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Astroturismo ganha adeptos no Brasil com primeiro 'parque escuro' do país

Cada vez mais entusiastas da astronomia visitam o Parque Estadual do Desengano, a 260 quilômetros ao norte do Rio, o primeiro "parque de céu escuro" da América Latina

Daniel Mello, astrônomo do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra a Via Láctea com laser durante observação noturna no Parque do Desengano, em Santa Maria Madalena, interior do Rio de Janeiro (AFP/AFP)

Daniel Mello, astrônomo do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra a Via Láctea com laser durante observação noturna no Parque do Desengano, em Santa Maria Madalena, interior do Rio de Janeiro (AFP/AFP)

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Agência de notícias

Publicado em 12 de julho de 2023 às 16h53.

Última atualização em 12 de julho de 2023 às 17h21.

Em uma pequena cidade remota no interior do Rio de Janeiro, o jovem Pedro Froes fica fascinado com o que vê através do telescópio: tons alaranjados e azulados da "Caixa de Joias", um aglomerado de estrelas imperceptível a olho nu. "É incrível", afirma, maravilhado.

Assim como ele, cada vez mais entusiastas da astronomia visitam o Parque Estadual do Desengano, a 260 quilômetros ao norte do Rio, o primeiro "parque de céu escuro" da América Latina reconhecido pela International Dark-Sky Association (IDA) devido à sua baixa poluição luminosa.

"A gente consegue observar no ano, em media, 3 mil estrelas a olho nu, sem auxilio de nenhum instrumento. Em cidades como Rio ou São Paulo, no máximo, são visíveis apenas 200", explica o astrônomo Daniel Mello, do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Isso ocorre porque o parque abriga mais de 21 mil hectares de mata atlântica preservada e está cercado por montanhas, a 120 quilômetros da grande cidade mais próxima. No parque, a poluição luminosa causada pela luz artificial é mínima.

No jardim frontal da sede do parque, localizada na pequena cidade de Santa Maria Madalena, Mello conduz uma sessão pública de observação noturna para cerca de 20 pessoas, apontando com um laser as constelações de Escorpião, Centauro e Cruzeiro do Sul.

Mesmo em uma noite com lua, é possível apreciar com nitidez o brilho da Via Láctea. Dois telescópios revelam estrelas mais distantes.

O evento faz parte do projeto de pesquisa e divulgação científica "Astroturismo nos Parques Brasileiros", criado por Mello e um grupo de especialistas de outras áreas, como turismo, ecologia e fotografia.

"Sempre gostei de admirar o céu, mas tive pouca oportunidade de ver na mesma extenção que a gente consegue ver aqui. Para quem vive em grandes cidades, não é possível ver tantas estrelas ao mesmo tempo", conta Froes, um biólogo de 22 anos que viajou de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, para contemplar o céu.

Estima-se que 80% da humanidade viva sob céus inundados por luz artificial, cujo excesso perturba a reprodução de espécies, desorienta aves migratórias e causa fadiga em insetos, entre outras consequências.

Para os seres humanos, além de impedir a contemplação do céu, a poluição luminosa interfere no "ritmo circadiano" de vigília-sono, que regula funções biológicas e hormonais.

Daniel Mello, astrônomo do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta um laser para o céu durante uma sessão pública de observação noturna na sede do Parque do Desengano, em Santa Maria Madalena, interior do Rio de Janeiro. (AFP/AFP)

Céu escuro, benefícios em cadeia

O Parque do Desengano, fundado em 1970 e administrado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do estado do Rio de Janeiro, foi reconhecido em 2021 pela IDA, uma das organizações especializadas que concedem esse tipo de reconhecimento.

O outro local latino-americano reconhecido pela IDA é o Vale do Elqui, no deserto de Atacama, no Chile, mas na categoria de "santuário", devido ao seu caráter isolado.

Enquanto o "astroturismo" tem se desenvolvido mais nos Estados Unidos, Europa e no Chile, no Brasil, conhecido mundialmente por suas praias e floresta tropical, ainda é incipiente.

No entanto, a bucólica Santa Maria Madalena, com 10 mil habitantes, já está começando a ver mudanças.

As reservas de turistas interessados em astronomia aumentaram, "especialmente nos últimos seis meses", afirma o professor aposentado Nelson Saraiva, que administra, juntamente com sua esposa, uma das poucas pousadas da região.

A população depende principalmente da agropecuária, do setor público e, mais recentemente, do ecoturismo, com passeios rurais, trilhas, escaladas e ciclismo de aventura.

Agora, surgem cada vez mais propostas relacionadas ao firmamento, como sessões de contemplação conduzidas por Mello, encontros mensais que combinam observação astronômica com gastronomia e até um Festival das Estrelas organizado pela prefeitura e empresários locais desde o ano passado. Saraiva acredita que um dia isso pode se tornar a principal atração da cidade.

Equilíbrio ecológico

A preservação do céu não beneficia apenas a economia.

Ao obter a certificação da IDA, o parque deve promover atividades de educação ambiental e substituir sua iluminação por uma de baixo impacto, entre outros requisitos, explica Carlota Enrici, coordenadora de Pesquisa Científica e Educação Ambiental do parque.

"Temos uma enorme diversidade de aves, mamíferos, répteis, onça parda, que só estão porque o local está preservado (...). Reduzir a poluição luminosa mantém o ecossistema em equilíbrio", acrescenta.

Mello vê o título de 2021 como "uma porta de entrada" para que outros parques brasileiros com potencial semelhante obtenham a mesma certificação e desenvolvam o astroturismo, como a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, que já oferece algumas atividades desse tipo.

Trata-se de "resgatar o contato das pessoas com o céu estrelado e com a natureza", conclui.

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