“O Brasil precisa falar mais sobre longevidade”, diz CEO da Brasilprev
Angela Assis, primeira presidente mulher da Brasilprev, comenta os desafios como mulher no setor financeiro, as expectativas com o mercado de seguro e previdência no Brasil e 6 lições de carreira
Repórter
Publicado em 9 de março de 2024 às 10h00.
Nascida em Uberada, Minas Gerais, Angela Assis não imaginava que no futuro seria a primeira mulher a ocupar a presidência da Brasilprev, empresa do ramo financeiro que oferece opções de previdência no Brasil, associado ao Banco do Brasil e ao Principal Financial Group.
Angela chegou para ficar em Brasília com 4 anos, e é de lá que guarda as melhores memórias da vida: infância, família e trabalho.
Desde muito jovem ela tinha em mente construir uma carreira. "Meu pai era de uma origem humilde, e além de carteiro tinha vários empregos para nos sustentar. E minha mãe sempre teve um pensamento independente, sempre estimulou as 3 filhas a trabalhar”, diz Angela, que era a mais nova.
Como foi educada a trabalhar e ser independente, na escola Angela sempre estava entre as melhores alunas e sempre tinha na cabeça em ser bem sucedida na vida profissional."Não sonhava tanto em ter uma família e 3 filhos, sonhava em ter uma carreira legal.”
O foco de Angela foi em sua profissão. Foi casada por 9 anos e se divorciou. Não teve filhos. Se formou em Relações Internacionais na Universidade de Brasília, e se especializou na Unisinos em Liderança Estratégia, e em Administração pela FGV. Nunca sonhou em ser diplomata, ela só queria trabalhar na área internacional de empresas e viver viajando. Após muita insistência na mãe, Angela prestou concurso público para o Banco do Brasil. Passou. Hoje já soma 31 anos de carreira bancária, passando por várias áreas como agência de varejo, de grandes empresas, superintendência e geração geral.
“Gosto muito de atuar como gestora, porque lido com pessoas e gosto de alcançar os objetivos em equipe. Não era um mundo que eu tinha vontade, mas hoje sou muito feliz trabalhando com neste setor, porque vejo que traz benefícios para a sociedade.”
Em 2017, Angela recebeu o desafio de ir morar em São Paulo e assumir como diretora comercial e marketing da Brasilprev. “Para mim foi difícil, porque a minha a minha carreira toda eu fiz em Brasília, eu já tinha me divorciado, minha família fica em Brasília, sou muito apegada com eles, mesmo assim aceitei o desafio.”
Em novembro de 2020, em plena pandemia, o convite para ser CEO da Brasilprev chegou. “Foi marcante, porque fui a primeira mulher a assumir uma coligada do Banco do Brasil e a primeira mulher do Brasilprev, empresa que completou 30 anos no ano passado.”
A repercussão foi tão grande que Angela começou a entender o peso de ser uma mulher em um cargo de liderança. “Eu sabia que poderia ser uma referência, e ficou ainda maior a necessidade de fazer tudo certo, de falar bem e de tomar decisões importantes, tudo isso no auge da pandemia”, diz.
Mulheres ocupam apenas 35% em conselhos dos 50 maiores bancos comerciais do mundo, segundo dados do Think Tank Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF).
Em cargos de liderança, esse índice é ainda menor (19%), com somente 16% das CEOs sendo mulheres. Angela Assis é uma delas.
Com exclusividade à EXAME, ela contou sobre os desafios de ser uma mulher líder no setor financeiro, as expectativas com o mercado de seguro e previdência e compartilhou 6 lições de mais de 30 anos de carreira.
Você teve medo de aceitar ser CEO em pleno a pandemia?
O meu cargo de CEO chegou em novembro de 2020. O fato de conhecer a empresa ajudou muito, mas foram períodos muitos difíceis para todas as empresas, ainda mais para a nossa, em que com as mortes tinham muitos pedidos de sinistros e de resgates para serem usados por causa do desemprego.
Sem dúvida, os anos de 2020 e 2021 foram os anos mais difíceis, em que foi preciso muita resiliência e eficiência para poder sobreviver neste período.
Voltamos ao regime presencial apenas em outubro de 2021, até então, ficamos mais de um ano 100% em home office. Hoje com híbrido, 2 dias de home para o time de funcionários, e 1 dia de home para os diretores, voltamos a nossa rotina.
O que significa ser uma das poucas CEOs no Brasil?
Primeiro é uma alegria muito grande. É como coroar tudo o que eu batalhei a vida inteira. É o resultado de muito trabalho, e acredite, eu trabalhei muito.
Segundo é uma responsabilidade muito grande, porque na verdade você acaba sendo uma referência para outras mulheres, além de buscar meios para trazer outras mulheres.
