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Reflexões sobre o poder público

Fui aluna do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e militei no conturbado movimento estudantil brasileiro. Era uma revolucionária e acreditava que o Estado poderia ser colocado a serviço dos pobres e excluídos. Queria transformar o mundo! O período militar se encerrou e novos desafios foram colocados ao país. Um […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h32.

Fui aluna do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e militei no conturbado movimento estudantil brasileiro. Era uma revolucionária e acreditava que o Estado poderia ser colocado a serviço dos pobres e excluídos. Queria transformar o mundo! O período militar se encerrou e novos desafios foram colocados ao país. Um pouco mais pragmática, passei a estudar modelos históricos de diferentes países em que o setor público funcionou com eficiência, prestando os serviços de que a população necessitava. Construí e confirmei em minha vida profissional uma convicção de que é possível, mesmo em condições adversas, arrancar maior produtividade da cansada máquina estatal.

Condições adversas não faltam ao Brasil: o clientelismo ainda é a marca registrada de nosso sistema político. A cultura do jeitinho e de um acesso não democrático a serviços públicos de qualidade ainda possibilita que apenas a elite tenha direito à rapidez na solução de seus problemas com a administração pública. A crise fiscal dificulta a melhoria da remuneração dos servidores frente ao mercado de trabalho. Além disso, fica a impressão de que o Estado no Brasil foi criado apenas com duas funções: baratear o custo de produção do capital, realizando investimentos em infra-estrutura necessários à atração e instalação de empresas, e gerar emprego e renda (infelizmente, por meio do sistema clientelista). O Estado não foi constituído para prestar serviços à população. Esse problema de desenho dificulta a busca por eficiência e é cultura sedimentada em valores compartilhados por servidores, dirigentes -- e até usuários que não exigem qualidade nos serviços prestados.

No entanto, como explicar que, nesse contexto hostil, algumas empresas e órgãos públicos alcancem desempenho tão superior a outros? Algumas estatais certamente tiveram condições. Desde os anos 50 o governo deu ênfase à necessidade de ter uma área de infra-estrutura que ajudasse o país a crescer. Nesse caso, pagaram-se salários de mercado (até superiores), investimentos foram feitos e o resultado foi animador. Mas outras empresas desvinculadas da área produtiva -- centros de pesquisa, escolas públicas, hospitais --, sem incentivos adicionais e sob as mesmas condições adversas, superaram todas as expectativas e se tornaram centros de referência. É o caso da Embrapa, da Fiocruz e de centenas de escolas, centros de saúde e hospitais espalhados pelo país, nos quais liderança forte, combinada com gestão competente, removeu obstáculos estruturais. Mas esse tipo de liderança não permite sustentar os novos patamares de performance se não for acompanhado de mudanças que reorientem o Estado para uma lógica de serviço. Esse foi o intento da mais rica experiência vivida em minha vida profissional: a tentativa de reformar o Estado brasileiro. Após anos na máquina pública -- dirigindo estatais e órgãos da administração direta --, com sucessos temporários que não se consolidavam, tive a chance de rever entraves legais e processuais à boa gestão e propor mudanças. Como secretária executiva e depois ministra da Administração Federal e Reforma do Estado, pude observar que infelizmente não é apenas a legislação que reflete essa noção de Estado que serve apenas para empregar e gerar renda no segmento de administração direta. Não são apenas os políticos clientelistas que conspiram contra a boa prestação de serviços. É toda uma lógica de desprofissionalização do servidor público que se vê, dessa maneira, muito mais como vítima do que como culpado da situação. A equipe do ministério pôde promover transformações importantes na Constituição, nas leis que regem o funcionalismo e na estrutura de concursos, salários e treinamentos.

A tentativa era trazer para o Estado profissionais mais preparados. No entanto, é fundamental ter em conta que mudar essa ordem de coisas constituída historicamente no país é tarefa para quase uma geração. Só assim sucessos como o Banco do Nordeste e a Embrapa, entre tantos exemplos bons e nem sempre tão visíveis, poderão manter seu atual excelente desempenho e contaminar positivamente todo o setor público.

