes formas de sair do barulho”, opina.
A primeira lição de George é justamente esta: aprender a se desplugar dos portais de estimulação, os celulares, iPads etc. Plugados 24 horas por dia, matam o sossego. A segunda, buscar o silêncio real – para ele, o equilíbrio entre som e silêncio. Assim, é mais fácil identificar locais onde é possível experimentar instantes de paz. “Hoje o silêncio é considerado uma commodity, uma oportunidade de negócio por alguns. Acho um exagero, mas não tenho dúvida de que, em termos de bem-estar, é um diferencial em crescente importância”, diz Guilherme Kosmann, gestor institucional da MCF, a primeira consultoria do país especializada em gestão do segmento luxo. Não é preciso se isolar num retiro em cima de uma montanha longínqua no Tibete nem ficar enclausurado num templo no interior da Índia para alcançar essa calmaria. Mesmo em cidades barulhentas como São Paulo, Tóquio ou Nova York, é possível um contato efetivo com o silêncio. Basta ter vontade e disciplina.
“Não precisamos nos desconectar do mundo”, ensina a lama Sherab Drolma, do Khadro Ling, um dos mais respeitados templos budistas tibetanos do Brasil, situado no interior do Rio Grande do Sul. “Temos de manter a atenção, observar tudo ao redor, porém, jamais perder o contato consigo mesmo.” Isso significa criar uma relação diferente e inovadora com o universo exterior, muito mais aberta e flexível, na qual não se é dominado por sentimentos, julgamentos e preconceitos, apenas constata-se a existência deles. “Sem expectativas, entramos num estado de quietude que modifica a realidade, muitas vezes imprimindo nela uma leveza antes inexistente”, garante a religiosa. Liberdade. Talvez seja essa a palavra mais adequada para expressar a sensação de um estado mais profundo de calmaria. É exatamente como o arquiteto Décio Navarro se sente ao reviver, por meio da meditação, as práticas aprendidas em um retiro terapêutico do qual participou há alguns anos. Décio e mais 15 pessoas se isolaram em uma chácara nos arredores de São Paulo por uma semana.
Ali, conviveram sem falar uma palavra sequer. “Para um ansioso convicto como eu, foi uma experiência redentora.” Ele teve de encarar suas constantes atribulações mentais e, pouco a pouco, percebeu a importância do silêncio para manter-se por longos períodos em harmonia com os mundos interno e externo. “Minha vida mudou depois disso”, revela. O que antes era inconcebível passou a ser hábito em seu cotidiano. Hoje o arquiteto pratica ioga duas vezes por semana e faz meditação zazen – sentado na posição de lótus, entra em recolhimento profundo e encontra o silêncio. De acordo com os princípios do zen-budismo, nesse estado, os sons entram e saem, ruídos atravessam, mas o sossego permanece.
Como cultivar a pausa?
Assim como o som, o ruído e os pensamentos, o silêncio é da natureza da mente. Todas as pessoas o reconhecem. Mas, entre tantos estímulos sonoros, quase não se respeitam os momentos de interrupção – imprescindíveis para uma vivência mais harmoniosa. A exemplo da música, a pausa existe para torná-la mais bela. “Nas composições pop e eletrônica, por exemplo, não há esse tempo precioso que faz o ouvinte ter uma apreciação mais qualitativa do som”, diz o violonista Fabio Ramazzina, do Quaternaglia Guitar Quartet, renomado grupo de música de câmara paulistano.
“Já as obras clássicas são permeadas por um tempo onde não acontece nada, mas contêm todas as possibilidades de notas musicais.” Não é fácil notar o nada, o vazio, a ausência de sons, segundo o músico, pois o silêncio absoluto só existe dentro de cada um. “O ritmo da vida contemporânea leva ao caminho inverso, aquele que não pressupõe paradas, como num texto construído sem vírgulas, parágrafos e pontos.” No cotidiano, Fabio sabe muito bem cultivar as pausas. Todos os dias, ele pratica 50 minutos de meditação, conforme prega o grupo de estudos filosóficos do qual faz parte há cerca de 25 anos. “Isso me ajuda inclusive a aperfeiçoar cada vez mais meu jeito de tocar o violão e a compor melhor”, revela o instrumentista. Prova incontestável de que a ausência de sons é fonte de boa música, a Nona Sinfonia, uma das maiores obras-primas de todos os tempos, foi composta no século 19 pelo alemão Ludwig van Beethoven, à época praticamente surdo. Ele não só criou como regeu a orquestra que pela primeira vez interpretou a genial peça do romantismo.
