Carreira

Por que menos mães estão chegando a cargos de liderança?

O adiamento ou a renúncia à maternidade está ajudando com que elas cheguem ao topo – mas qual é o preço dessa penalidade?

Apenas 18% das mulheres em cargos de liderança no Brasil têm filhos, em contraste com 35% dos homens em posições similares, aponta estudo da FGV em parceria com a consultoria Mercer (Mary Long/Getty Images)

Apenas 18% das mulheres em cargos de liderança no Brasil têm filhos, em contraste com 35% dos homens em posições similares, aponta estudo da FGV em parceria com a consultoria Mercer (Mary Long/Getty Images)

Publicado em 12 de maio de 2024 às 12h19.

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A ascensão das mulheres a cargos de liderança tem sido acompanhada por uma tendência preocupante: o adiamento ou a renúncia à maternidade. Estudos recentes conduzidos por renomadas instituições de pesquisa e consultorias têm revelado uma correlação significativa entre a progressão na carreira e a diminuição da taxa de fertilidade entre as mulheres em posições de liderança.

Um estudo realizado pela consultoria de recursos humanos Visier em 2022, com dados de mais de 400 mil funcionários em 70 empresas dos EUA, Reino Unido e Austrália, constatou que as mulheres em cargos de gerência sênior e diretoria têm, em média, 23% menos filhos do que as mulheres em cargos de nível inicial. “Essa disparidade evidencia os desafios enfrentados pelas mulheres que buscam conciliar suas aspirações profissionais com a maternidade”, afirma Joaquim Santini, pesquisador internacional especializado em mercado de trabalho.

Outro estudo publicado em 2021 pelo Journal of Applied Psychology, conduzido por Mihaela Dimitriu e equipe, analisou dados de mais de 1.500 mulheres em posições de liderança em empresas da Europa e dos Estados Unidos, afirma Santini. “Os resultados indicaram que as mulheres que almejavam cargos de alta gerência eram menos propensas a ter filhos em comparação com aquelas que não compartilhavam dessas aspirações.”

Essa realidade acontece no Brasil também. Um estudo de 2022 realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a consultoria Mercer, intitulado "Mulheres na Liderança: Desafios e Oportunidades", revelou que apenas 18% das mulheres em cargos de liderança no Brasil têm filhos, em contraste com 35% dos homens em posições similares, diz Santini. “Esses dados evidenciam a persistência da desigualdade de gênero no ambiente corporativo brasileiro e os obstáculos enfrentados pelas mulheres que desejam equilibrar suas carreiras com a maternidade.”

O papel das mulheres no mercado de trabalho e na economia

Nas últimas décadas, a sociedade tem testemunhado uma transformação significativa no papel das mulheres, particularmente no que diz respeito à sua participação na força de trabalho. “Essa mudança, que teve início em meados do século XX, provocou um impacto profundo não apenas na economia, mas também em diversos aspectos da vida familiar, incluindo as taxas de fertilidade”, afirma Santini.

Conforme as mulheres atingem níveis educacionais mais elevados e se envolvem mais ativamente no mercado de trabalho, observa-se uma tendência de adiamento da maternidade e redução no número de filhos. Nos Estados Unidos, por exemplo, dados de Livingston, G. (2019) do Pew Research Center revelam que a taxa de fertilidade total (o número médio de filhos por mulher ao longo da vida) sofreu uma queda de aproximadamente 3,5 na década de 1950 para cerca de 1,7 na década de 1970.

“Essa relação pode ser atribuída a diversos fatores, tais como a ampliação do acesso à educação e oportunidades de carreira, o aumento do custo de vida, as transformações nas normas sociais e a maior disponibilidade de métodos contraceptivos eficazes”, afirma o pesquisador internacional.

Essa queda da taxa de fertilidade acontece no Brasil também. Ter um filho hoje é uma opção para muitas mulheres e não mais uma obrigação, afirma Daniela Barros, psicóloga obstétrica. “Vivemos em um momento social onde mulheres apresentam maior impacto no mercado de trabalho, por isso ter um filho hoje é considerada uma opção e não obrigação de gênero como no passado de maneira cultural e religiosa”, diz.

