Por que Hollywood não será mais a mesma após o caso Weinstein
Há quase um mês, o maior escândalo da indústria cinematográfica veio à tona e desencadeou uma série de denúncias sobre abusos sexuais vividos em Hollywood
Clara Cerioni
Publicado em 2 de novembro de 2017 às 08h00.
Última atualização em 12 de março de 2019 às 16h36.
São Paulo - A história da queda de Harvey Weinstein, um dos mais influentes produtores de Hollywood, se transformou em um enredo sórdido para o cinema . No começo de outubro, o jornal The New York Times publicou uma reportagem investigativa, após meses de apuração, sobre denúncias de assédios sexuais praticados pelo produtor, por mais de 30 anos. Atrizes como Ashley Judd ("Alguém como você") e Rose McGowan ("Jovens bruxas") revelaram diversos abusos sofridos por Weinstein.
Cinco dias depois, alegações sobre suas práticas com mais 13 mulheres foram publicadas também pela revista New Yorker, após dez meses de investigação. Dessa vez, três delas eram acusações de estupro. A diretora italiana Asia Argento denunciou que ele fez sexo oral de forma forçada nela. Seu receio era de que Weinstein acabasse com sua carreira profissional por conta de sua importância. “Ele já tinha acabado com várias pessoas antes. É por isso que essa história, que no meu caso tem 20 anos, nunca apareceu”, disse ela à publicação.
No mesmo dia, Angelina Jolie ("Sr. e Sra Smith") e Gwyneth Paltrow ("Shakespeare Apaixonado") contaram que também foram vítimas do produtor de filmes como "Pulp fiction", "Shakespeare apaixonado" e "Gênio indomável", quando ainda eram jovens na carreira. A esposa de Weinstein, Georgina Chapman, anunciou que estava se separando dele. "Meu coração está quebrado por todas as mulheres que sofreram tremenda dor por causa de suas imperdoáveis ações", disse ela à revista People.
Após o escândalo, Weinstein foi demitido de sua própria empresa, a Weinstein & Co, pelo conselho liderado por seu irmão Bob ( que logo após também seria denunciado ) e expulso da Academia de Cinema de Hollywood (organizadora do Oscar), que nunca antes tinha retirado um membro por essas razões.
Em declaração, ele admitiu que seu comportamento "causou muita dor", mas negou quaisquer das acusações. Seus porta-vozes disseram que "nunca houve atos de retaliação contra as mulheres que o denunciaram".
As denúncias contra o produtor foram fundamentadas em entrevistas com profissionais da área, funcionários e ex-funcionários das empresas de Weinstein, e-mails e documentos da Miramax e da Weinstein & Co. Descobriu-se que, a partir dos anos 1990, o produtor fez acordos de indenização (entre US$ 80 mil a US$ 150 mil) para silenciar suas vítimas. Com a reportagem, pelo menos oito deles vieram à público.
Se julgado, Weinstein poderá cumprir de cinco a 25 anos de prisão pelas acusações recentes de assédio sexual, segundo o jornal The Guardian. Mas, segundo especialistas consultados pela publicação britânica, o mais provável é que promotores relutem em levar o caso ao tribunal, uma vez que a condenação poderia se mostrar difícil de acontecer.
Desdobramentos
O que veio a acontecer depois dessas denúncias é algo nunca antes registrado na história da indústria cinematográfica, e as consequências ainda estão longe de serem mensuráveis. Sua história desencadeou uma série de outras denúncias envolvendo poderosos produtores do cinema americano e escancarou a realidade que as mulheres do cinema enfrentam para se manterem na profissão.
O produtor James Toback, famoso por filmes como “O rei da paquera” e “Bugsy”, foi acusado por mais de 200 mulheres de abuso sexual, de acordo com o jornal Los Angeles Times. Em posterior entrevista à Rolling Stone, o também roteirista disse que cuspiria na cara de quem falasse dele. "Todas essas acusadoras são vadias mentirosas. Isso é estúpido demais para eu perder meu tempo respondendo", disse.
