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Aumenta o número de "aconchegados" que moram com os pais

Há cada vez mais homens que já passaram dos 30 anos, podem se sustentar, mas moram com os pais. E quer saber? Eles não trocam sua vida por nada desse mundo

Efeito canguru: um a cada quatro jovens adultos, com idades entre 25 e 34 anos, ainda divide o teto com os progenitores (Divulgação/Sharkrosa)
DR

Da Redação

Publicado em 23 de outubro de 2012 às 21h32.

São Paulo - “Bicho, eu vou mudar daqui pra quê? Aqui está bão demais”, diz Marcos Chiesa, o Bola do programa Pânico na TV. “Daqui”, no caso, é da casa de seus pais. Bola, 45 anos, é um autêntico “canguru”, nomenclatura inventada pelos cientistas sociais para denominar a geração que retarda cada vez mais a saída de casa.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2010 revelam que um a cada quatro jovens adultos, com idades entre 25 e 34 anos, ainda divide o teto com os progenitores.

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Os argumentos do humorista, quase um canguru sênior, são sólidos. Em cinco minutos de conversa, ele lista as vantagens de viver com o casal que o pôs no mundo. Começa (ninguém é apelidado de Bola impunemente) elogiando os dotes culinários da mãe – ele nem pensa em abrir mão do arroz e feijão de Dona Maria, responsável também por passar sua roupa e dobrar suas cuecas.

“Nunca senti necessidade de morar sozinho. Adoro minha família, ela não me atrapalha em nada, só ajuda”, diz Bola. Durante parte da juventude, ele dividiu o quarto com o irmão. Após uma reforma, cada um ganhou seu espaço. Bola tem noiva, mas, se depender dele, até a lua de mel corre riscos. “Meus pais adoram minha noiva. E a gente tem um espaço legal aqui, com privacidade total.” O “bunker” de Bola é tão equipado que, se houver um inédito tsunami em São Paulo, ele jura que está pronto para viver pelo menos seis meses sem sair dali.

Onde foi parar a tal necessidade de independência, que num passado nem tão remoto fazia os jovens encararem a vida lá fora com a cara, a coragem e algum trocado para o aluguel? “Na geração anterior, era preciso sair da casa dos pais para conquistar autonomia. Hoje isso mudou, principalmente para os homens. Não é que o desejo pela independência não exista mais, o que ficou mais flexível foi a relação entre pais e filhos”, diz Débora Emm, cientista social, publicitária e sócia da Inesplorato, empresa de pesquisas que mapeou recentemente os hábitos da geração canguru.

Se no bom relacionamento com os pais, na mordomia e no salário que sobra ao final do mês o caso de Bola é um clássico, no que diz respeito à privacidade total, é exceção, segundo a pesquisa. Mesmo quando pais dizem não se importar com a presença de namoradas na mesa do café da manhã, a queixa mais comum dos cangurus é a falta de liberdade para transar.

“Às vezes meus pais entram no quarto sem bater, mas nunca fizeram isso quando estava com alguma namorada”, conta aliviado o roteirista Alexandre Silva, 43 anos, que só pode ser considerado da geração canguru 50% do tempo. Desde que era adolescente, seus pais passam seis meses por ano em Portugal.


Para alguns, no entanto, o pernoite de mulheres é inconcebível. André Barros, funcionário público de 35 anos, mora em Brasília com a mãe e a avó. “Minha mãe é filha de fazendeiros, foi criada de um modo muito diferente. Amanhã ela vai viajar e já disse que não quer minha namorada aqui, mas é claro que ela vai acabar vindo”, conta.

Apesar das manobras que precisa adotar para dormir em casa com a namorada (e da pressão da moça, de 31 anos, louca para casar e ter filhos), André nem vacila ao dizer que, sim, vale muito a pena continuar morando ali. “Com meu salário, até conseguiria me sustentar sozinho, mas passaria apertado. Gosto da companhia da minha mãe e não preciso me preocupar com casa, comida e roupa lavada”, diz.

Funcionária pública aposentada de alto escalão, a mãe de André tem uma renda que garante ao pimpolho usar todo o salário ao seu bel-prazer. “Aproveito a vida, economizo durante alguns meses e viajo. Ano passado fui para a Itália, e este ano pretendo ir à França. Também consigo poupar e aplicar num fundo de previdência. Só com meu salário não daria para ir a parte alguma”, diz ele, feliz da vida com sua mais recente aquisição: um elegante terno italiano Loro Piana. “Morando sozinho, nunca conseguiria comprar.”

Mardem Lima, empresário de 43 anos, sonha com esposa e filhos, mas não faz ideia de quando isso deve acontecer, já que não vive um romance atualmente. Aliás, o casamento é um dos poucos motivos que fazem cangurus se moverem para seu próprio lar. Mardem é o que se pode chamar de canguru-bumerangue.

Aos 29 anos, então engenheiro de T.I. da EMBRAER, foi transferido para a França e lá viveu, desgarrado dos pais, durante dez anos. Teve amores, alguns tão sérios que quase viraram casamento – mas nunca conseguiu cortar definitivamente o cordão umbilical. Hoje, Marden é sócio de uma editora de publicações customizadas. E retornar para a casa dos pais foi a opção mais natural para ele.

“Teria condições de bancar um lugar, mesmo nesse período em que estou investindo no negócio, mas é tão bom estar perto dos meus pais”, diz. Bom e lucrativo. Marden conseguiu economizar o suficiente para equipar um escritório na casa da família.

Já se passaram quase quatro anos desde o retorno, e ele continua curtindo a situação, apesar de às vezes ficar constrangido ao explicar para uma mulher que não mora debaixo do próprio teto. “Depois que elas sabem da história inteira e conhecem as minhas razões, acham até admirável”, explica.

O cineasta Günter Sarfert, 34 anos, se pudesse, acrescentaria mais um item ao lema do cinema novo: “Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça… e uma mãe para pagar as contas”. Günter terminou de filmar, em março, o elogiado curta-metragem O Colecionador, com Maria Flor e Alamo Facó.

Ele recebeu 80 mil reais de um edital da prefeitura de São Paulo, mas mesmo assim teria dificuldades para finalizar o curta se morasse sozinho. “A gente sempre acaba gastando mais do que imagina. Tive de investir grana minha.

E só consegui economizar por morar com minha mãe”, diz. Foi-se o tempo em que cineastas rodavam filmes como Matou a Família e Foi ao Cinema (dirigido por Neville de Almeida). Hoje, os filhos estão dispostos cada vez mais a dar a vida – e a liberdade – por um bom colo de mãe.

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