A alternativa aos bancos de sêmen
Se a pandemia fez com que muitos homens parassem de doar seus espermatozoides, grupos no Facebook e até mesmo Apps especializados tentam contornar a situação
Matheus Doliveira
Publicado em 20 de janeiro de 2021 às 12h57.
Os reis de doação de sêmen dos EUA estão exaustos. Esses homens voam para todos os lugares. Enviam seu esperma em novos sistemas de frascos e fazem os últimos testes de DNA, porque é isso que as mulheres querem. Claro, eles podem falar ao telefone, mas dizem que tem de ser rápido porque estão indo de carro para o Texas, ou para o Missouri, ou para o Maine, a tempo de chegar para um período de ovulação.
"As pessoas se cansaram dos bancos de sêmen", disse Kyle Gordy, de 29 anos, que mora em Malibu, na Califórnia. Ele investe em imóveis, mas passa a maior parte do tempo doando seu esperma a mulheres , de graça (exceto o custo da viagem). Também administra um grupo privado de quase 11 mil membros no Facebook, que ajuda as mulheres a se conectar com uma lista de centenas de doadores aprovados. Seu esperma doado já gerou 35 crianças, com mais cinco a caminho, revelou ele. "Todos percebem que isso não é mais um tabu", afirmou.
Se seu corpo produz esperma, a substância provavelmente parece abundante e barata. Para todo o resto, não é muito nenhum dos dois.
Isso sempre foi verdade, especialmente se a pessoa for exigente. Mas, agora, segundo bancos de sêmen e clínicas de fertilidade, a pandemia está criando uma escassez. Os homens pararam de doar, mesmo que a demanda tenha se mantido estável em alguns bancos e aumentado rapidamente em outros.
"Estamos quebrando recordes de vendas desde junho em todo o mundo, não apenas nos EUA – quebramos nossos recordes na Inglaterra, na Austrália e no Canadá", informou Angelo Allard, do Seattle Sperm Bank, no estado de Washington, um dos maiores bancos de sêmen do país. Ele contou que sua empresa estava vendendo 20 por cento mais esperma agora do que um ano antes, mesmo com a diminuição dos suprimentos. "Entre nossas três localidades, contávamos geralmente com 180 doações únicas. Elas se reduziram a 117. No mês passado foram 80. Não tenho nenhuma indicação de que teremos uma tendência positiva."
Michelle Ottey, diretora de operações do Fairfax Cryobank, grande banco de sêmen na Pensilvânia, afirmou que a demanda de acesso ao seu catálogo para compras on-line havia aumentado, porque "as pessoas estão vendo que há a possibilidade de mais flexibilidade na vida e no trabalho".
E assim, na crise capitalista, o Mundo do Esperma, no qual as pessoas compram e vendem esse produto, ficou animado. Os doadores estão indo direto às clientes. Vários grupos surgiram no Facebook, com dezenas de milhares de membros.
A razão pela qual sei disso é bastante simples: tenho 32 anos, sou parceira de uma mulher, estou presa em casa e procurando o melhor esperma que puder obter.
Quando comecei a falar com bancos de sêmen no ano passado, eles já estavam preocupados com o fornecimento.
Números confiáveis são difíceis de encontrar no Mundo do Esperma. Pesquisadores citam dados coletados na década de 1980 para estimar o número de crianças nascidas por sêmen doado nos Estados Unidos entre 30 mil e 60 mil por ano, embora os defensores não confiem tanto nisso, alegando que não há dados confiáveis porque não há regulamentação. O setor de bancos de sêmen rendeu cerca de US$ 4 bilhões em 2018.
Sempre houve casais heterossexuais inférteis que precisavam de doação, mas, com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o aumento da maternidade solteira eletiva, o mercado se expandiu na última década. Segundo os bancos, cerca de 20 por cento dos clientes são casais heterossexuais, 60 por cento são lésbicas e 20 por cento são mães solteiras por escolha.
Para atender a essa demanda, os homens forneceram esperma a uma taxa constante durante anos, informaram alguns bancos. Mas o coronavírus mudou as coisas. Os doadores existentes estavam com medo de vir. Novas inscrições de doadores pararam por meses durante o confinamento e nunca se recuperaram em alguns casos. Vários bancos divulgaram que tinham muito sêmen congelado, mas que isso não duraria muito tempo.
"O recrutamento de doadores é um desafio crescente", disse Scott Brown, vice-presidente de alianças estratégicas do California Cryobank.