De acordo com estatísticas do IBGE, em uma década (2005 / 2015) houve um aumento de 15% para 20% de casais sem filhos por escolha, afirma Barros. “Muitas mulheres associam o gerar um filho com ausência ou perca do que construiu em sua carreira e futuro profissional. Isso se dá ainda pelo fato de a mulher que é mãe representar em torno de 83,6% como a primeira responsável pelos cuidados da criança”.

A revolução na participação feminina no mercado de trabalho e seu impacto sobre a fertilidade acarretam implicações significativas para a economia e a sociedade. “O declínio da fertilidade pode conduzir ao envelhecimento populacional, afetando os sistemas de saúde, a previdência social e o crescimento econômico”, afirma Santini.

Para enfrentar esses desafios, Santini reforça que há três áreas que podem ajudar a mulher a conciliar suas identidades profissionais e maternas:

  • Família: A exploração do inconsciente e das experiências da infância podem auxiliar na compreensão de como as primeiras relações familiares e os papéis de gênero internalizados têm o potencial de moldar as aspirações e escolhas das mulheres ao longo da vida.
  • Governo: têm a possibilidade de desenvolver políticas inovadoras visando incentivar a participação na força de trabalho, especialmente entre mulheres e trabalhadores mais velhos.
  • Empresas: por sua vez, podem desempenhar um papel fundamental na criação de ambientes de trabalho mais inclusivos e favoráveis à família.

A penalidade salarial ainda existe

A revista britânica The Economist publicou uma matéria em 2019 que trouxe como título “How big is the wage penalty for mothers?” (Qual é o tamanho da penalidade salarial para as mães?) trazendo comparações sobre medidas adotadas em países europeus. Na Alemanha, por exemplo, a publicação mostra que as mães podem ser chamadas de suas maneiras:

  • Rabenmütter (“mães corvos”): mulheres que trabalham tanto fora de casa que mal têm tempo para os filhos.
  • Gluckenmutter (“mãe galinha”): mulheres que adoram seus filhos como uma galinha adora seus ovos.

Em nenhum dos casos é um elogio para a mulher que se torna mãe, além disso, a publicação de 2019 mostra uma realidade que ainda é comum hoje: a penalidade salarial. Muitas mulheres passam a ganhar menos ou param de trabalhar por cuidar de seus filhos pequenos.

Apesar de algumas iniciativas para promover a igualdade de gênero, no Brasil muitas empresas ainda não implementam políticas eficazes que permitam a conciliação entre vida pessoal e profissional, essencial para o avanço feminino, afirma a coach executiva, Milena Brentan.

“Um dos desafios é a equiparação salarial. Muitas mulheres optam por parar de trabalhar pois a contratação de um suporte de cuidado para os filhos pode ser mais cara do que o próprio salário e aí a conta não fecha”.

No Brasil, a coach reforça que o Projeto de Lei da Igualdade Salarial de Gênero, implementada em 2021, pode ser um grande passo para sanar este gap. “A legislação que é recente no Brasil, mas já é uma realidade em outros lugares no mundo como Alemanha, Inglaterra e na Califórnia, obriga as empresas a revelarem suas estruturas de pagamento para evitar disparidades de gênero”, afirma Brentan que reforça que é uma medida que vai demorar mais algum tempo para se estabilizar e trazer todo o potencial que propõe.

Como as mães podem chegar à liderança?

O empresário americano Ben Horowitz destaca em seu livro “O Lado Difícil das Coisas Difíceis”, que é essencial que as empresas compreendam a importância de criar um ambiente onde as pessoas possam equilibrar suas vidas pessoais e profissionais.

“Afinal, a pessoa é única, não dá para diferenciar essas duas esferas, porque elas coexistem. Isso significa oferecer políticas e práticas que permitam uma verdadeira conciliação entre trabalho e família. É algo benéfico tanto para o profissional quanto para a empresa que consegue reter bons talentos adotando medidas como essa”, afirma Luciana Carvalho, CEO da Chiefs.Group, plataforma de RH que conecta empresas a executivos seniores para trabalhar sob demanda.

