Como é viajar (e o que mudou) no 737 Max, que voltou a voar pela Gol
Após recertificação, companhia diz confiar na segurança do avião da Boeing; clientes que não quiserem voar nele poderão remarcar seus bilhetes sem custo
Fabiane Stefano
Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 06h00.
Praticamente todos os aviões comerciais em operação já sofreram algum tipo de acidente em algum momento da história. Mas o caso do Boeing 737 Max é diferente. Em 2018, dois acidentes fatais em poucos meses forçaram diversas companhias ao redor do mundo a "groundear" (deixar no chão) os aviões do modelo. O processo de recertificação durou quase dois anos - arranhando não só a imagem da Boeing, mas a confiança dos passageiros no mais novo avião da fabricante americana.
Nesta quarta-feira (9), o Boeing 737 Max voltou a voar nos céus brasileiros pela Gol, única operadora do modelo no país e uma das primeiras do mundo a retomar sua operação. À convite da companhia, a EXAME voou no 737 Max em um dos últimos voos de teste antes da retomada comercial do modelo, entre Congonhas, em São Paulo, e Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Até mesmo para os aficionados pela aviação, os primeiros minutos do voo traziam um misto de apreensão e curiosidade - foi nessa etapa inicial do voo que os 737 Max da Lyon Air e da Ethiopian Airlines se acidentaram. Com exceção das solenidades típicas de um voo não-comercial, a decolagem aconteceu normalmente, e poucos minutos após a aeronave deixar Congonhas, a tripulação desligou o aviso de atar cintos - não sem antes reforçar que, quando ligadas, as sinalizações deveriam ser obedecidas no mesmo instante.
Na ida, tranquilidade; na volta, raios e trovões
O voo de ida enfrentou algumas poucas turbulências, permitindo aos jornalistas, influenciadores e comissários circularem normalmente pela aeronave, respeitando apenas as restrições de distanciamento relacionadas à Covid-19. As mudanças que, segundo a Boeing e as agências reguladoras, deixaram o 737 Max seguro para voar não são perceptíveis aos passageiros.
A principal dessas mudanças é que, nessa nova "era" do Max, o computador de bordo utiliza os dois sensores de ângulo de ataque (e não apenas um, como antes) para acionar o MCAS, o sistema de controle de estabilidade que operava erroneamente no passado.
"O escrutínio pelo qual essa aeronave passou nos últimos meses nos dá a completa certeza de que ela é a mais segura do mercado atualmente", explicou o comandante Vianna, Coordenador de Segurança de Voo da Gol, um dos primeiros a passar pelos novos treinamentos da Boeing para o Max em Miami, nos EUA.
A falha do MCAS que levaram aos acidentes fatais aconteceram algumas vezes em outros voos do Max antes e depois das fatalidades. Nessas outras situações, entretanto, os pilotos conseguiram evitar o pior. Por isso a Boeing aposta no treinamento adicional dos pilotos de 737 do mundo todo para garantir a segurança da aeronave. A dispensa de treinamento adicional da tripulação era uma das vantagens competitivas do Max à época do seu lançamento, o que economizaria milhões de dólares das companhias que o escolhessem para suas frotas.
A Gol informou que todos os custos extras trazidos pela paralisação do Max, incluindo o investimento em treinamento, está sendo compensado pela Boeing - mas nem a companhia e nem a fabricante americana divulgam os valores de suas negociações.
Após o voo tranquilo da ida, as condições meteorológicas do final da tarde colocaram o Max à prova. A volta de Confins para São Paulo enfrentou muitas áreas de instabilidade, mantendo o aviso de atar cintos aceso durante quase todo o voo. Um pouco antes do início da aproximação de CGH, um raio passou muito próximo da aeronave, provocando um clarão e um estrondo característicos - e um leve susto dentro da cabine. Apesar disso, o voo prosseguiu e pousou normalmente em Congonhas.
E quem não quiser voar no Max?
Antes da pandemia do novo coronavírus arrasar a aviação pelo mundo, a grande discussão do setor era como lidar com a desconfiança dos passageiros na volta do Max. Nesse sentido, a estratégia da Gol será de transparência e flexibilidade. Segundo Paulo Kakinoff, presidente da Gol, todas as aeronaves do modelo são seguem o padrão de identificação da companhia (com o nome "737 Max 8" escrito entre a porta dianteira e o nariz da aeronave).
Os passageiros também estão sendo ativamente avisados sobre a possibilidade do seu voo ser operado pelo Max - por enquanto, a companhia tem sete deles, numa frota de 130 aeronaves. Quem não quiser voar no modelo pode, a qualquer momento entre a compra e o embarque, solicitar remarcação sem nenhum custo adicional: basta usar o Max como justificativa para o pedido.
Nesta quarta-feira (9), o Max operou seu primeiro voo comercial após 20 meses de aterramento mundial, entre o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e Porto Alegre. A aeronave PR-XMB retornou à capital paulista e realizou, ainda, um voo de ida e volta entre Guarulhos e Florianópolis - novamente, com passageiros à bordo e sem incidentes de qualquer natureza.
Como reconhecer um Boeing 737 Max
No Brasil, o 737 Max só é operado pela Gol, cuja frota é composta apenas pelo 737 e suas variações. Além da tradicional identificação da aeronave, escrita entre o nariz e a porta dianteira esquerda (por onde normalmente é realizado o embarque), é possível reconhecer o Max por pequenos detalhes exclusivos do novo modelo: a ponta das asas e a parte traseira dos motores.
No 737 Max, a ponta das asas tem uma duplicação - os chamados winglets -, além de um serrilhado na parte traseira dos motores. Ambas características são exclusivas do Max, e ajudam a aeronave a reduzir o consumo de combustível no ar. Outros aviões novos da Boeing, como o 787, também contam com esses detalhes - mas não fazem parte da frota da Gol.
*O jornalista viajou no Boeing 737 Max à convite da Gol Linhas Aéreas