Outra razão pela qual os bancos de sêmen enfrentam dificuldades são as regras federais rígidas. Os homens têm de retornar toda vez que um lote é liberado e fazer um exame de sangue. A maioria dos bancos tem limites, de modo que um doador não pode fornecer para mais de 25 ou 30 famílias, para evitar preocupações genéticas. Os doadores são sempre desconhecidos das famílias receptoras, identificadas apenas por números.
Países como a Inglaterra e a Austrália legalizaram o pagamento de quantias significativas aos doadores. Os Estados Unidos não estabelecem um limite financeiro, mas regulamentam a doação de esperma da maneira como fazem com a doação de tecidos. O doador deve dar seu consentimento, e o pagamento não deve ser sua principal motivação.
O preço do esperma continua alto. Cada frasco de um banco premium pode custar até US$ 1.100. O banco garante que um frasco terá de dez a 15 milhões de espermatozoides no total. Todo mês, durante a ovulação, uma futura mãe descongela um frasco e injeta o sêmen.
A recomendação é comprar quatro ou cinco frascos por criança desejada, já que a tentativa de engravidar pode facilmente levar alguns meses. E, já que os doadores se esgotam rápido, se uma mulher quer dois filhos com o mesmo doador, precisa dispor de cerca de US$ 10 mil.
Enquanto as pessoas disputam o esperma restante nos bancos, milhares de mulheres tentam encontrar outra maneira.
Nos últimos seis meses, muitas se juntaram a grupos no Facebook para procurar os megadoadores. Esses homens não têm limite familiar e não prestam muita atenção às regras federais.
Eles também podem revelar sua identidade aos futuros pais. Enquanto a maioria dos bancos não libera essa informação até que as crianças façam 18 anos, ou nem mesmo depois disso, esses homens são "doadores conhecidos", e quase todos oferecem o sêmen de graça.
A mudança começou a acontecer há alguns anos. A tecnologia revolucionou a forma como o mundo dos doadores de espermatozoides e de óvulos funcionava, com testes baratos de DNA fazendo do anonimato do doador uma farsa. Agora, as mídias sociais e o conforto de escolha semelhante ao Tinder estavam inaugurando outra revolução para contornar completamente os bancos de esperma.
Aplicativos para encontrar doadores, como Just a Baby, apareceram. Assim como o Known Donor Registry, no qual cerca de 50 mil membros organizam a doação e o recebimento de esperma. Grupos no Facebook com dezenas de milhares de membros começaram a fazer propaganda de si mesmos.
Nesses grupos, homens particularmente bonitos recebem comentários de dezenas de mulheres. Três horas depois de um post recente de um enfermeiro de 1,75 m, de 28 anos, que disse que era "de descendência inglesa, mas que ficava bronzeado como um grego", Megan escreveu: "Oi, Jack, nós te enviamos uma mensagem." E Lindsay: "Oi, Jack, te mandei uma mensagem." E Sonia: "Oi, Jack, gostaria de conversar."
A maioria dos doadores especifica que só doará mediante inseminação artificial. Alguns também doarão via inseminação natural, ou sexo. A linha entre altruísmo e tara sexual pode ficar obscura rapidamente e levanta questões de segurança.
O risco legal para ambas as partes – o risco de uma mãe pedir pensão alimentícia ao doador e correr o risco de um doador querer a custódia da criança – é alto, e as leis variam. As mulheres que recorrem a grupos no Facebook são as que normalmente não conseguiriam pagar aos bancos de esperma tradicionais.
Muitos dos doadores conhecidos usam testes de DNA amigáveis ao consumidor, como o 23andMe ou o CircleDNA, que oferecem testes genéticos próximos do nível daqueles utilizados em um banco de sêmen, para garantir às mulheres que seus genes não carregam mutações.
Agora, há até influenciadores de doação. Uma delas é Kayla Ellis, de 27 anos, dona de casa com um filho no centro-oeste dos Estados Unidos. Ela e sua esposa encontraram o doador no Just a Baby em 2019. Conversaram por semanas, embora ela tenha mantido sua localização em segredo. Ellis monitorava sua ovulação e, quando chegou a hora, fecharam um acordo autenticado em cartório e seguiram para um Airbnb. Lá, transferiram o sêmen por meio de um copo.
"Podemos sustentar as crianças confortavelmente, mas não podíamos pagar a quantia astronômica que os bancos de sêmen cobram. Portanto, começamos a procurar em outro lugar", contou Ellis.
Agora ela tem uma conta no TikTok dedicada a "como conceber uma criança por meio de doação privada de esperma, monitorar a ovulação e falar com doadores" – com mais de 91 mil seguidores. E ela e a esposa estão grávidas do segundo filho, do mesmo doador. "Cada bebê nosso custa US$ 136", revelou Ellis.
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