Pesquisas também têm destacado a necessidade de flexibilizar políticas internas nas empresas para minimizar o desafio das mulheres com a fertilidade no mercado de trabalho. Um estudo conduzido por Hudde, A. em 2019, publicado no European Journal of Population, constatou que, em alguns países europeus, políticas favoráveis à família, como licença parental remunerada e acesso a creches, podem ajudar as mulheres a conciliar trabalhar com a maternidade. Um artigo de 2021 de Arpino, B., Esping-Andersen, G. e Pessin, L., veiculado no Population and Development Review, sugere que, embora a participação das mulheres na força de trabalho tenha inicialmente contribuído para o declínio da fertilidade em países desenvolvidos, essa relação se tornou menos evidente nas últimas décadas, à medida que normas de gênero mais igualitárias ganharam prevalência.

“Uma medida importante que as empresas podem adotar é a ampliação da licença paternidade. Estudos têm demonstrado que a participação ativa dos pais nos cuidados com os filhos desde o início da vida da criança contribui para uma divisão mais igualitária das responsabilidades familiares”, afirma Santini.

Um dos estudos que Santini aponta foi publicado em 2019 na revista Plos One, conduzido por pesquisadores da Universidade de Estocolmo, que revelou que países com políticas de licença paternidade mais generosas apresentam uma distribuição mais equitativa do trabalho doméstico e dos cuidados com os filhos entre homens e mulheres.

“No Brasil, a partir de 2016, a licença paternidade foi ampliada de 5 para 20 dias para empresas que fazem parte do Programa Empresa Cidadã. No entanto, ainda há espaço para avanços nessa área”, afirma o pesquisador.

Um estudo de 2021 realizado pela consultoria Mercer em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) constatou que apenas 23% das empresas brasileiras oferecem licença paternidade superior ao mínimo legal de 5 dias.

Além da ampliação da licença paternidade, o pesquisador Santini e a psicóloga Barros elencaram medidas que as empresas podem adotar para promover a equidade de gênero:

  • Políticas de trabalho flexível: Oferecer opções de horários flexíveis, trabalho remoto e jornada reduzida pode ajudar tanto mulheres quanto homens a equilibrar suas responsabilidades profissionais e familiares;
  • Programas de mentoria e desenvolvimento de liderança: Iniciativas que visam apoiar e promover o avanço das mulheres na carreira, fornecendo orientação, treinamento e oportunidades de networking;
  • Equidade salarial: Garantir que homens e mulheres recebam remuneração igual para trabalhos de igual valor, eliminando a disparidade salarial de gênero;
  • Creches e benefícios para cuidados infantis: Oferecer serviços de creche no local de trabalho ou subsídios para ajudar os funcionários a arcar com os custos dos cuidados infantis pode aliviar a carga das responsabilidades familiares;
  • Combate ao assédio e à discriminação: Implementar políticas robustas de combate ao assédio sexual e à discriminação de gênero, criando um ambiente de trabalho seguro e inclusivo para todos;
  • Convênio médico: contemplando filhos imediatamente pós nascimento;
  • Política padrão de home office para gestantes até um certo período pós-parto;
  • Sala de amamentação: Local específico para que as recém mães que amamentam possam tirar leite;
  • Psicóloga obstétrica: direcionada a atendimentos dessas mães durante o período gestacional até os 3 meses do puerpério.

“Ao adotar políticas e práticas que apoiem a conciliação entre maternidade e carreira, combata estereótipos e valorize a diversidade, as empresas podem criar um ambiente mais igualitário, onde todas as pessoas tenham oportunidades de crescimento e sucesso, independentemente de seu gênero ou situação familiar”, afirma Santini.

O burnout parental

A maternidade é considerada um dos três principais períodos de maior vulnerabilidade emocional da vida de uma mulher, afirma Barros.

“Por isso se faz tão necessário uma rede de apoio emocional, tanto da família quanto da empresa, para que ela possa se sentir à vontade para ser o que ela precisa ser nesse momento, evitando assim que ocorram diagnósticos como depressão gestacional e pós-parto, psicose puerperal com risco de morte tanto para a mãe quanto para o bebê, exaustão materna e transtorno de ansiedade, pânico e até burnout.”

