Atleta exausto em uma prova de corrida: saiba como se preparar antes das provas para evitar os imprevistos (Getty Images/Mark Dadswell)
Da Redação
Publicado em 18 de março de 2013 às 12h51.
São Paulo - Corredores fazem planos. Nós escolhemos provas, traçamos estratégias e trabalhamos pesado por semanas, meses ou anos para atingir metas.
Mesmo assim, com muita frequência, quebramos e até abandonamos a prova por causa de cãibras, problemas intestinais, excesso de calor, falta de água ou outras tragédias. Para ajudá-lo a escapar dessas roubadas, especialistas analisam casos clássicos e indicam medidas certeiras.
Hipertermia
Reconstituição do crime: Mais um ano quente em Chicago. Quente a ponto de derrubar atletas de elite e amadores como Kelly. Em 2011, a temperatura bateu a casa dos 32 graus. A umidade também deu as caras. E os atletas — especialmente os mais afoitos e menos preparados — pagaram o preço.
"Era minha primeira maratona. Queimei a largada, virei o primeiro quilômetro mais rápido da minha vida: 4min44", conta. O excesso de calor e a umidade não deixavam o suor de Kelly evaporar direito.
Resultado: seu corpo superaqueceu. "No km 26, fiquei muito quente, comecei a sentir tontura, enjoo, a pulsação não parava de subir e eu tinha dificuldade para respirar." A meta de completar a prova em 4h55 se transformou em simplesmente completar a prova.
"Queria provar que era capaz de terminar 42 km. Passei a andar e trotar, bebia água constantemente, e fechei a maratona em 5h39. Aprendi que imprevistos, como excesso de calor, acontecem, mas que só devemos nos colocar um grande desafio se estivermos preparados para ele."
Prováveis culpados e como prevenir novas tragédias: acelerar demais em temperaturas elevadas é sinônimo de desastre. Mas com alguns ajustes, especialmente no ritmo, você corre com segurança.
É muito frequente que metas de tempo fiquem acima do bom senso. Para evitar riscos nos treinos e provas, o segredo é ouvir os sinais do corpo para diminuirmos o ritmo. Mais que ficar de olho no relógio — e em seus medidores de ritmo e frequência cardíaca —, tente apurar seu nível de percepção de esforço.
Assim, você aprende como se sente em cada nível de intensidade e sabe até onde pode ir, orienta o treinador Mike Hamberger. Pode ser preciso praticar de dois a seis meses a fim de ajustar seu "sensor interno", então tenha paciência. Faça um dos treinos a seguir uma ou duas vezes por semana.
Bater no muro
Reconstituição do crime: Depois de cravar 4h05 na Maratona de São Paulo de 2010, Marcel traçou a meta para a edição 2011 do evento: 3h30. Para isso, ele seguia à risca as planilhas da assessoria esportiva e chegou a fazer longões de 34 km no ritmo-alvo da prova.
"A largada aconteceu às 8h35, com um calor dentro do esperado. Saí no ritmo planejado e me hidratei conforme o executado nos treinos: um pouco de água em todos os postos e um sachê de gel a cada 8 km. Mas, ao contrário do planejado, não estava correndo solto. Logo depois dos 10 km, fazia um esforço anormal."
No km 22, Marcel caminhou pela primeira vez. No km 30, veio a primeira cãibra, na panturrilha. Ele alongou, caminhou e então voltou a correr. "Mas logo vieram as cãibras na parte da frente das duas coxas. Alonguei e senti, de novo, cãibra na panturrilha. Alonguei a panturrilha e senti cãibra na sola do pé! O resto da prova foi um martírio. Estava enjoado e fui alongando e caminhando até completar os 42 km em 4h23. Até hoje não sei explicar o que aconteceu..."
Prováveis culpados e como prevenir novas tragédias: especialistas apontam erros comuns que podem fazê-lo "quebrar" numa prova e ensinam maneiras de evitar o problema.
ERRO - Baixa quilometragem
PREVENÇÃO - Correr mais durante a semana. "Faça uma corrida em dia de semana que corresponda a 20% a 25% da sua quilometragem semanal total para fortalecer os músculos", explica a fisiologista do exercício Janet Hamilton, da Inglaterra.
ERRO - Largar rápido demais
PREVENÇÃO - Relaxe e preste atenção no ritmo. "Sintonize-se com sua respiração para evitar igualar suas passadas às das pessoas a sua volta", diz Kris Eiring, psicóloga em Wisconsin (EUA).
E fique atento ao relógio: a empolgação faz com que os quilômetros iniciais pareçam mais fáceis, mesmo que você esteja correndo mais rápido que de costume; mas você deve pagar o preço na segunda parte da prova, afirma o treinador Mike Hamberger, especialista em resistência física em Washington (EUA).
ERRO - Muita água, pouco sal
PREVENÇÃO - Tenha um plano de hidratação, devidamente testado nos treinos. Para suprir a necessidade de sódio, alguns corredores intercalam água e biscoitos salgados na corrida. Outros, água com bebidas esportivas (ricas em sais minerais).