Outro famoso denunciado foi o ganhador do Oscar Ben Affleck. No embalo das manifestações de atores, produtores e diretores de cinema, ele se pronunciou com uma nota de repúdio em suas redes sociais. Na postagem, o ator definia o comportamento do diretor como "triste" e "repugnante".
Sua fala, no entanto, não foi bem aceita: logo começaram a surgir críticas o chamando de hipócrita, por não assumir um comportamento semelhante com a atriz Hilarie Burton, em 2003. Durante a gravação do programa “Total Request Live”, exibido pela MTV, Affleck apalpou os seio de Hilarie, à época com 21 anos, sem seu consentimento.
Nesta semana, outro escândalo abalou a indústria cinematográfica: incentivado pelas inúmeras denúncias do último mês, o ator americano Anthony Rapp acusou Kevin Spacey de abuso sexual, durante uma festa, em 1986. Ao site BuzzFeed News, ele relatou que na época tinha apenas 14 anos.A denúncia forçou Spacey a afirmar que não se recordava desse incidente, mas que, se aconteceu, devia a Rapp "as mais sinceras desculpas". Além disso, no mesmo dia, a Netflix anunciou que iria cancelar a série estrelada por Spacey, "House of Cards".
A enxurrada de denúncias envolvendo os magnatas de Hollywood revela uma mudança recente no comportamento das grandes companhias cinematográficas. O cancelamento de "House of cards" e a expulsão de Weinstein do Oscar são exemplos disso. No começo deste ano, a organização do Oscar, premiou Casey Affleck como melhor ator do ano, pelo filme "Machester à beira-mar", mesmo ele sendo acusado de abuso sexual por duas mulheres.
#Metoo: a união feminina
Outra transformação que o caso Weinstein trouxe à tona foi a coragem das atrizes em relatar suas vivências de abusos. Assim que os escândalos vieram a público, diversas personalidades começaram a usar as redes sociais para apoiar as denúncias ou detalhar o que viveram, por meio da #Metoo.
O termo ganhou força depois de a atriz Alyssa Milano ("Charmed") pedir às vítimas que se pronunciassem, em demonstração de solidariedade.
A hashtag, que expõe a magnitude das acusações de abusos em Hollywood, já foi usada mais de 300 mil vezes nas redes sociais. Seu alcance possibilitou uma interação de pessoas diferentes, mas com o propósito de acabar com as práticas contra as mulheres na indústria cinematográfica.
A cantora islandesa Björk, por exemplo, aderiu à campanha e contou em sua página do Facebook sobre os abusos sofridos supostamente pelo diretor dinamarquês Lars Von Trier, durante as gravações de "Dançando no escuro". Ela afirmou que, durante as filmagens, o diretorteria tentado escalar sua varanda no meio da noite com "claras intenções sexuais, enquanto sua esposa estava no quarto ao lado". Além disso, ela o acusa de abraçá-la à força e sussurrar "gráficas descrições sexuais" em seu ouvido.
Mudanças inéditas no Oscar
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (responsável pelo Oscar) não demorou nem uma semana, após a divulgação das acusações, para tomar uma atitude sobre Harvey Weinstein. No último dia 14, o alto escalão da instituição fez uma reunião de emergência e decidiu expulsar o produtor. Seus filmes já receberam mais de 300 indicações para o maior prêmio do cinema mundial e conquistou 81.
Além disso, os organizadores decidiram criar um código de conduta para seus membros. Segundo o Deadline, a diretora da Academia, Dawn Hudson, enviou um e-mail para os integrantes da instituição marcando reuniões para discutir as novas normas. As mudanças devem ser anunciadas no começo de 2018.
"Estamos preocupados com o comportamento abusivo e com o assédio sexual no ambiente de trabalho, especialmente no nosso ramo", disse Hudson.