Carreira

O mundo da seleção anda apelando a técnicas bem estranhas

O desafio de encontrar bons profissionais leva as empresas a introduzir nos processos seletivos técnicas inusitadas e nada eficientes

O estranho  mundo  da seleção (Ilustração: Marceleza)

O estranho mundo da seleção (Ilustração: Marceleza)

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Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2013 às 18h47.

Tudo começa no almoço com o headhunter para uma sondagem inicial para a vaga. Como num namoro, os dois estão se conhecendo. Depois, vem o convite oficial para uma primeira entrevista, na qual são expostos a proposta, o perfil e as competências exigidas para o cargo. O headhunter mostra um interesse incomum no signo e no dia de nascimento do candidato. Mas até aí tudo bem. Tem gente obcecada por astrologia mesmo. Em seguida, são marcadas reuniões com altos líderes da empresa contratante ou happy hours com seus executivos. E, quando o candidato acha que já passou por todas as etapas do processo, surge um convite inusitado:

“Que tal você mostrar suas habilidades culinárias na cozinha do nosso refeitório”, indaga o recrutador. Sim, mesmo em tempos de aquecimento de mercado, ainda há companhias que incluem o preparo de alimentos, mapa astral, análise de caligrafia e outras avaliações muito menos ortodoxas em seus processos de seleção, independentemente do nível da vaga em aberto. “Há organizações que exageram na inovação e ultrapassam os limites, expondo os candidatos a situações vexatórias”, afirma Waleska Farias, consultora de carreira e imagem do Grupo Hel, que presta serviços de gestão de pessoas para o setor hoteleiro.

Cobrados para fazer coisas que se dividem entre constrangedoras e estúpidas, os headhunters  tentam, muitas vezes em vão, argumentar que um bom processo seletivo dispensa técnicas bizarras, como pedir para um candidato varrer a sala de entrevista. Para Magui Castro, sócia da CTPartners, o fundamental nessa etapa de namoro é buscar referências de ex-chefes, ex-pares e ex-subordinados, além das informações do mercado e das pessoas que o headhunter conhece e em quem confia. 

“O mais complexo é o alinhamento do perfil do profissional à cultura da empresa. Para isso a checagem de referências é melhor do quequalquer dinâmica”, diz Magui. 

André Magro, gerente da área de expertise de human resources da Hays, também descarta dinâmicas para posições que não sejam de estagiários e trainees. “O melhor é a boa e velha entrevista”, diz Magro. Opinião que é compartilhada por Jacqueline Resch, sócia-diretora da Resch Recursos Humanos.

“O bom processo é feito de instrumentos para avaliar as competências do profissional, não de modismos. Se a empresa está sendo levada por modismos e não sabe o que está investigando, quem ela vai escolher no final? Ainda acredito que o instrumento mais importante no recrutamento é a entrevista. Ela deve ser privilegiada”, diz Jacqueline. 

O perigo de introduzir técnicas alternativas no processo seletivo, alertam os especialistas, é que, além de não revelarem competências relevantes dos candidatos, elas podem afastar bons profissionais. “São modismos que até sobrevivem num mercado fraco, mas num setor aquecido o candidato se recusa a participar desse jogo e a empresa corre o risco de perder um bom profissional”, diz Simone Madrid, sócia da Teamwork Hunting Consultoria de Recursos Humanos. 

Apesar do alerta, a criatividade no campo da seleção rola solta. A reportagem da VOCÊ RH ouviu sete consultores de RH e headhunters que revelaram as piores práticas já solicitadas pelos RHs das empresas clientes. Veja aqui o que não incluir em seu processo seletivo.

Precisa-se de engenheiro (que entenda de vinho)

Uma multinacional de petróleo quer submeter os candidatos de um processo seletivo a uma prova com panelas, na cozinha mesmo. Para essa organização, a habilidade do profissional na cozinha pode revelar sua disciplina e capacidade de organização. “Eu ainda contra-argumento dizendo que não sei cozinhar e, por isso, não poderia trabalhar para a companhia. Mas o pior é que, em muitos casos, fica com a vaga aquele que faz o bolo mais gostoso”, conta Alexandre Luz, diretor de RH da PM Luz Consultoria Recursos Humanos. Ele já viu um candidato à vaga de gerência com responsabilidade de comandar 200 funcionários se recusar a ir para o refeitório da empresa cozinhar.

