“A canção não acabou”, diz Arnaldo Antunes
Músico vê frescor na nova geração de músicos brasileiros e afirma que o público é mais aberto à experimentação do que se acredita
Da Redação
Publicado em 21 de junho de 2012 às 13h02.
São Paulo - Pergunto a Arnaldo Antunes se ele se sente capaz de escrever canções com qualquer músico do Brasil. Em suas três décadas de carreira – celebradas este ano com o recente lançamento do CD e do DVD Acústico MTV –, foram tantas parcerias, com artistas tão distintos, dos mais variados gêneros e gerações, que chego a acreditar que ele dirá sim, posso compor com qualquer pessoa. A resposta, no entanto, é mais pé no chão: Não, preciso ter afinidade com o parceiro.
Arnaldo Antunes, então, é uma pessoa de muitas e variadas afinidades. Marisa Monte, Erasmo Carlos, Nando Reis, Carlinhos Brown, Liminha, Edgard Scandurra, Marcelo Jeneci, Paulinho da Viola, Alice Ruiz, Paulo Miklos, Pepeu Gomes, Margareth Menezes, Paulo Tatit, Dadi e Jorge Benjor. Para citar alguns.
Sua busca é sempre a mesma: criar uma canção que traga novidade, que soe diferente de tudo que já foi feito e que, ao mesmo tempo, tenha potencial para atingir o maior número de pessoas. Prova de seu ecletismo e seu gosto por sucessos é o próprio Acústico. O álbum traz composições suas que estouraram com Cássia Eller, Zélia Duncan e Titãs. Conta ainda com participações de músicos de gerações mais recentes, como Moreno Veloso, Nina Becker e Guizado.
Em sua residência, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, o prolífico virginiano fez uma (otimista) avaliação do momento presente da música brasileira e analisou sua trajetória de forma retrospectiva. A conversa rolou no meio de um dia naturalmente atribulado, em que ele já havia visitado a irmã na parte da manhã. Após a entrevista, receberia um colega português para almoçar, cuidaria do pagamento de funcionários, entraria em estúdio para ensaiar seu novo show e iria a uma apresentação solo de Curumin, atual baterista de sua banda.
- Como é sua relação com a inspiração? Você seria capaz de escrever sobre qualquer tema?
Arnaldo Antunes - É engraçado. Ao mesmo tempo que a experiência nos dá mecanismos para compor com mais propriedade, nunca sei o que vai sair quando recebo uma melodia para colocar letra ou uma letra para musicar. Parece que sempre parto do zero. Não sei se sei fazer aquilo. Mas aí a coisa acaba saindo.
Às vezes, é rápido. Às vezes, leva um ano. Acham que é fácil para mim porque componho muito. Mas também posso ficar adiando e só terminar no último momento. Não existe a segurança de eu faço, daqui uma semana está pronto. Pode ser que eu não consiga. Prefiro as canções que surgem espontaneamente, como as que fiz nas férias, com minha banda e o Ortinho (cantor e compositorpernambucano).
- O fato de você compor até nas férias significa que está 100% do tempo aberto a criar?
Antunes - Sempre. Às vezes, uma canção inacabada fica no inconsciente. Aí vou dormir e acordo para continuá-la. Não há diferença entre o horário de trabalho e o de lazer. Não tenho uma rotina – e isso é um problema. Passo por muitos rascunhos, vou fazendo e refazendo até chegar a um resultado que me convença.
- Por compor com o pessoal da sua geração e também ter um trânsito legal com a atual, você se vê como uma espécie de mediador?
Antunes - Eu me relaciono com vários parceiros muito espontaneamente. A música brasileira é um território de encontros, de criação coletiva: Elis e Tom, Doces Bárbaros, Gil e Rita Lee etc. Isso é diferente em outras artes e até na música popular de outros países. Independentemente da relação geracional, as pessoas se aproximam quando há afinidade entre os trabalhos. Gosto de compor em parceria. Acabo criando coisas que sozinho não faria.
Apesar de sua carreira ser pontuada por alguns sucessos, você já teve medo de ficar inviável comercialmente ou pensou em desistir da música?
Antunes - Nunca me vi fazendo outra coisa. Dentro da carreira, há momentos em que se tem mais ou menos sucesso. Quando saí dos Titãs, foi uma espécie de recomeço. Claro que deu insegurança. Mas tive tanta certeza de minha decisão que não surgiu outro desejo. Nos shows, sempre rolava uma empatia com o público. Eu estava defendendo um trabalho experimental, mas que também tinha seu aspecto popular. O público é muito mais aberto às novidades do que querem fazer crer alguns meios de comunicação. E nunca achei meu trabalho difícil.