Esse é apenas um dos exemplos conhecidos do valor do silêncio. O estado profundo de mansidão, porém, está na base de todas as religiões e na maioria das crenças como um instrumento valioso de aprimoramento do ser humano. No Egito antigo, era empregado na prática de devoção. As sacerdotisas de Ísis chegavam a permanecer caladas por anos a fio para demonstrar seu amor incondicional à deusa. Em tempos atuais, continua sendo porta de entrada do mundo astral. “A iniciação xamânica ocorre através do silêncio, especialmente quando o objetivo é ter acesso a outras dimensões de realidade,” revela Felipe Guidi, respeitado xamã de São Paulo. Agora pare, respire sem pressa e resgate a serenidade que está no fundo do seu ser.
Em 1952, o compositor John Cage apresentou uma peça de vanguarda ao público americano. Entrou no palco, sentou-se à frente do piano, ligou um cronômetro e, durante exatos 4 minutos e 33 segundos, ficou em... silêncio. Para o artista, a música eram os leves murmúrios produzidos pela plateia atônita. Ao final desse tempo, Cage levantou-se e agradeceu ao público como se tivesse acabado de apresentar uma de suas obras convencionais. O que o músico queria? Provocar reflexão em meio à ausência de som! Sua extravagante composição virou um clássico executado até hoje, batizado de 4’33. Claro, o autor radicalizou uma experiência que, há séculos, tem operado profundas transformações não só espirituais e mentais como físicas na humanidade. Prática comum em todas as religiões, a meditação tornou-se alvo de investigação até da comunidade científica como caminho de cura para males de vários níveis. Não à toa! O silêncio é o início de tudo. De onde surgem o bem-estar, a saúde física e mental, a criação.
Na pausa entre os sons, a mente é ativada e se dá o pico da atividade cerebral. “Sem dúvida, a prática diária de interiorização melhora a qualidade de vida ”, assegura o psiquiatra Ramesh Manocha, da Sydney Medical School, na Austrália, pioneira numa recente pesquisa sobre meditação. “Torna-se fonte de paz interior e neutraliza as tensões da vida, aumentando a criatividade, a produtividade e a autossatisfação.” Em seus estudos, o médico encontrou uma relação direta entre a boa saúde e o estado de silêncio mental. Já se sabe que só a quietude leva a níveis profundos de autoconhecimento, permite a construção de sentimentos positivos e fortalece a autoestima. Para examinar de forma holística, e com metodologia científica, as qualidades incontestáveis do silêncio, a universidade australiana abriu inclusive uma clínica de meditação onde os pacientes praticam sahaja ioga e podem ser avaliados de perto. Depois de algumas sessões, boa parte deles relatou melhoras significativas.
O que diz quem ficou em silêncio?
Em alta num mundo tomado por ruídos de vários níveis, o silêncio já é considerado artigo de luxo. Em seu livro The World of Silence, de 1989, o filósofo suíço Max Picard advertiu que nada mudou tanto a natureza do homem quanto a perda do silêncio, uma lembrança fraca, como a privacidade e o mistério. Especialmente entre os moradores das grandes metrópoles, envolvidos não apenas pelo crescente barulho do trânsito como por aquele vindo dos aparelhos eletrônicos típicos da vida moderna. Durante alguns meses, o escritor novaiorquino George Prochnik percorreu o globo em busca de tranquilidade. Dessa jornada solitária resultou o livro In Pursuit of Silcence, de 2010, onde relata a passagem por monastérios e conversas com estudiosos sobre o efeito do sossego no corpo e na mente. “Hoje existem poucos lugares onde se encontra a quietude, mas há diferentes formas de sair do barulho”, opina.
A primeira lição de George é justamente esta: aprender a se desplugar dos portais de estimulação, os celulares, iPads etc. Plugados 24 horas por dia, matam o sossego. A segunda, buscar o silêncio real – para ele, o equilíbrio entre som e silêncio. Assim, é mais fácil identificar locais onde é possível experimentar instantes de paz. “Hoje o silêncio é considerado uma commodity, uma oportunidade de negócio por alguns. Acho um exagero, mas não tenho dúvida de que, em termos de bem-estar, é um diferencial em crescente importância”, diz Guilherme Kosmann, gestor institucional da MCF, a primeira consultoria do país especializada em gestão do segmento luxo. Não é preciso se isolar num retiro em cima de uma montanha longínqua no Tibete nem ficar enclausurado num templo no interior da Índia para alcançar essa calmaria. Mesmo em cidades barulhentas como São Paulo, Tóquio ou Nova York, é possível um contato efetivo com o silêncio. Basta ter vontade e disciplina.
