Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.
Aníbal, 38 anos, é diretor de marketing de uma grande empresa de varejo. Seu dinamismo é alvo de intensa admiração por parte dos colegas e dos chefes, o que o tem ajudado um bocado na carreira. Aníbal parece ser capaz de jornadas que esgotariam qualquer pessoa. Quando outras pessoas de sua equipe dão sinais de esgotamento diante de alguma tarefa mais complexa, ele dá a impressão de estar zero-quilômetro.
Existe apenas um problema: a explicação do dinamismo de Aníbal reside na cocaína.
Aníbal consome cocaína há um bom tempo. Ele sempre considerou que poderia manter a droga sob controle. Mas ultimamente as coisas não estão tão fáceis assim. Durante o expediente, Aníbal tem saído com freqüência cada vez maior de sua sala em direção ao banheiro. Outras manifestações exteriores típicas dos viciados vão aparecendo: ansiedade excessiva, certos tiques. Os colegas já começam a reparar. E a comentar.
Aníbal sente vontade, às vezes, de buscar ajuda. Ele pensa em abrir o jogo com seu chefe, o presidente, mas teme que isso vá atrapalhar dramaticamente sua carreira na empresa. E talvez fora dela.
O que Aníbal deve fazer?
Para ser mais dinâmico, usar drogas não é o caminho - nem dentro nem fora da empresa. O estímulo que a cocaína gera nas pessoas é de curto prazo. Se todo o alto desempenho que Aníbal vem apresentando na vida profissional é oriundo de drogas, a médio e a longo prazos, certamente, vai desaparecer. Há um outro problema. A cocaína é proibida e o acesso a ela nem sempre é fácil. Pois bem, e se algum dia Aníbal não conseguir obter a droga para seu consumo, como vai conseguir trabalhar?
Não há dúvidas de que Aníbal deve buscar ajuda e de que o momento certo para fazer isso é agora. Seus colegas já estão percebendo, comentando. Se Aníbal não comunicar esse triste fato ao presidente da empresa, ele acabará sabendo pela boca de outros. Aí, sim, será péssimo para a carreira de Aníbal. Além do mais, o dilema de buscar ajuda, neste caso, é um equívoco. Num contexto desses, o profissional precisa ter a certeza de que receberá apoio.
Se Aníbal ficar quieto em relação à sua situação de uso de cocaína, as conseqüências podem não parar nele mesmo. Seu silêncio poderá se transformar, para seus colegas, numa espécie de incentivo ao uso da droga para conseguir um alto desempenho no trabalho. A dúvida de Aníbal de considerar que ao abrir o jogo e pedir apoio estará arriscando dramaticamente sua carreira é um erro grave. Qualquer observador mais atento é capaz de notar que, a essa altura, a carreira de Aníbal já está comprometida. Quanto mais tempo ele demorar para pedir ajuda, seja para os colegas, seja para o chefe, mais longe do sucesso ele ficará.
Aníbal só tem um caminho a seguir: buscar auxílio. Se ele é um profissional competente e leal à empresa, obviamente vai receber o devido apoio. Tenho certeza de que só um pedido de socorro poderá salvar sua carreira. Aliás, não apenas a carreira mas também sua saúde - essa sim, mais preciosa do que qualquer condição de trabalho, remuneração, importância de cargo ou status social
Sérgio Amad Costa é professor do curso de recursos humanos do PEC da FGV-SP e sócio-diretor da Trevisan Consultores.
Antes de tomar qualquer iniciativa, é de extrema importância que Aníbal tenha vontade de tentar uma recuperação. Ele precisa se conscientizar de que realmente necessita de ajuda. Por se tratar de um problema pessoal, Aníbal deveria, primeiramente, buscar o apoio de seus familiares e amigos íntimos. Depois, mais consciente e fortalecido, pode abordar o assunto com seu superior imediato, ou seja, com aquele que sempre avalia a sua performance.
Aníbal deve explicar sua situação a seu superior sempre demonstrando interesse pelo auxílio. Esse problema deve ser administrado com extrema confidencialidade pela empresa. Só os profissionais de recursos humanos, qualificados para conduzir uma questão como essa, deverão ter permissão para se envolver com o caso. Esses profissionais devem encarar o vício das drogas e tratá-lo com a mesma naturalidade e profissionalismo com que encaram qualquer outra doença de um funcionário. Sem nenhum tipo de preconceito ou discriminação.