Você diz que, dentro dos Titãs, era o cara que mais forçava os limites da canção, que mais incentivava um estranhamento, citando O Que e O Pulso como exemplos. Não sente falta de gente forçando isso na nova geração?
Antunes - Mas tem tanta gente experimentando... O Cidadão Instigado faz um som ao mesmo tempo ligado em canções populares e cheio de quebras e colagens. Sai de um ritmo e entra em outro. É bem ousado. Karina Buhr e Léo Cavalcanti também trazem muitas novidades. Admiro o frescor dessa galera. A música não está estagnada, não. E não concordo nem um pouco com essa ideia de linha evolutiva, da necessidade de romper com a tradição. Isso fez sentido em alguns momentos, como quando surgiu a Tropicália.
Não acho que hoje em dia a realidade exija renovação. Existem múltiplos caminhos em que a novidade se dá. Falam que a canção vai morrer. Eu, na verdade, acho que ela não acabou. Pelo contrário, está dando inúmeros sinais de saúde. O rap, o rock, os meios digitais com que você picota os instrumentos, tudo isso é renovador para a linguagem da canção. O próprio disco novo da Céu (Caravana Sereia Bloom, Universal, 2012) tem coisas muito frescas, aqueles reggaes, a versão de Palhaço, de Nelson Cavaquinho, com um assovio bem diferente...
- Mas o álbum da Céu me parece capaz de agradar qualquer pessoa. Não causa o mesmo estranhamento que o do Cidadão Instigado.
Antunes - Busco a possibilidade de ser palatável e ter novidade junto. Não tem que soar estranho. Ou melhor: estranho, sim. Mas também sedutor. Existe uma ideia de que as coisas renovadoras não serão entendidas pelo grande público, que quer uma repetição do que já conhece. Meu trabalho todo vai contra isso. O dever de todo artista que se preze é inserir novidade em seu trabalho, tentar alterar a consciência e a sensibilidade das pessoas, sem deixar de ser sedutor.
Em um momento do making of de Acústico MTV, você diz só faço o que quero...
Antunes - (Interrompendo) Essa foi a única coisa do DVD que quase pedi para tirar. Achei que ficou pretensioso. É verdade, mas dá a impressão de que estou me achando. Se bem que eu explico que só faço o que quero, mas com a colaboração de muita gente. Amenizo um pouco. Na real, quis dizer que tenho o domínio de minha carreira, escolho repertório, produtor etc., mas conto com outras pessoas para fazer o balão subir.
A música Envelhecer, que já era um dos destaques do CD Iê Iê Iê, fecha esse Acústico MTV. O envelhecimento é algo que o aflige ou interessa mais?
Antunes - Acho que sim. Faço 52 anos em setembro, mas escrevi Envelhecer com o Marcelo Jeneci e o Ortinho aos 49, perto de completar meio século de vida. É algo que está em meu repertório de preocupações, de coisas que tento vivenciar e digerir criativamente. É importante não perder a vivacidade, a inquietude, não se entregar a uma paralisia que a idade é capaz de impor. A idade pode ser proveitosa. Se você consegue manter a inquietação, pode aliar a experiência a ela
Era essa a trajetória profissional que você almejava no começo de tudo?
Antunes - Não, é uma surpresa. A música foi me levando. Não tinha programado isso para a minha vida. Entrei na faculdade de letras porque gostava de literatura. Comecei a escrever na adolescência, mas também fazia aula de violão. A música e a poesia vieram juntas. No começo da carreira, fiz parte da Banda Performática, que juntava música com outras linguagens artísticas. Também editava uns livrinhos e vendia em portas de teatros, em bares.
Os Titãs começaram em 1982, quando eu ainda era um estudante de letras. Depois que o primeiro disco começou a fazer sucesso, saí da faculdade, pois não dava para conciliar as aulas com as viagens para tocar. Nada disso foi um projeto. Eu não tinha muitos planos. Não pensei em estudar música na universidade por não me sentir um instrumentista. O que me levou àmúsica foi a palavra. Meu interesse em tocar violão era só para compor, sem prever aonde isso ia me levar.
E quando você teve certeza de que sua voz servia para cantar?
Desde o começo. Com o tempo, fui experimentando outras regiões da minha voz. Nos Titãs, eu geralmente escolhia tons mais altos para competir com o peso da banda. Aí, na carreira solo, pude explorar outras formações instrumentais que se adequassem a um canto mais grave. Foi uma descoberta gradual. O que mais me impressiona na interpretação é que, quando canto acreditando no que a canção diz, aí vêm a técnica, a afinação, a impostação certa. Acreditar na canção é a minha escola.
