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Primeiro diretor negro em 215 anos da Faculdade de Medicina da Bahia vê saúde mental como prioridade

O médico Antonio Alberto Lopes se formou na UFBA e agora como diretor tem como missão trazer mais diversidade e saúde mental para os alunos de medicina

Antonio Alberto Lopes, médico e diretor da Faculdade de Medicina da UFBA: “Eu poderia ter sido inspirado por histórias de professores negros durante o curso de medicina se estas fossem divulgadas” (UBFA/Divulgação)

Antonio Alberto Lopes, médico e diretor da Faculdade de Medicina da UFBA: “Eu poderia ter sido inspirado por histórias de professores negros durante o curso de medicina se estas fossem divulgadas” (UBFA/Divulgação)

Publicado em 5 de junho de 2024 às 07h30.

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A Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia elegeu, após 215 anos, um diretor negro. O médico Antonio Alberto Lopes possui mais de 40 anos de atuação na área e busca por meio da posição de diretor contribuir para os avanços da universidade onde se formou em 1975.

“O fato de ser negro é importante pela representatividade e pela contribuição ao meu papel social. Eu poderia ter sido inspirado por histórias de professores negros durante o curso de medicina se estas fossem divulgadas, como estamos fazendo atualmente na Faculdade de Medicina da Bahia”, diz Lopes que se orgulha de ter estudado e agora de ser diretor da universidade que formou o médico Juliano Moreira, cientista negro que também nasceu em Salvador em uma família humilde.

Além de suas contribuições médicas, como estudar e tratar doenças mentais com um enfoque mais humano, o médico Juliano Moreira (que viveu entre 1873 e 1933) também é lembrado por sua luta contra o racismo. Sendo um médico negro em uma época de forte discriminação racial, ele enfrentou muitos obstáculos. Ele contestou cientificamente, por exemplo, a teoria da degenerescência racial, que na época associava doenças à mistura de raças.

“Só tive conhecimento da história de Juliano Moreira, conhecido como o ‘pai da psiquiatria brasileira’, quando já exercia atividade como professor de medicina. Não conheci um médico negro que me inspirasse na época em que eu estudava”.

O caminho para chegar no cargo de diretor

Nascido e criado na cidade de Salvador, Bahia, Lopes afirma que seus pais desempenharam um papel significativo na sua educação e formação como pessoa, mas não influenciaram diretamente na escolha pela medicina.

“A decisão de cursar Medicina foi inteiramente minha”, diz o médico. “Quando decidi seguir essa carreira, me preparei com grande foco para o vestibular, sendo aprovado em primeiro lugar no concorrido vestibular de Medicina da Escola Bahiana de Medicina no final de 1969. No mesmo ano, também passei no vestibular da Faculdade de Medicina da UFBA, iniciando meus estudos em março de 1970.”

Como clínico, Lopes se especializou em nefrologia (doenças renais), com treinamento no Hospital Universitário Professor Edgard Santos da UFBA e no Hospital das Clínicas da USP. O médico também é especialista em Saúde Pública e tem um PhD em Ciência Epidemiológica pela University of Michigan, Ann Arbor, nos Estados Unidos.

“Trabalhei em vários hospitais de Salvador, mas atualmente o foco do meu trabalho é como diretor da Faculdade de Medicina da Bahia”, diz Lopes que reforça que tomou posso do cargo em julho de 2023 e busca desde então contribuir com a universidade usando o conhecimento e a experiência adquirida na gestão universitária, como professor, pesquisador e na orientação de inúmeros estudantes de mestrado e doutorado.

As expectativas com o cargo de diretor

O foco de Lopes como diretor da Faculdade de Medicina da Bahia está no ensino de graduação.

“Buscamos oferecer aos nossos estudantes a base teórica e as habilidades práticas necessárias para se tornarem médicos cientificamente competentes, éticos e compassivos, levando em conta os aspectos psicossociais e emocionais”, diz. “Estamos adotando ações para criar uma atmosfera que favoreça o bem-estar dos estudantes. Como é conhecido, estudantes de medicina são geralmente expostos a uma grande carga de tarefas, o que pode afetar sua saúde mental e a qualidade de vida de modo geral.”

A diversidade dentro e fora da sala de aula

Apesar da população brasileira possuir 50,74% de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, apenas 14,6% dos profissionais que se formam em medicina são negros e pardos, segundo dados do IBGE de 2010. Na Bahia, o mesmo estudo mostra que essa realidade não é diferente, considerando que 76,26% da população baiana se autodeclararam pretos e pardos, menos da metade (39,1%) conquistaram o diploma de medicina.

"Apesar dos avanços nos últimos anos, a presença da população negra em cursos de graduação em medicina é muito baixa. Vale lembrar que a lei 12.711/2012 que estabeleceu a política de cotas raciais para o ensino superior estabelecia a obrigatoriedade apenas para as universidades federais. Em âmbito estadual o processo foi bastante lento e com muitas resistências. No caso das instituições privadas a barreira está relacionada aos preços das mensalidades", diz Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE.

Para aumentar a igualdade racial dentro e fora da sala de aula, a Universidade Federal da Bahia adota há anos a política de cotas, afirma o diretor da faculdade de Medicina.

“Acredito que o resultado dessa política será observado mais nitidamente nos próximos anos, com uma maior inserção de docentes e pesquisadores negros, indígenas e de comunidades tradicionais na Faculdade de Medicina.”

Conselho para quem quer seguir a área de medicina no Brasil

Antes de tudo, o médico afirma que é fundamental estudar com dedicação para o processo de seleção no curso de medicina.

“É importante manter o foco e a perseverança, acreditando no seu potencial e buscando sempre aprimorar-se”, diz Lopes que reforça que a área da saúde não exige apenas conhecimento técnico.

“A medicina me ensinou o quanto é importante o respeito dos pacientes, seus familiares, bem como dos colegas de profissão. É fundamental exercer a medicina com atitudes éticas e humanísticas, mostrando empatia e respeito pelos pacientes.”

Além de muito estudo e empatia, Lopes aprendeu também com a medicina a conhecer diferentes culturas por meio de palestras e congressos.

“A carreira médica me proporcionou inúmeras oportunidades para conhecer o mundo, participando como palestrante em congressos, envolvido em projetos internacionais de pesquisa e como estudante de pós-graduação. Essas experiências ampliaram minha visão e contribuíram significativamente para meu desenvolvimento profissional e pessoal”, diz Lopes que diz que ser um médico de sucesso pode variar de profissional para profissional, mas para ele se resume em servir.

“Um bom médico para mim é ser responsável e estar sempre atualizado para praticar uma medicina baseada nas melhores evidências científicas disponíveis. O conceito de sucesso pode variar, mas para mim é medido pelo respeito adquirido daqueles que eu sirvo com meu trabalho.”

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