"Quando o atleta perde sal, ele tem cãibra", explica Lewis Maharam, autor do livro Running Doc's Guide to Healthy Running (em tradução livre, "Guia de corrida médico para correr com saúde"). Na semana da prova, invista em alimentos salgados, como biscoitos e castanhas.
Ataque de Asma
Reconstituição do crime: Asmático desde que se conhece por gente — assim se define Ezequiel. Quando viaja para competir, carrega consigo um kit de sobrevivência que inclui cinco remédios e um inalador portátil. No dia da Meia Maratona de Floripa, estava atrasado e os amigos o esperavam.
"Na correria, não tomei o remédio. Achei que ficaria tudo bem", conta. Manhã fria na capital de Santa Catarina, termômetros oscilando entre 11 e 15 graus.
"Logo minha crise se alastrou. Geralmente, mesmo com sacrifício, ela melhora depois de um tempo. Não foi o que aconteceu dessa vez. Perto do km 10, nada de os pulmões abrirem. Bateu um grande cansaço, eu praticamente me arrastava. O coração estava na boca, minha frequência cardíaca chegou a 98% da máxima", conta.
Ezequiel reduziu o ritmo e terminou a prova em 1h50, tempo bem acima do recorde pessoal de 1h38. "Ainda com falta de ar, mas feliz por completar. Fui direto para o hotel, para fazer inalação. Só assim consegui sair da crise."
Prováveis culpados e como prevenir novas tragédias: confira como driblar problemas respiratórios que insistem em afligir corredores e assim manter o ritmo ao longo dos treinos e provas.
Os corredores inalam um grande volume de ar seco e não filtrado. Um estudo publicado na revista científica Medicine & Science in Sports & Exercise (da American College of Sports Medicine) sugere que os corredores sejam mais suscetíveis a alergias do que as pessoas que não correm, simplesmente porque eles inalam mais alergenos (substâncias que causam reação alérgica).
Os corredores têm, também, maior probabilidade de apresentar broncoespasmo induzido por exercícios (também chamado de asma induzida por exercícios).
"Mais de 90% das pessoas asmáticas têm broncoespasmo induzido por exercícios, mas cerca de 20% da população geral também tem esse quadro, ainda que sem sintomas de asma", diz o médico do esporte Jordan Metzl. "O risco de sofrermos esse tipo de broncoespasmo é maior quando temos alergias."
Quando se faz exercício no frio, o ar seco pode induzir a uma crise de asma. E, quando se respira pela boca, o ar chega frio aos pulmões e essa mudança súbita de temperatura pode provocar espasmo nos brônquios, segundo Lewis Maharam. Quer o motivo sejam alergias, quer seja o clima, as etapas a seguir podem ajudá-lo a recuperar o fôlego e a evitar uma crise asmática.
PROCURE UM ALERGISTA: "Se você tem alergias sazonais — ou suspeita que tem —, esse especialista pode ajudar a controlar os alergenos que desencadeiam as crises de asma", explica Maharam.
AJUSTE O CALENDÁRIO: Se você tem alergias, evite provas que ocorram durante os meses em que há muito pólen no ar (como na primavera) ou diminua suas expectativas.
AQUEÇA: Em dias frios, recorra à esteira ou academia. Vai correr lá fora? Então tente respirar mais pelo nariz. O ar será aquecido antes de chegar aos pulmões.
NÃO DEMORE: "O broncoespasmo induzido por exercícios geralmente ocorre após cerca de 6 minutos de atividade intensa", diz Maharam. Quando você estiver fazendo treinos intervalados, tente fazer repetições de até 6 minutos cada uma.
FAÇA ACONTECER: Pode parecer duvidoso, mas Maharam afirma que, se você tem asma, pode tentar induzir um espasmo e, depois, continuar a corrida. "Depois de uma crise de asma, fica-se imune a outra crise por aproximadamente 2 a 3 horas", diz.
Aqueça e corra em ritmo difícil o suficiente para provocar uma crise, por pelo menos 6 minutos. Use um inalador (ou faça uma pausa) e vá para a prova. Antes de tentar essa estratégia, é fundamental consultar um médico. Só ele pode avaliar suas condições físicas e liberá-lo para tentar essa tática.
Desconforto intestinal
Reconstituição do crime: A história de Ricardo é uma tragédia anunciada. "Uma semana antes, tive uma baita crise de rinite e sinusite, tosse e mal-estar geral", conta.
Como sabia que dificilmente bateria seu recorde nos 21 km (que é de 1h43), passou a encarar a prova no Rio como um treinão. Esse sim foi seu maior pecado.
"Deixei de lado as precauções com alimentação. Um dia antes, encarei uma feijoada no almoço e uma omelete no jantar. No dia, biscoitos salgados e dois géis. No km 12, senti cólicas intestinais. Elas passavam, mas voltavam cada vez que eu bebia água ou ingeria um gel", conta.