“O profissional disse que isso era uma palhaçada e foi eliminado do processo. A nós, headhunters, resta apenas identificar quem vai topar esse tipo de coisa”, afirma Luz. Jacqueline Resch também não entende o propósito de pedir a alguém para cozinhar. “Só se a vaga for de gourmet. Caso contrário, é colocar o candidato em situação desconfortável e desnecessária.” Como não bastasse testar as habilidades com as panelas, outra companhia do setor de óleo e gás introduziu um teste de conhecimento em vinhos na avaliação inicial para o cargo de engenheiro comercial. A justificativa, lembra Simone Madrid, da Teamwork, era de que a empresa buscava um profissional refinado para receber comitivas estrangeiras e frequentar jantares com presidentes de outras empresas.

Aula de artes plásticas

A vaga em aberto era numa empresa multinacional europeia. O cargo, de chief financial officer (CFO). Cada candidato tinha que desenhar alguém na chuva com um guarda-chuva. Para isso recebia uma folha de papel em branco com outras quatro folhas embaixo. As folhas sobressalentes serviriam para que se pudesse analisar a força que o profissional empregava ao escrever, o que, segundo os crédulos, revelaria seu caráter.

“Candidatos muito bons foram colocados de lado porque o desenho não tinha chão ou porque tinham desenhado só uma pessoa debaixo do guarda-chuva. Confesso que até hoje não entendi o que a companhia enxergava como um desenho correto”, conta Magui Castro, da CTPartners. “Eu ficava sem graça de fazer esse pedido aos candidatos, pedia desculpas até, e eles só riam.”

Entrevista com faxina

Imagine a seguinte situação: os candidatos chegam para uma dinâmica e encontram uma sala bem suja. A primeira prova de competência a que são submetidos é o devido uso de vassouras. E, para isso, todos são convidados a varrer o chão. “Recentemente, me surpreendi quando uma empresa cliente questionou se é usual nos processos seletivos os candidatos varrerem a sala de entrevista e servirem água e café aos demais participantes. Os condutores do processo justificavam a técnica como sendo de fundamental importância para observar o jogo de cintura e a disposição em servir o outro dos profissionais”, diz Waleska Farias, consultora de carreira e imagem  do Grupo Hel.

Vagas para taurinos e arianos. Não insista 

Pode parecer coisa de outro planeta, mas há empresas que, ao enviar o perfil do profissional para a vaga, já exigem que o headhunter selecione pessoas nascidas num período específico do ano. “São aquelas que buscam levantar o mapa astral da pessoa”, diz Alexandre Luz. Leonardo Leitão, gerente de negócios da Proff Gente e Gestão, também já se deparou com uma organização que queria o mapa astral de candidatos à vaga de coordenação para identificar o perfil mais compatível com o gestor. “Ganhou a vaga aquele que tinha o melhor alinhamento de acordo com os astros. Eu até respeito a decisão, mas acho um absurdo, porque isso não vai influenciar em nada a performance do profissional”, diz Leitão. O pior caso, no entanto, foi o identificado por Waleska Farias:  

“Recentemente, durante um processo seletivo, a pessoa que conduzia a entrevista pediu para ver as mãos do candidato, para identificar, por meio dos traços e do formato, se ele seria a pessoa certa para liderar a equipe de vendas da companhia”, conta. Simples assim. 

Só os fortes sobrevivem

E quando o cenário da seleção é um hotel fazenda? Mas, em lugar de camas fofinhas e travesseiros macios, os candidatos encontram um acampamento mambembe. “Já vi empresa de publicidade submetendo seus candidatos a treinamento de sobrevivência, coisa que só é necessária para pilotos e comissários de bordo, por exemplo. A organização aluga um hotel fazenda e coloca o pessoal acampado, já sabendo que está chegando uma frente fria por lá. Tudo isso para ver a capacidade de liderança, de discernimento e de lidar com imprevistos dos profissionais. “Acho que, no fundo, a empresa não sabe exatamente o que quer. Por isso, acaba contratando errado”, diz Alexandre Luz. 

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