Em resumo, é um prazer muito grande, eu gosto muito dessa função de estar à frente de uma empresa tão relevante para a sociedade.
Teve desafios na área de finanças por ser mulher?
Estando em um ambiente majoritariamente masculino, eu tive muitos desafios sim.
Estou na FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida). Lá, por exemplo, são 22 diretores estatutários e vice-presidentes, e eu sou a única mulher.
Eu sou uma pessoa muito assertiva, não gosto muito de mimimi, costumo ser muito direta. E isso vindo de uma mulher eu notei que isso incomodou bastante. Eu tenho fama de ser brava e eu brinco que se fosse um homem, com as minhas características, ele não teria a fama de ser bravo. Falariam que ele é assertivo, objetivo, mas a mulher eles associam a ser brava. Talvez pelos homens não estarem acostumados com uma posição tão firme vinda de uma mulher em cargo de liderança.
Eu posso te dizer que trabalhei muito, normalmente mais do que meus pares homens. Tive que trazer muito resultado e sempre me posicionei em relação aos temas - com conhecimento de causa, claro.
Eu nunca tive em minha carreira uma chefe mulher, só tive chefes homens, isso diz muita coisa também, mas sempre ressalto também que tive três chefes que me ajudaram muito na minha carreira.
Quais são os programas que buscam a paridade de gênero na Brasilprev?
Em maio de 2022 lançamos os compromissos ESG. Em relação à diversidade, equidade e inclusão, lançamos objetivos práticos como: até 2026 temos a meta de ter 30% do nosso quadro com profissionais pretos e pardos, hoje temos 25%.
Até 2026 queremos que 45% de nossos líderes sejam mulheres, hoje temos 40%.
Considerando que 46% do nosso time é mulher, isso mostra que está bem equilibrado e que a meta não está tão distante.
Fizemos um piloto de programa de mentoria no ano passado. Era para homens e mulheres, mas priorizamos 60% das vagas para as mulheres.
E agora estamos estruturando um programa de menor aprendiz onde vamos selecionar majoritariamente meninas de baixa renda, pretas e pardas. Queremos empoderar mulheres desde o início de carreira, em que de fato você começa a sua vida profissional.
Durante a pandemia, você disse que teve que fazer do limão uma limonada. Qual foi a estratégia usada para sair de um momento tão difícil?
Segundo os dados da FebaPrevi, nos anos de 20, 21 e 22 tivemos pedidos de resgates muito acelerados. Naquele momento não tinha muito o que fazer, porque muitas pessoas resgatavam para ajudar os familiares e amigos.
Foi nesta hora que tivemos que fazer do limão uma limonada. Como fazer as pessoas verem, e elas viram da pior forma, a importância de se preparar para o futuro?
Foram quase 700 mil mortos no Brasil com a pandemia. Quantos desses pensaram em fazer uma previdência e deixar algo para a família?
Apesar de parecer um contrassenso, nesses períodos em que tivemos um maior número de resgate, tivemos também muitos entrantes nos planos de previdência. Foi desafiador, e para dar certo foi necessário ajustar metas por causa do cenário.
Além de acelerarmos muito a consultoria de previdência, outro ponto foi a aposta nas jornadas digitais para o cliente, por meio de assessorias online. Como as pessoas estavam em casa, tivemos uma boa audiência com as lives.
Não olhamos se os planos tinham carência - se o cliente tinha Covid, abríamos mãos de tudo que os contratos protegiam para pagar.
Tivemos um cuidado grande com a sociedade e obviamente que isso se reflete depois com os familiares e clientes que precisaram dessa ajuda. E assim, conseguimos ter resultados muito positivo, apesar do cenário desafiador, claro que não era o resultado que a gente projetada, mas foi positivo no momento.
Quem investe mais, homem ou mulher?
Temos 2.600 milhões de clientes, sendo 50% homens e 50% mulheres. Antes eram mais homens que investiam do que mulheres. As mulheres têm mais esse olhar de pensar no futuro e na família. Observamos assim um crescimento de mulheres fazendo planos de previdência nos últimos ano.
Ao falar em família, em uma enquete interna, percebemos que o que mais preocupa a família hoje é a educação dos seus filhos. Por isso lançamos um produto em que se a família faltar a Brasilprev arca com o dinheiro investido até os 21 anos dos estudos daquele filho.
Essa tendência de proteção veio muito com a pandemia e tem sido um sucesso. Em dois anos já comercializamos mais de 200 mil planos.
Essa preocupação com os estudos dos filhos é uma cultura vista nos EUA, alguns países da Europa e Japão, que são países mais maduros no ponto de vista de gestão financeira. O Brasil, enquanto isso, tem um caminho grande para percorrer em educação financeira.
Como se preparar em uma país que está ficando velho?