A empresa deve auxiliar Aníbal porque o compromisso que tem com seus colaboradores é também um compromisso social. Ela deve encaminhá-lo a uma clínica especializada, acompanhar sua evolução e recuperação e fornecer-lhe o devido suporte psicológico. Mas é bom que fique claro a Aníbal que a empresa só o socorrerá se ele mantiver seu empenho em se auto-ajudar. Terminada a fase de tratamento, Aníbal deve reassumir seu cargo. Por um período, estará sendo observado de perto. Isso ele não pode esquecer, pois, daí em diante, a condição da empresa para ajudá-lo vai sempre se basear na não reincidência do fato. Uma vez reabilitado, Aníbal poderá voltar às atividades normais.
Cristina Aiach, gerente de recursos humanos do banco Merrill Lynch, é formada em administração de empresas, com especialização em RH na FGV-SP e nos Estados Unidos
Abrir ou não o jogo com o chefe vai depender do grau de intimidade que Aníbal tem com o chefe. Se forem colegas de longa data, já dividiram problemas e dificuldades. Se houver, enfim, uma relação de parceria e amizade entre eles, Aníbal pode abrir seu coração. Seu chefe certamente continuará sendo seu parceiro e isso provavelmente melhorará suas condições de se recuperar. Mas se entre eles houver apenas uma relação de trabalho, formal e sem intimidade, Aníbal nada deve dizer sobre seu vício ao chefe. Os preconceitos existentes em relação a problemas como o de Aníbal são muito fortes. E se vazarem para um público maior podem efetivamente prejudicar sua carreira.
Do ponto de vista prático, aconselho Aníbal a se afastar do trabalho por uns 15 dias para se desintoxicar - sob a supervisão, é claro, de um psiquiatra ou especialista em desintoxicação. Após esse período, Aníbal pode retornar ao trabalho, mas deve prosseguir o tratamento para não mais voltar ao vício. Já do ponto de vista psicológico, Aníbal terá que abrir mão da vaidade. Terá que desistir da idéia de impressionar os pares e o chefe com um dinamismo artificial. Deverá fazer um grande esforço para encarar e aceitar os problemas com mais humildade. Essa é a única saída para Aníbal. Com o tempo, ele acabará descobrindo que existe vida produtiva, agradável e positiva além da imagem que faz questão, consciente ou inconscientemente, de transmitir para seus colegas.
Isaac Efrain é médico psiquiatra e consultor de empresas na área comportamental
A dependência da cocaína, infe-lizmente, é uma situação cada vez mais comum. Só há um jeito de sair dela: procurar auxílio o mais rápido possível.
É bem provável que Aníbal já esteja sabendo disso melhor que ninguém. Ele deve estar sentindo que o uso da cocaína deixou de ser um prazer e passou a ser obrigação. A notícia boa é que ele pode se curar - contanto que fique longe da cocaína e de qualquer outra droga. Como costumo ser radical nessas situações, pediria que Aníbal não consumisse nem álcool.
Igualmente importante é averiguar se Aníbal não apresenta também um quadro de depressão e ansiedade. Muitas vezes o uso da droga está associado à sensação de alívio que seu efeito anestésico proporciona por alguns momentos. Há pessoas que acabam se envolvendo com drogas para fugir dos sentimentos causados pela depressão. Em casos assim, é fundamental que esses problemas sejam tratados antes.
Duas coisas favorecem o sucesso do tratamento de Aníbal. A primeira é o fato de ele (ainda) estar empregado. A segunda, e principal, são os amigos e a família que ele deve ter (e certamente estão torcendo para que se livre dessa dependência). Família e amigos, em geral, sempre são a maior motivação para alguém deixar as drogas.
Aníbal tem grandes chances de se recuperar. Terá que ser forte e paciente, sem dúvida. Mas, uma vez recuperado, estará apto para retomar a carreira na própria empresa em que trabalha. E nada irá impedir, até, que venha a ser o próximo presidente.
Arthur Guerra de Andrade é médico psiquiatra e coordenador do grupo de estudos de álcool e drogas do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP
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