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Animação 'Josep' mostra a brutalidade do franquismo pelo traço de Bartolí

Animação transforma a saga de Bartolí em um filme sobre exílio e o fascínio da memória. Do assustador mundo à sua volta ao prazer nos braços de Frida Kahlo, que foi sua namorada

Cena da animação na Casa Azul, moradia de Frida Kahlo na Cidade do México. (YouTube/Reprodução)

Cena da animação na Casa Azul, moradia de Frida Kahlo na Cidade do México. (YouTube/Reprodução)

JS

Julia Storch

Publicado em 9 de fevereiro de 2021 às 09h18.

Em cartaz até o dia 15, gratuitamente, no site do MyFrenchFilmFestival, Josep, uma animação que vem arrancando lágrimas por onde passa, chancelada com o logo de Cannes, integra também o cardápio da plataforma digital Mubi até o próximo dia 28, oferecendo aos cinéfilos brasileiros a chance de conhecer a obra de um expoente das artes gráficas. Dono de um traço exuberante, Josep Bartolí i Guiu, um artista gráfico nascido em Barcelona, em 1910, e morto em Nova York, em 3 de dezembro de 1995, ficou celebrizado nas HQs e nas galerias como um cronista do exílio.

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O fato de ter namorado Frida Kahlo (1907-1954) é uma fofoca de bastidor que ampliou o interesse por seus feitos. O maior deles foi o de ter sido o guardião da batalha de uma geração de espanhóis abalada pela brutalidade do franquismo. Cenas de mulheres, homens e crianças passando fome, submetidos a humilhações em um campo de concentração francês, idealizado nos anos 1930 para receber refugiados da guerra civil na Espanha, tornaram o portfólio de Bartolí um inventário de cicatrizes. E seu legado ilustrado vem ficando mais popular a cada nova vitrine aberta pelo longa-metragem animado dirigido pelo cartunista Aurélien Froment, conhecido apenas como Aurel.

"Existe uma percepção da solidariedade na obra de Bartolí que é contagiante, assim como nos contagia a excelência de seu trato. Ele estudou e registrou o quanto a vivência dessa massa espanhola de refugiados modificou o pensamento socialista da Europa", disse Aurel ao Estadão, em entrevista via Zoom durante o 23º Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français da Unifrance, um fórum de promoção de narrativas audiovisuais francófonas realizado online, em janeiro.


Exibido na Mostra de São Paulo de 2020, o filme de Aurel foi laureado nos festivais de Atenas (melhor roteiro) e Valladolid (melhor direção). Desde então, vem atraindo olhares para o legado de Bartolí. Na Amazon, encontra-se um de seus múltiplos trabalhos à venda: La Retirada: Éxodo y Exilio de los Republicanos Españoles, feito em parceria com seu sobrinho, Georges. Foi a partir da luta de Georges para preservar a penosa história de seu tio que o quadrinista descobriu a trajetória artística desse militante da resistência. Aurel é autor da HQ Clandestino (2014), mas é um estreante como realizador de longas. "Não seria ainda capaz de quantificar a influência de Bartolí sobre minha forma de desenhar, mas o realismo no traço dele é algo único", disse Aurel.

Na trama, Aurel viaja no tempo até fevereiro de 1939, quando os espanhóis republicanos fogem da ditadura de Franco, correndo rumo à França. O governo francês acenou com uma hipótese da ajuda, que acabou por se materializar na forma de um bunker pra refugiados, confinando os estrangeiros. No local, eles mal tinham acesso a alimentos, água ou qualquer possibilidade de higiene. Em um desses campos, separados por arame farpado, Bartolí solta sua imaginação, com o material que encontra, e traduz o que vê em ilustrações. Desenha o assustador mundo à sua volta e ilustra recordações do regime ditatorial espanhol. Anos depois, já fora das cercas francesas, ele encontra o prazer nos braços de Frida Kahlo, pintora mexicana com quem terá lições de estética e de desejo.

"O que tentei com as narrativas cinematográficas foi transformar a saga de Bartolí em um filme sobre exílio e em um filme sobre o fascínio da memória. No campo de concentração, uma recordação amorosa é o que levou aquele desenhista a uma libertação do horror ao seu redor, alimentando desejo de seguir em frente. A principal reflexão que tento abrir é discutir como a arte pode ajudar alguém a sobreviver e contagiar o espírito libertário de todo um povo", conta Aurel. "Cheguei à história de Bartolí pelo livro que o sobrinho dele, Georges, fez a partir da tragédia na França, usando os desenhos dele como ilustração. Foi um primeiro contato, que me despertou estranheza, não só diante da singularidade do traço, mas pela dor de seus relatos. E, aos poucos, descobri situações como seu romance com Frida Kahlo."

Para Aurel, a paquera com a pintora mudou a concepção cromática dele. "Frida introduz Bartolí em um universo de diversidade de cores que antes inexistiam em seu desenho. Ela traz o México até Bartolí, faz com que ele entenda não só os conflitos latino-americanos como a diversidade cultural das Américas", diz Aurel, que escalou o ator Sergi López para dar voz a Bartolí. "A história de Josep é o retrato de um desgoverno político no mundo com o avanço das forças fascistas."

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