Ricardo diminuía o ritmo, quase caminhava e elas davam trégua. E assim ele seguia, negociando com as cólicas até o km 18, quando o diálogo teve fim. "A partir daí, contrações iam e vinham como se eu fosse uma gestante. Nunca fiz tanta força para segurar algo. Finalmente cheguei, 2h06 depois. Passei batido pela medalha, pela água e pela felicidade geral e fui para o banheiro mais lindo do mundo."
Prováveis culpados e como prevenir novas tragédias: cólicas, inchaço e diarreia afetam mais de 30% dos atletas. As estratégias a seguir asseguram que, no dia da corrida, você corra apenas para a linha de chegada.
É muito frequente que metas de tempo fiquem acima do bom senso. Para evitar riscos nos treinos e provas, o segredo é ouvir os sinais do corpo para diminuirmos o ritmo.
Mais que ficar de olho no relógio — e em seus medidores de ritmo e frequência cardíaca —, tente apurar seu nível de percepção de esforço. Assim, você aprende como se sente em cada nível de intensidade e sabe até onde pode ir, orienta o treinador Mike Hamberger.
Pode ser preciso praticar de dois a seis meses a fim de ajustar seu "sensor interno", então tenha paciência. Faça um dos treinos a seguir uma ou duas vezes por semana.
PRATIQUE E PRATIQUE: "Em média, 70% a 80% dos maratonistas que não testam sua estratégia de nutrição durante treinos terão algum tipo de problema intestinal na prova", afirma Lewis Maharam.
FAÇA UM DIÁRIO: Registre o que e quanto você comeu na noite anterior e na manhã dos longões, e como seu estômago reagiu aos alimentos, orienta Maharam. Experimente pequenas mudanças: se você bebeu duas xícaras de café, beba uma só da próxima vez. Se você foi ao banheiro uma vez, vá duas vezes. Se você comeu 2 horas e meia antes da corrida, coma 3 horas antes.
APRENDA O BÁSICO: Vinte e quatro horas antes da competição, evite alimentos ricos em fibra (que podem soltar o intestino) e gordurosos (que são difíceis de digerir).
Prefira carboidratos de fácil digestão (arroz e pão brancos) e proteínas magras, conforme aconselha a nutricionista americana Monique Ryan, autora de Sports Nutrition for Endurance Athletes (em tradução livre, "Nutrição esportiva para atletas de resistência").
Hiper-hidratação
Reconstituição do crime: Seria mais uma participação de rodrigo na Volta à Ilha, um dos revezamentos mais tradicionais e duros do Brasil. "Como sabia que não haveria postos de hidratação nos trechos de praia, caprichei nos anteriores, inclusive nos que eu descansava. Não comia nada com medo de ter desconforto intestinal nem tomava suplementos ou sais. Só bebia água, muita, desesperadamente. Eu me 'super-hidratei'", conta.
Quando parou para descansar, após percorrer 65 km, a luz se apagou. "Desmaiei. Um dos atletas me acordou e me fez tomar Coca-Cola e comer batata frita com muito sal. Voltei a correr e consumia gel e sal, com pouquíssima água, para não ter uma nova diluição de sódio no sangue", conta.
Rodrigo seguiu em frente e, com seu parceiro Cleimar, concluiu os 150 km da Volta em 11h51, com a segunda colocação na categoria duplas.
Prováveis culpados: e como prevenir novas tragédias: a hiponatremia é um quadro raro provocado pela ingestão excessiva de água e consequentes níveis muito baixos de sódio no sangue. Pode causar enjoo, dor de cabeça, mal-estar, vômitos, confusão mental, mas também pode levar a edema (inchaço) cerebral e ser fatal. Veja a seguir como matar sua sede com segurança, durante e depois da prova.
PRESTE ATENÇÃO - "Um copo de bebida esportiva e água em cada posto de hidratação é muito", diz Lewis Maharam. Só consuma bebida esportiva com a finalidade de ingerir eletrólitos.
MANDE SÓDIO PARA DENTRO - Consuma pelo menos dois pacotinhos de sal e coma alimentos salgados após a prova. Durante uma prova mais longa (como a maratona) e após seu fim, "o sangue é redirecionado para as pernas e para longe dos rins", explica Maharam. "Você vai urinar sal e reter água", o que pode aumentar o risco de hiponatremia.
CARREGUE NOS ELETRÓLITOS - Em provas ou treinos com clima quente e úmido, leve consigo cápsulas de sal (eletrólitos) — além de pequenos pacotes de sal — e tome duas cápsulas por hora.
TENHA UM PLANO - Seguir um plano de recuperação pós-corrida evita erros por desatenção, como beber muito líquido, segundo Kris Eiring. O plano deve incluir aspectos relativos à nutrição e hidratação e uma revisão mental da prova, além de desaquecimento. Com a prática, sua recuperação se tornará algo automático.