São Paulo - Pergunto a Arnaldo Antunes se ele se sente capaz de escrever canções com qualquer músico do Brasil. Em suas três décadas de carreira – celebradas este ano com o recente lançamento do CD e do DVD Acústico MTV –, foram tantas parcerias, com artistas tão distintos, dos mais variados gêneros e gerações, que chego a acreditar que ele dirá sim, posso compor com qualquer pessoa. A resposta, no entanto, é mais pé no chão: Não, preciso ter afinidade com o parceiro.
Arnaldo Antunes, então, é uma pessoa de muitas e variadas afinidades. Marisa Monte, Erasmo Carlos, Nando Reis, Carlinhos Brown, Liminha, Edgard Scandurra, Marcelo Jeneci, Paulinho da Viola, Alice Ruiz, Paulo Miklos, Pepeu Gomes, Margareth Menezes, Paulo Tatit, Dadi e Jorge Benjor. Para citar alguns.
Sua busca é sempre a mesma: criar uma canção que traga novidade, que soe diferente de tudo que já foi feito e que, ao mesmo tempo, tenha potencial para atingir o maior número de pessoas. Prova de seu ecletismo e seu gosto por sucessos é o próprio Acústico. O álbum traz composições suas que estouraram com Cássia Eller, Zélia Duncan e Titãs. Conta ainda com participações de músicos de gerações mais recentes, como Moreno Veloso, Nina Becker e Guizado.
Em sua residência, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, o prolífico virginiano fez uma (otimista) avaliação do momento presente da música brasileira e analisou sua trajetória de forma retrospectiva. A conversa rolou no meio de um dia naturalmente atribulado, em que ele já havia visitado a irmã na parte da manhã. Após a entrevista, receberia um colega português para almoçar, cuidaria do pagamento de funcionários, entraria em estúdio para ensaiar seu novo show e iria a uma apresentação solo de Curumin, atual baterista de sua banda.
- Como é sua relação com a inspiração? Você seria capaz de escrever sobre qualquer tema?
Arnaldo Antunes - É engraçado. Ao mesmo tempo que a experiência nos dá mecanismos para compor com mais propriedade, nunca sei o que vai sair quando recebo uma melodia para colocar letra ou uma letra para musicar. Parece que sempre parto do zero. Não sei se sei fazer aquilo. Mas aí a coisa acaba saindo.
Às vezes, é rápido. Às vezes, leva um ano. Acham que é fácil para mim porque componho muito. Mas também posso ficar adiando e só terminar no último momento. Não existe a segurança de eu faço, daqui uma semana está pronto. Pode ser que eu não consiga. Prefiro as canções que surgem espontaneamente, como as que fiz nas férias, com minha banda e o Ortinho (cantor e compositorpernambucano).
- O fato de você compor até nas férias significa que está 100% do tempo aberto a criar?
Antunes - Sempre. Às vezes, uma canção inacabada fica no inconsciente. Aí vou dormir e acordo para continuá-la. Não há diferença entre o horário de trabalho e o de lazer. Não tenho uma rotina – e isso é um problema. Passo por muitos rascunhos, vou fazendo e refazendo até chegar a um resultado que me convença.
- Por compor com o pessoal da sua geração e também ter um trânsito legal com a atual, você se vê como uma espécie de mediador?
Antunes - Eu me relaciono com vários parceiros muito espontaneamente. A música brasileira é um território de encontros, de criação coletiva: Elis e Tom, Doces Bárbaros, Gil e Rita Lee etc. Isso é diferente em outras artes e até na música popular de outros países. Independentemente da relação geracional, as pessoas se aproximam quando há afinidade entre os trabalhos. Gosto de compor em parceria. Acabo criando coisas que sozinho não faria.
Apesar de sua carreira ser pontuada por alguns sucessos, você já teve medo de ficar inviável comercialmente ou pensou em desistir da música?
Antunes - Nunca me vi fazendo outra coisa. Dentro da carreira, há momentos em que se tem mais ou menos sucesso. Quando saí dos Titãs, foi uma espécie de recomeço. Claro que deu insegurança. Mas tive tanta certeza de minha decisão que não surgiu outro desejo. Nos shows, sempre rolava uma empatia com o público. Eu estava defendendo um trabalho experimental, mas que também tinha seu aspecto popular. O público é muito mais aberto às novidades do que querem fazer crer alguns meios de comunicação. E nunca achei meu trabalho difícil.
