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Deficientes bem preparados são nivelados por baixo

Na busca para preencher suas cotas de pessoas com deficiência, empresas pecam no processo de seleção e oferecem vagas inferiores ao perfil de boa parte dos profissionais

Victor Rocha, formado em tecnologia da informação: decepcionado com algumas ofertas, decidiu abrir seu próprio negócio em janeiro (Omar Paixão)
DR

Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2013 às 13h06.

São Paulo - Não há dúvida de que a Lei de Cotas para Deficientes , que institui para todas as empresas com mais de 100 empregados a obrigação de preencher uma parcela de seus cargos com portadores de deficiência, vem contribuindo para a inclusão desses profissionais no mercado de trabalho. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2007 e 2009 houve 960 000 contratações formais de pessoas com deficiência. A polêmica sobre o tema, porém, está longe de acabar.

Na visão corporativa, falta gente qualificada para assumir posições nas empresas. Na visão dos profissionais com deficiência, falta preparo das companhias para contratar essas pessoas. Para eles, na tentativa de se livrar das multas pelo não cumprimento da lei, as organizações tentam encaixar pessoas com deficiência nos cargos que sobram, independentemente da formação que elas possuem.

Essa foi a conclusão de duas pesquisas recentes com pessoas portadoras de deficiência. Uma delas, realizada pela consultoria i.Social com 800 profissionais (sendo 20,2% com nível superior completo e 7,2% com pós-graduação concluída), revelou que 46% deles acham que as oportunidades que recebem deveriam ser mais adequadas ao perfil profissional, e 19,3% consideraram essas oportunidades totalmente inadequadas à sua formação.

“A pesquisa se baseia na percepção das próprias pessoas com deficiência. E pelas respostas deu para identificar claramente o foco apenas no cumprimento de cotas”, afirma Jaques Harber, sócio-diretor da i.Social.

Outra análise, realizada pela Page Personnel, empresa de recrutamento do grupo Michael Page, reforça essa percepção. Cerca de 80% dos 243 entrevistados (a maioria com mais de dez anos de atuação no mercado formal) disseram estar insatisfeitos com sua função atual. Desses participantes, 51% possuem ensino superior; 19%, pós-graduação; e 2%, mestrado ou MBA.

Mas a qualificação não se reflete na promoção e no desafio profissional. Os dados da Page Personnel mostram que 36% dos ouvidos ainda não foram promovidos e a grande maioria ocupa cargos administrativos (58%). “A sensação é de que a grande preocupação é apenas cumprir a cota. No geral, as companhias estão habituadas a nos alocar em vagas operacionais com salários baixos”, explica o publicitário André Marra Tena, de 26 anos, portador de má-formação congênita da coluna vertebral, desempregado desde 2009.

O publicitário, que entrou pela lei de cotas na área de marketing de um banco há dois anos, não vê mudanças positivas desde a implantação do projeto. “Quando aparece um candidato portador de deficiência com nível superior e experiência, a tendência é que as empresas mantenham a política dos baixos salários ou, pior ainda, muitas delas nem pensam na função a ser executada”, completa.


Semelhante é a situação do administrador de empresas Sandro Luís da Silva, de 40 anos, também desempregado desde 2009. Seu último trabalho pela lei de cotas, em 2007, foi em uma multinacional. Silva ocupou o cargo de assistente de engenharia. Com encurtamento dos dois membros superiores, o profissional era o único portador de deficiência da companhia — e, aparentemente, reconhecido apenas pela sua deficiência, e não por sua competência. “Dificilmente era chamado para uma reunião e quase nunca tinha uma tarefa desafiadora. Era realmente uma contratação para cumprir tabela”, lamenta.

A solução encontrada por Victor Rocha, de 24 anos, formado em tecnologia da informação e portador de monoparesia do membro superior, uma má-formação adquirida durante o parto que o deixou com o braço esquerdo mais curto que o direito, foi abrir em janeiro deste ano sua própria empresa, a Stratus Tecnologia, especializada em serviços em TI.

“Tinha um sonho e, como estava desempregado, pela dificuldade de voltar ao mercado, acabei abrindo meu próprio negócio”, explica o profissional. Para Rocha, as empresas não estão preparadas e muitos portadores de deficiência acabam aproveitando e se acomodam com essa situação. “Como as companhias precisam cumprir a cota, elas contratam sem se importar com a qualificação do profissional”, finaliza.