“Não precisamos nos desconectar do mundo”, ensina a lama Sherab Drolma, do Khadro Ling, um dos mais respeitados templos budistas tibetanos do Brasil, situado no interior do Rio Grande do Sul. “Temos de manter a atenção, observar tudo ao redor, porém, jamais perder o contato consigo mesmo.” Isso significa criar uma relação diferente e inovadora com o universo exterior, muito mais aberta e flexível, na qual não se é dominado por sentimentos, julgamentos e preconceitos, apenas constata-se a existência deles. “Sem expectativas, entramos num estado de quietude que modifica a realidade, muitas vezes imprimindo nela uma leveza antes inexistente”, garante a religiosa. Liberdade. Talvez seja essa a palavra mais adequada para expressar a sensação de um estado mais profundo de calmaria. É exatamente como o arquiteto Décio Navarro se sente ao reviver, por meio da meditação, as práticas aprendidas em um retiro terapêutico do qual participou há alguns anos. Décio e mais 15 pessoas se isolaram em uma chácara nos arredores de São Paulo por uma semana.
Ali, conviveram sem falar uma palavra sequer. “Para um ansioso convicto como eu, foi uma experiência redentora.” Ele teve de encarar suas constantes atribulações mentais e, pouco a pouco, percebeu a importância do silêncio para manter-se por longos períodos em harmonia com os mundos interno e externo. “Minha vida mudou depois disso”, revela. O que antes era inconcebível passou a ser hábito em seu cotidiano. Hoje o arquiteto pratica ioga duas vezes por semana e faz meditação zazen – sentado na posição de lótus, entra em recolhimento profundo e encontra o silêncio. De acordo com os princípios do zen-budismo, nesse estado, os sons entram e saem, ruídos atravessam, mas o sossego permanece.
Como cultivar a pausa?
Assim como o som, o ruído e os pensamentos, o silêncio é da natureza da mente. Todas as pessoas o reconhecem. Mas, entre tantos estímulos sonoros, quase não se respeitam os momentos de interrupção – imprescindíveis para uma vivência mais harmoniosa. A exemplo da música, a pausa existe para torná-la mais bela. “Nas composições pop e eletrônica, por exemplo, não há esse tempo precioso que faz o ouvinte ter uma apreciação mais qualitativa do som”, diz o violonista Fabio Ramazzina, do Quaternaglia Guitar Quartet, renomado grupo de música de câmara paulistano.
“Já as obras clássicas são permeadas por um tempo onde não acontece nada, mas contêm todas as possibilidades de notas musicais.” Não é fácil notar o nada, o vazio, a ausência de sons, segundo o músico, pois o silêncio absoluto só existe dentro de cada um. “O ritmo da vida contemporânea leva ao caminho inverso, aquele que não pressupõe paradas, como num texto construído sem vírgulas, parágrafos e pontos.” No cotidiano, Fabio sabe muito bem cultivar as pausas. Todos os dias, ele pratica 50 minutos de meditação, conforme prega o grupo de estudos filosóficos do qual faz parte há cerca de 25 anos. “Isso me ajuda inclusive a aperfeiçoar cada vez mais meu jeito de tocar o violão e a compor melhor”, revela o instrumentista. Prova incontestável de que a ausência de sons é fonte de boa música, a Nona Sinfonia, uma das maiores obras-primas de todos os tempos, foi composta no século 19 pelo alemão Ludwig van Beethoven, à época praticamente surdo. Ele não só criou como regeu a orquestra que pela primeira vez interpretou a genial peça do romantismo.
Esse é apenas um dos exemplos conhecidos do valor do silêncio. O estado profundo de mansidão, porém, está na base de todas as religiões e na maioria das crenças como um instrumento valioso de aprimoramento do ser humano. No Egito antigo, era empregado na prática de devoção. As sacerdotisas de Ísis chegavam a permanecer caladas por anos a fio para demonstrar seu amor incondicional à deusa. Em tempos atuais, continua sendo porta de entrada do mundo astral. “A iniciação xamânica ocorre através do silêncio, especialmente quando o objetivo é ter acesso a outras dimensões de realidade,” revela Felipe Guidi, respeitado xamã de São Paulo. Agora pare, respire sem pressa e resgate a serenidade que está no fundo do seu ser.