Você diz que, dentro dos Titãs, era o cara que mais forçava os limites da canção, que mais incentivava um estranhamento, citando O Que e O Pulso como exemplos. Não sente falta de gente forçando isso na nova geração?
Antunes - Mas tem tanta gente experimentando... O Cidadão Instigado faz um som ao mesmo tempo ligado em canções populares e cheio de quebras e colagens. Sai de um ritmo e entra em outro. É bem ousado. Karina Buhr e Léo Cavalcanti também trazem muitas novidades. Admiro o frescor dessa galera. A música não está estagnada, não. E não concordo nem um pouco com essa ideia de linha evolutiva, da necessidade de romper com a tradição. Isso fez sentido em alguns momentos, como quando surgiu a Tropicália.
Não acho que hoje em dia a realidade exija renovação. Existem múltiplos caminhos em que a novidade se dá. Falam que a canção vai morrer. Eu, na verdade, acho que ela não acabou. Pelo contrário, está dando inúmeros sinais de saúde. O rap, o rock, os meios digitais com que você picota os instrumentos, tudo isso é renovador para a linguagem da canção. O próprio disco novo da Céu (Caravana Sereia Bloom, Universal, 2012) tem coisas muito frescas, aqueles reggaes, a versão de Palhaço, de Nelson Cavaquinho, com um assovio bem diferente...
- Mas o álbum da Céu me parece capaz de agradar qualquer pessoa. Não causa o mesmo estranhamento que o do Cidadão Instigado.
Antunes - Busco a possibilidade de ser palatável e ter novidade junto. Não tem que soar estranho. Ou melhor: estranho, sim. Mas também sedutor. Existe uma ideia de que as coisas renovadoras não serão entendidas pelo grande público, que quer uma repetição do que já conhece. Meu trabalho todo vai contra isso. O dever de todo artista que se preze é inserir novidade em seu trabalho, tentar alterar a consciência e a sensibilidade das pessoas, sem deixar de ser sedutor.
Em um momento do making of de Acústico MTV, você diz só faço o que quero...
Antunes - (Interrompendo) Essa foi a única coisa do DVD que quase pedi para tirar. Achei que ficou pretensioso. É verdade, mas dá a impressão de que estou me achando. Se bem que eu explico que só faço o que quero, mas com a colaboração de muita gente. Amenizo um pouco. Na real, quis dizer que tenho o domínio de minha carreira, escolho repertório, produtor etc., mas conto com outras pessoas para fazer o balão subir.
A música Envelhecer, que já era um dos destaques do CD Iê Iê Iê, fecha esse Acústico MTV. O envelhecimento é algo que o aflige ou interessa mais?
Antunes - Acho que sim. Faço 52 anos em setembro, mas escrevi Envelhecer com o Marcelo Jeneci e o Ortinho aos 49, perto de completar meio século de vida. É algo que está em meu repertório de preocupações, de coisas que tento vivenciar e digerir criativamente. É importante não perder a vivacidade, a inquietude, não se entregar a uma paralisia que a idade é capaz de impor. A idade pode ser proveitosa. Se você consegue manter a inquietação, pode aliar a experiência a ela
Era essa a trajetória profissional que você almejava no começo de tudo?
Antunes - Não, é uma surpresa. A música foi me levando. Não tinha programado isso para a minha vida. Entrei na faculdade de letras porque gostava de literatura. Comecei a escrever na adolescência, mas também fazia aula de violão. A música e a poesia vieram juntas. No começo da carreira, fiz parte da Banda Performática, que juntava música com outras linguagens artísticas. Também editava uns livrinhos e vendia em portas de teatros, em bares.
Os Titãs começaram em 1982, quando eu ainda era um estudante de letras. Depois que o primeiro disco começou a fazer sucesso, saí da faculdade, pois não dava para conciliar as aulas com as viagens para tocar. Nada disso foi um projeto. Eu não tinha muitos planos. Não pensei em estudar música na universidade por não me sentir um instrumentista. O que me levou àmúsica foi a palavra. Meu interesse em tocar violão era só para compor, sem prever aonde isso ia me levar.
E quando você teve certeza de que sua voz servia para cantar?
Desde o começo. Com o tempo, fui experimentando outras regiões da minha voz. Nos Titãs, eu geralmente escolhia tons mais altos para competir com o peso da banda. Aí, na carreira solo, pude explorar outras formações instrumentais que se adequassem a um canto mais grave. Foi uma descoberta gradual. O que mais me impressiona na interpretação é que, quando canto acreditando no que a canção diz, aí vêm a técnica, a afinação, a impostação certa. Acreditar na canção é a minha escola.