Segundo Harber, que coordenou a pesquisa da i.Social, a principal causa da distorção entre as expectativas dos profissionais e a oferta de trabalho está na seleção. Com o foco apenas no cumprimento de cotas, as empresas compram volume — e não competência e conhecimento. Esse desalinhamento provoca duas consequências: a primeira é o desinteresse dos profissionais com deficiência pelas vagas oferecidas, dificultando o cumprimento da lei.

Segundo a pesquisa da i.Social, 322 pessoas acham as oportunidades que recebem ruins e 329 enxergam essas vagas com foco apenas na lei de cotas ( veja quadro Maiores Obstáculos).

A forma como o processo é conduzido também espanta muitos profissionais. Ainda de acordo com dados da pesquisa, 411 das 800 pessoas entrevistadas chegam a desistir da vaga antes mesmo de preenchê-la por falta de transparência no processo seletivo.  Outras 395 desistem pela demora no feedback e 263 pelas características do cargo. A segunda consequência é um velho conhecido do RH: o alto turnover desse pessoal, que, desmotivado com suas funções, acaba saindo do emprego.


Para as pessoas com deficiência que participaram da pesquisa, essa distorção no mercado de trabalho acontece por falta de informação e de conhecimento da própria área de recursos humanos. “Impressionou o fato de 94,4% dos respondentes afirmarem que os profissionais de RH, bem como os gestores, necessitam se informar e se conscientizar sobre o tema da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho”, diz Harber.

Diferentemente do que muitos profissionais de RH pensam, o que mais atrai as pessoas com deficiência em uma proposta não é apenas ter um emprego ou o salário que irão receber, mas sim o plano de carreira atrelado ao pacote de benefícios. Sem falar no respeito.

Muitos profissionais com deficiência reclamam do pouco envolvimento com seus gestores, da pouca delegação de tarefas e responsabilidades, da falta de acompanhamento e da impossibilidade de crescimento e desenvolvimento na empresa. Algo como o relatado pelo administrador de empresas Sandro Luís da Silva, que era preterido nas reuniões.

“São questões não relacionadas às suas deficiências, mas que eles acreditam acontecer em razão de possuírem deficiência”, declara Harber. Uma realidade tãocontraditória quanto a existência da própria lei.

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São Paulo - Não há dúvida de que a Lei de Cotas para Deficientes , que institui para todas as empresas com mais de 100 empregados a obrigação de preencher uma parcela de seus cargos com portadores de deficiência, vem contribuindo para a inclusão desses profissionais no mercado de trabalho. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2007 e 2009 houve 960 000 contratações formais de pessoas com deficiência. A polêmica sobre o tema, porém, está longe de acabar.

Na visão corporativa, falta gente qualificada para assumir posições nas empresas. Na visão dos profissionais com deficiência, falta preparo das companhias para contratar essas pessoas. Para eles, na tentativa de se livrar das multas pelo não cumprimento da lei, as organizações tentam encaixar pessoas com deficiência nos cargos que sobram, independentemente da formação que elas possuem.

Essa foi a conclusão de duas pesquisas recentes com pessoas portadoras de deficiência. Uma delas, realizada pela consultoria i.Social com 800 profissionais (sendo 20,2% com nível superior completo e 7,2% com pós-graduação concluída), revelou que 46% deles acham que as oportunidades que recebem deveriam ser mais adequadas ao perfil profissional, e 19,3% consideraram essas oportunidades totalmente inadequadas à sua formação.

“A pesquisa se baseia na percepção das próprias pessoas com deficiência. E pelas respostas deu para identificar claramente o foco apenas no cumprimento de cotas”, afirma Jaques Harber, sócio-diretor da i.Social.

Outra análise, realizada pela Page Personnel, empresa de recrutamento do grupo Michael Page, reforça essa percepção. Cerca de 80% dos 243 entrevistados (a maioria com mais de dez anos de atuação no mercado formal) disseram estar insatisfeitos com sua função atual. Desses participantes, 51% possuem ensino superior; 19%, pós-graduação; e 2%, mestrado ou MBA.