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Fui aluna do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e militei no conturbado movimento estudantil brasileiro. Era uma revolucionária e acreditava que o Estado poderia ser colocado a serviço dos pobres e excluídos. Queria transformar o mundo! O período militar se encerrou e novos desafios foram colocados ao país. Um pouco mais pragmática, passei a estudar modelos históricos de diferentes países em que o setor público funcionou com eficiência, prestando os serviços de que a população necessitava. Construí e confirmei em minha vida profissional uma convicção de que é possível, mesmo em condições adversas, arrancar maior produtividade da cansada máquina estatal.

Condições adversas não faltam ao Brasil: o clientelismo ainda é a marca registrada de nosso sistema político. A cultura do jeitinho e de um acesso não democrático a serviços públicos de qualidade ainda possibilita que apenas a elite tenha direito à rapidez na solução de seus problemas com a administração pública. A crise fiscal dificulta a melhoria da remuneração dos servidores frente ao mercado de trabalho. Além disso, fica a impressão de que o Estado no Brasil foi criado apenas com duas funções: baratear o custo de produção do capital, realizando investimentos em infra-estrutura necessários à atração e instalação de empresas, e gerar emprego e renda (infelizmente, por meio do sistema clientelista). O Estado não foi constituído para prestar serviços à população. Esse problema de desenho dificulta a busca por eficiência e é cultura sedimentada em valores compartilhados por servidores, dirigentes -- e até usuários que não exigem qualidade nos serviços prestados.

No entanto, como explicar que, nesse contexto hostil, algumas empresas e órgãos públicos alcancem desempenho tão superior a outros? Algumas estatais certamente tiveram condições. Desde os anos 50 o governo deu ênfase à necessidade de ter uma área de infra-estrutura que ajudasse o país a crescer. Nesse caso, pagaram-se salários de mercado (até superiores), investimentos foram feitos e o resultado foi animador. Mas outras empresas desvinculadas da área produtiva -- centros de pesquisa, escolas públicas, hospitais --, sem incentivos adicionais e sob as mesmas condições adversas, superaram todas as expectativas e se tornaram centros de referência. É o caso da Embrapa, da Fiocruz e de centenas de escolas, centros de saúde e hospitais espalhados pelo país, nos quais liderança forte, combinada com gestão competente, removeu obstáculos estruturais. Mas esse tipo de liderança não permite sustentar os novos patamares de performance se não for acompanhado de mudanças que reorientem o Estado para uma lógica de serviço. Esse foi o intento da mais rica experiência vivida em minha vida profissional: a tentativa de reformar o Estado brasileiro. Após anos na máquina pública -- dirigindo estatais e órgãos da administração direta --, com sucessos temporários que não se consolidavam, tive a chance de rever entraves legais e processuais à boa gestão e propor mudanças. Como secretária executiva e depois ministra da Administração Federal e Reforma do Estado, pude observar que infelizmente não é apenas a legislação que reflete essa noção de Estado que serve apenas para empregar e gerar renda no segmento de administração direta. Não são apenas os políticos clientelistas que conspiram contra a boa prestação de serviços. É toda uma lógica de desprofissionalização do servidor público que se vê, dessa maneira, muito mais como vítima do que como culpado da situação. A equipe do ministério pôde promover transformações importantes na Constituição, nas leis que regem o funcionalismo e na estrutura de concursos, salários e treinamentos.

A tentativa era trazer para o Estado profissionais mais preparados. No entanto, é fundamental ter em conta que mudar essa ordem de coisas constituída historicamente no país é tarefa para quase uma geração. Só assim sucessos como o Banco do Nordeste e a Embrapa, entre tantos exemplos bons e nem sempre tão visíveis, poderão manter seu atual excelente desempenho e contaminar positivamente todo o setor público.

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