O Brasil precisa falar mais sobre longevidade e pensar no futuro. Estamos vendo a expectativa de vida aumentar a cada ano e segundo estimativas, a partir de 2030 a única população que vai crescer no Brasil é a de 50+, enquanto vemos uma geração que não estar querendo mais ter emprego de carteira assinada. Precisamos nos preparar para o futuro.
Um número interessante são te clientes centenários. Hoje são mais de 800 clientes com mais de 100 anos - sendo 71% mulheres. E isso está acontecendo porque o Brasil está ficando mais velho.
Eu me assustei quando eu vi o dado, não esperava, mas confesso que para o negócio é ótimo, porque são clientes que estão há muitos anos conosco e que vão deixar reserva para os seus sucessores.
No ano passado o governo sancionou umalei que permite o uso de planos de previdência como garantia para ter empréstimos. Isso é bom para o negócio da Brasilprev?
Já saiu o normativo, mas ainda estamos preparando os nossos sistemas, estamos fazendo piloto e terminando os ajustes sistêmicos.
Acredito bastante no potencial desta medida, porque temos clientes que não querem abrir mão da aposentadoria futura, e assim você poderá alinhar financiamentos com tudo o que você tem garantia e ter uma taxa de juros menor. Além disso continua com o plano de previdência que, a longo prazo, pode chegar a 10% de imposto de renda.
E sobre o fim dos fundos exclusivos de previdência para super-ricos, o que esperar?
A previdência tem o foco muito na aposentadoria. Nunca foi interesse da indústria esse valor de fundos exclusivos, o interesse da indústria é que venha dinheiro de 20 e 30 anos.
Essa medida não atingiu a gente, não esperamos esse dinheiro migrando para fundos de previdência. Quem tem esses fundos estão pensando qual é o melhor lugar para investir, uma vez que você não tem os benefícios de antes.
Quais são as expectativas para este e próximos anos?
A Brasilprev superou a marca de R$ 400 bilhões em ativos sob gestão no começo deste ano. Viemos de um ano positivo e neste ano as expectativas são boas. O bom desempenho atrelo à taxa de juros caindo e nível de emprego melhorando, afinal são indicadores importantes para qualquer área que busca investimento de pequeno, médio e longo prazo. Quando esses indicares vão bem, isso ajuda a pensar na poupança, a pensar em previdência.
Temos compromissos socioambientais e estamos caminhando muito bem neste sentido, com governança, diversidade e investimento socioambiental. Somos uma indústria de serviço e mesmo assim já compensamos 800 toneladas por meio de um projeto em Minas Gerais para um projeto de energia limpa renovável.
Além disso, estamos crescendo sistematicamente o nosso NPS, dado que não divulgamos.
Quais dicas você dá para quem sonha em construir uma carreira de sucesso?
Demorei um pouco mas aprendi essas lições durante a jornada:
- Você deve e pode falar o que pensa, só precisa escolher a hora certa: Eu sempre falei independente da hora e isso me causou alguns problemas.
- Tenha embasamento: se prepare para o que vai falar.
- Tenha convicção do que você quer: nenhuma mulher é obrigada a ser executiva, você é livre para ser o que quiser, mas tenha convicção dos bônus e ônus. Sem dúvida eu ser presente na Brasilprev tem bônus, mas também tem alguns ônus. Eu, por exemplo, foco muito no trabalho e na família. Estou evoluindo hoje quando o assunto é o cuidado com a saúde. Quando a gente alcança cargos altos, nos dedicamos tanto que esquecemos da gente.
- Crie networking: Uma vez definido que você quer ter sucesso em sua carreira, é importante ser conhecido, não tenha vergonha de falar sobre as suas conquistas. Não tenha aquela síndrome da impostora. Entenda as suas fortalezas e não deixe de reconhecer o que você faz bem.
- Trabalhe com pessoas diferentes de você: No início da carreira aprendi também que queria pessoas iguais a mim, como pessoas rápidas e assertivas. E o igual a você não necessariamente vai te levar ao sucesso. A competência de um gestor está em extrair das pessoas o que elas têm de melhor, dentro das competências que elas têm. Tive uma experiência no início de carreira de não querer uma pessoa na minha equipe, porque eu o achava muito lento. Ele acabou sendo enviado para outra área e lá ele se destacou. Naquele momento vi que a incompetência foi minha. Eu nem quis entender como ele poderia ajudar. Ou seja, trabalhe com pessoas diferentes, mas todas com senso de equipe, porque o individualismo em excesso não constrói nada.
- Fale o que você deseja alcançar: Deixe as pessoas saberem do seu desejo. Se você quer realmente algo, fale que você quer para a pessoa que pode te ajudar. Seu chefe sabe se você quer ser promovido? Você precisa ter responsabilidade sobre a sua carreira.