Mas a qualificação não se reflete na promoção e no desafio profissional. Os dados da Page Personnel mostram que 36% dos ouvidos ainda não foram promovidos e a grande maioria ocupa cargos administrativos (58%). “A sensação é de que a grande preocupação é apenas cumprir a cota. No geral, as companhias estão habituadas a nos alocar em vagas operacionais com salários baixos”, explica o publicitário André Marra Tena, de 26 anos, portador de má-formação congênita da coluna vertebral, desempregado desde 2009.

O publicitário, que entrou pela lei de cotas na área de marketing de um banco há dois anos, não vê mudanças positivas desde a implantação do projeto. “Quando aparece um candidato portador de deficiência com nível superior e experiência, a tendência é que as empresas mantenham a política dos baixos salários ou, pior ainda, muitas delas nem pensam na função a ser executada”, completa.


Semelhante é a situação do administrador de empresas Sandro Luís da Silva, de 40 anos, também desempregado desde 2009. Seu último trabalho pela lei de cotas, em 2007, foi em uma multinacional. Silva ocupou o cargo de assistente de engenharia. Com encurtamento dos dois membros superiores, o profissional era o único portador de deficiência da companhia — e, aparentemente, reconhecido apenas pela sua deficiência, e não por sua competência. “Dificilmente era chamado para uma reunião e quase nunca tinha uma tarefa desafiadora. Era realmente uma contratação para cumprir tabela”, lamenta.

A solução encontrada por Victor Rocha, de 24 anos, formado em tecnologia da informação e portador de monoparesia do membro superior, uma má-formação adquirida durante o parto que o deixou com o braço esquerdo mais curto que o direito, foi abrir em janeiro deste ano sua própria empresa, a Stratus Tecnologia, especializada em serviços em TI.

“Tinha um sonho e, como estava desempregado, pela dificuldade de voltar ao mercado, acabei abrindo meu próprio negócio”, explica o profissional. Para Rocha, as empresas não estão preparadas e muitos portadores de deficiência acabam aproveitando e se acomodam com essa situação. “Como as companhias precisam cumprir a cota, elas contratam sem se importar com a qualificação do profissional”, finaliza.

Segundo Harber, que coordenou a pesquisa da i.Social, a principal causa da distorção entre as expectativas dos profissionais e a oferta de trabalho está na seleção. Com o foco apenas no cumprimento de cotas, as empresas compram volume — e não competência e conhecimento. Esse desalinhamento provoca duas consequências: a primeira é o desinteresse dos profissionais com deficiência pelas vagas oferecidas, dificultando o cumprimento da lei.

Segundo a pesquisa da i.Social, 322 pessoas acham as oportunidades que recebem ruins e 329 enxergam essas vagas com foco apenas na lei de cotas ( veja quadro Maiores Obstáculos).

A forma como o processo é conduzido também espanta muitos profissionais. Ainda de acordo com dados da pesquisa, 411 das 800 pessoas entrevistadas chegam a desistir da vaga antes mesmo de preenchê-la por falta de transparência no processo seletivo.  Outras 395 desistem pela demora no feedback e 263 pelas características do cargo. A segunda consequência é um velho conhecido do RH: o alto turnover desse pessoal, que, desmotivado com suas funções, acaba saindo do emprego.


Para as pessoas com deficiência que participaram da pesquisa, essa distorção no mercado de trabalho acontece por falta de informação e de conhecimento da própria área de recursos humanos. “Impressionou o fato de 94,4% dos respondentes afirmarem que os profissionais de RH, bem como os gestores, necessitam se informar e se conscientizar sobre o tema da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho”, diz Harber.

Diferentemente do que muitos profissionais de RH pensam, o que mais atrai as pessoas com deficiência em uma proposta não é apenas ter um emprego ou o salário que irão receber, mas sim o plano de carreira atrelado ao pacote de benefícios. Sem falar no respeito.

Muitos profissionais com deficiência reclamam do pouco envolvimento com seus gestores, da pouca delegação de tarefas e responsabilidades, da falta de acompanhamento e da impossibilidade de crescimento e desenvolvimento na empresa. Algo como o relatado pelo administrador de empresas Sandro Luís da Silva, que era preterido nas reuniões.

“São questões não relacionadas às suas deficiências, mas que eles acreditam acontecer em razão de possuírem deficiência”, declara Harber. Uma realidade tãocontraditória quanto a existência da própria lei.

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