Comemorando 70 anos, Bienal traz de Morandi a artistas pouco conhecidos
Além do avanço do discurso autoritário no País, temas como a ressonância da escravidão entre nós e a questão indígena são explorados em obras desta edição, que será aberta neste sábado no Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera
GabrielJusto
Publicado em 3 de setembro de 2021 às 15h50.
Artista conhecido por sua discrição, hoje um monumento da pintura ruidosamente festejado, o italiano Giorgio Morandi (1890-1964) é o nome principal da 34ª Bienal Internacional de São Paulo, que será aberta amanhã, 4, no Pavilhão da Bienal, no Ibirapuera, marcando os 70 anos da instituição. Avesso a aparições públicas, Morandi teria certamente aprovado a companhia de outros pintores tão solitários e sóbrios como ele nesta Bienal, a começar pela alemã Eleonore Koch (1926-2018), única discípula de Volpi, cujo início de carreira coincidiu com a fase final de Morandi.
Ambos funcionam como dois vetores numa bienal que tem de tudo, de pintura a instalações, passando por performances, vídeos e uma inusitada experiência conjunta com outras instituições artísticas da cidade, de museus a galerias. Elas integram o projeto de expansão do curador Jacopo Crivelli Visconti que, ao lado dos curadores adjuntos e do presidente da Bienal, o banqueiro José Olympio Pereira, participou ontem pela manhã da coletiva de imprensa sobre a abertura do evento.
Buscando o diálogo com públicos distintos, os curadores desta edição, chamada Faz Escuro Mas Eu Canto, em homenagem ao poeta amazonense Thiago de Mello, foram buscar apoio externo para a realização de mostras conjuntas, convidando os visitantes a encontrar em outros espaços um complemento para as obras exibidas no Pavilhão do Ibirapuera. A veterana artista Regina Silveira foi citada como exemplo dessa parceria na coletiva pelo curador Crivelli Visconti. Ela pode ser vista tanto na Bienal como na retrospectiva promovida ao lado, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), que exibe 180 obras suas realizadas nas últimas seis décadas.
É apenas um exemplo do que Crivelli Visconti chamou de arte de resistência num tempo que, segundo ele, justifica o título da Bienal retirado do poema escrito (em 1965) por Thiago de Mello. Dos incêndios da Amazônia a ameaças de golpes contra a democracia, passando pela violência contra os povos nativos, tudo isso está, de certo modo, representado nas obras dos 91 artistas desta Bienal, que tem o maior número de indígenas já reunido na mostra internacional.
Inaugurada oficialmente com uma performance e uma exposição individual no dia 8 de fevereiro de 2020, ela foi suspensa por causa da pandemia da covid-19. Ao longo desses meses de trabalho rodeados por problemas de toda ordem, os curadores conseguiram reunir um time variado de artistas, entre eles Carmela Gross, com larga experiência em bienais de outros "tempos escuros" - ela estava na histórica "Bienal do Boicote", de 1969, quando artistas se recusaram a participar da mostra internacional para protestar contra o regime militar.
O curador Crivelli Visconti justifica essa sobreposição de tempos como uma "estratégia curatorial para levar os visitantes a articular novas relações entre obras históricas e recentes". O falecido pintor Antonio Dias, artista engajado nos anos 1970, outra estrela da Bienal, poderia estar fazendo o mesmo protesto hoje. Uma imagem que sintetiza esse diálogo entre passado e presente é a sombra de um general em posição de sentido numa obra da série Dilatáveis (1971) com sua sombra expressionista projetada em todas as direções, obra de Regina Silveira do passado que repercute no presente.
Além do avanço do discurso autoritário no País, temas como a ressonância da escravidão entre nós e a questão indígena são explorados em obras de artistas como Daiara Tukano, da etnia tukano, e o pintor e escritor Jaider Esbell, que, desde 2013, assumiu um papel central no movimento de consolidação da arte indígena contemporânea.
Nem tudo é facilmente decodificável como parece sugerir uma ou outra obra da Bienal. O curador Paulo Miyada, na coletiva, chamou a atenção para a "opacidade" de algumas propostas artísticas, cuja meta é justamente desafiar os visitantes da mostra. Exemplo disso são duas séries de fotos de Mauro Restiffe colocadas lado a lado, uma sobre a posse de Lula, em 2003, e outra sobre a posse de Bolsonaro, em 2019. Não há uma só legenda que identifique as intenções de seu autor, apenas o registro de duas cerimônias em diferentes momentos históricos. E não é o suficiente?