O termo burnout ficou globalmente conhecido, principalmente após a pandemia, mas sempre está relacionado ao trabalho, mas mães e pais também podem desenvolver o “burnout parental”, sendo mais comuns em mulheres por causa da cultura do cuidado e do tempo de licença. Uma pesquisa da b2Mamy e Kiddle Pass mostrou que nos EUA, 68% das mães que trabalham fora de casa sofrem da doença.

“O burnout parental é o esgotamento que vem com demandas da parentalidade, que são físicas (como falta de sono e jornadas triplas) e desgaste emocional resultado das preocupações constantes (como sobre ser presente, entender as necessidades do bebê, e a ansiedade sobre a saúde e bem-estar da criança).  Já o burnout tradicional é geralmente ligado ao ambiente de trabalho, aquela sensação de esgotamento que vem do estresse crônico e da pressão constante para ser produtivo, que pode ser potencializado em ambientes tóxicos”, afirma Brentan.

Se uma mulher somar o burnout do trabalho somado ao burnout parental são desafiadores o suficiente para muitas mulheres adiarem a carreira ou até mesmo a maternidade, afirma Brentan.

“Isso pode explicar a queda de dois indicadores importantes que o mundo acompanha de perto. Enquanto as taxas de natalidade diminuem, prevendo uma inversão da pirâmide produtiva no Brasil nas próximas décadas, as mães em cargos de liderança sênior também diminuem, apesar de todos os esforços de políticas de equiparação e promoção de gênero nas organizações”.

Considerando esse olhar não apenas para o agora, mas para o futuro, que a psicóloga Barros traz o alerta de que a saúde mental materna importa.

“Cuidando dessa mãe estamos cuidando do bebê ou seja do nosso amanhã. Falar de maternidade ou sobre a escolha da não maternidade, é cuidar da saúde mental de milhares de mulheres que muitas vezes se sentem invisibilizadas, julgadas ou engolidas pela romantização do tema.”

O momento ideal para ser mãe sem prejudicar a carreira

As mulheres costumam estudar mais do que os homens no Brasil, mas ainda assim ganham menos do que os homens, segundo o último estudo do IBGE “Estatística de Gênero – Indicadores Sociais das mulheres no Brasil”, divulgado em março deste ano.

Além de estudar mais e ganhar menos, as mulheres líderes têm como desafio a dupla jornada em casa e a resiliência para alcançar o topo nas empresas. Segundo o estudo Global Female Leaders Outlook 2023, feito pela KPMG, 38% das mulheres disseram ser as principais responsáveis pelas tarefas domésticas (35% no Brasil), e 80% global e 85% no Brasil mudaram de empresa pelo menos uma vez para conseguirem melhores oportunidades em suas carreiras.

Depois de tantos avanços na carreira, vale a pena colocar em risco o progresso profissional pela maternidade? Qual seria o momento ideal de ser mãe sem arriscar o emprego?

Muitas mulheres mesmo com o suporte profissional, ainda se sentem inseguras com a decisão e sempre acham que precisam de mais estabilidade e mais suporte, mas Brentan reforça uma dica para mulher conseguir focar na sua carreira ao mesmo tempo que é mãe.

“É importante a pessoa que deseja ser mãe escolher bem o seu parceiro, alguém que vai apoiar e participar da criação da criança. Isso pode fazer muita diferença para o sucesso profissional das mulheres, principalmente na liderança.”

Para Carvalho, o momento ideal para ser mãe varia de mulher para mulher, afinal, algumas mulheres optam por começar suas famílias cedo, enquanto ainda estão no início de suas carreiras, aproveitando a energia e a flexibilidade. Outras preferem adiar a maternidade até se estabelecerem profissionalmente, o que pode trazer mais estabilidade financeira e uma posição mais consolidada no mercado de trabalho.

“É importante destacar que a decisão de se tornar mãe não pode mais ser vista como uma escolha que inevitavelmente prejudicará a carreira”, diz a executiva. “Precisamos quebrar esse discurso de que a maternidade é um obstáculo para o avanço das mulheres. Por esse motivo as empresas precisam reconhecer e valorizar as habilidades e experiências que as mães trazem para o local de trabalho.”

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