Carreira

Mulher não pede

Pesquisas da economista americana concluem que as mulheres têm muito menos propensão a iniciar negociações que os homens. E, quando decidem negociar, fixam alvos em média 15% mais modestos, obtendo resultados 25% piores

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h33.

Negociação tem sido um tópico bastante pesquisado nos últimos anos, e um dos consensos entre os estudiosos é que não há diferença significativa nos resultados entre homens e mulheres. Mas essas pesquisas são normalmente feitas em laboratório, em que as pessoas são instruídas a conduzir uma negociação, muitas vezes com um valor determinado como objetivo. A economista americana Linda Babcock decidiu introduzir uma nova variável: a propensão de iniciar uma negociação. O que seus estudos revelaram, em seis pesquisas com centenas de pessoas, foi que as mulheres têm uma tendência de iniciar negociações de duas a nove vezes menor que os homens. E, quando partem para a negociação, costumam pedir menos que eles. Em conjunto com a escritora Sara Laschever, Linda escreveu o livro Women Dont Ask: Negotiation and the Gender Divide ("Mulheres não pedem: negociação e divisão de gênero"), que será publicado em outubro pela Princeton University Press. O que a alertou para o tema foram as reclamações de suas próprias alunas de que os rapazes obtinham mais regalias, quando ela era diretora do curso de pós-graduação da Escola Heinz de Políticas Públicas e Administração, na Universidade Carnegie Mellon. Foi aí que ela notou que os homens simplesmente pediam mais coisas. E quem não pede não ganha.

As mulheres negociam mal?

Meu estudo não é sobre o que acontece durante a negociação. Ele dá um passo atrás e olha para o momento em que as pessoas decidem negociar. Nosso argumento é que as mulheres são menos propensas a chegar ao ponto da negociação. Elas não pedem o que querem.

Os homens pedem muito mais?

Em um estudo com alunos que se graduaram e receberam ofertas de emprego, só 7% das mulheres tentaram negociar sua primeira oferta. Dos homens, 57% negociaram. É uma taxa oito vezes maior -- 93% das mulheres simplesmente aceitaram a primeira oferta que lhes fizeram.

Quantos estudos a senhora fez?

Foram seis estudos, com métodos diferentes, alguns deles com centenas de pessoas. Em todos eles, a conclusão foi a mesma: os homens pedem mais que as mulheres, variando de duas a nove vezes mais.

Há diferenças no estilo de negociação?

Esse não foi o maior foco da nossa pesquisa, mas alguns estudos investigaram um pouco o estilo. A conclusão é que as mulheres têm um modo mais cooperativo de negociar, enquanto os homens são mais competitivos. Uma mulher vai fazer muitas perguntas e tentar obter informações do outro lado, é mais como uma conversa. É algo como trabalhar juntos para chegar a uma solução, em vez de tentar vencer o outro num jogo. Numa negociação por aumento, por exemplo, um homem poderia chegar na sala do chefe e dizer que tem uma proposta de outra empresa, por isso quer um aumento, ou vai embora. É uma discussão com base em apenas um tema, com só duas alternativas. Uma mulher, na mesma situação, tenderia a dizer: "Tenho uma oferta, há algo que nós possamos fazer para que eu fique?"

Há diferenças no resultado da negociação?

As mulheres se dão pior nas negociações porque têm metas mais baixas. Quando elas finalmente pedem, pedem menos que os homens. Fizemos estudos de laboratório com cerca de 200 estudantes de MBA. As mulheres pediram em média 15% menos, com resultados 25% menores.

Em seu livro, como a senhora ensina a reconhecer oportunidades de negociação?

É bem fácil. A maioria das mulheres simplesmente não pensa em negociação, não vê que as coisas são negociáveis, então tende a aceitar a situação como lhe é apresentada. Apenas dizemos: "Você pode pedir um projeto, pedir aumento, pedir a seu marido que ajude mais em casa, pedir ao namorado que use camisinha". Várias mulheres que entrevistamos disseram que é como acender uma lâmpada. Quando pegam a idéia, podem usar isso na vida real. A mãe de um de meus alunos, por exemplo, trabalha fora meio período. Ela vinha falando com o chefe sobre novas idéias, e o chefe a incentivou a pesquisar essa área. Mas ela sabia que, com suas outras responsabilidades na empresa, não teria tempo. O filho sugeriu que ela pedisse para ser dispensada de alguns trabalhos, e ela respondeu: "Não sei, talvez não seja boa idéia". Ele contou da minha pesquisa, falou que as mulheres não costumam obter o que querem porque não pedem. Ele insistiu tanto que ela foi lá e perguntou. Deu certo, o chefe disse "que bom que você falou" e tirou um pouco da carga dela. Se não fosse o filho, ela não teria pedido, porque não achava adequado.

A dificuldade de negociar é a razão principal da diferença de salários entre homens e mulheres?

Não sei. Pode haver discriminação, escolha de carreiras diferentes pelas mulheres... Mas me deixe dar um exemplo de quão grande é o problema. Digamos que duas pessoas de 22 anos recebam propostas de 25 000 dólares por ano, a mulher aceita e o homem negocia para 30 000. Se eles receberem aumentos idênticos durante toda a carreira, aos 60 anos ele terá recebido 586 000 dólares a mais só por causa dessa primeira negociação.

Como a senhora começou a investigar esse tema?

Em 1996, eu era diretora do programa de Ph.D. da Escola Heinz de Políticas Públicas e Administração, na Universidade Carnegie Mellon, e as estudantes começaram a vir a meu escritório reclamar que eu só dava oportunidade aos homens. Eu não tinha percebido que estava alocando as oportunidades de forma diferente, mas entendi que era só porque os homens vinham pedir um monte de coisas: dinheiro para ir a conferências, ensinar um curso, dinheiro para imprimir cartões de negócios. Eu ficava feliz em ajudar, quando podia. Como eu podia saber que elas queriam as mesmas coisas? As mulheres não pediam.

Por que as mulheres pedem menos?

Acho que é por causa do modo como as crianças -- meninos e meninas -- são tratadas pela sociedade e pelos pais. As meninas são ensinadas a pensar nas necessidades das outras pessoas, e os meninos são estimulados a pensar nas próprias necessidades. Não sei como é no Brasil, mas as mulheres aqui nos Estados Unidos, quando são assertivas, quando pedem o que querem, acabam rotuladas de agressivas. É normal achar que uma mulher não deva pensar em suas necessidades. Então, quando pedem algo, elas freqüentemente se dão mal.

Se não pedem, não ganham. Se pedem, pega mal. Tem saída?

O que descobrimos é que as mulheres não podem pedir do mesmo modo que os homens. Se fizerem isso, não obterão os mesmos resultados. Elas têm de negociar de modo mais suave. Quando um homem diz "quero um aumento ou vou embora", é normal. Mas, se uma mulher fizer isso, o chefe pode pensar "que cadela!, já vai tarde". Ela teria de usar um método diferente, algo como "gosto muito de trabalhar aqui, mas me apresentaram outra oportunidade, que é bem atraente. Será que podemos achar um modo de eu ganhar um salário maior, para que possa ficar?"

Isso dá o mesmo resultado?

Se o chefe não der o aumento, ela ainda pode dizer "então terei de ir embora". Ela não excluiu nenhuma opção, apenas pediu de forma mais branda. O modo como se pede é totalmente independente do quanto se pede.

Então a grande questão é saber o quanto pedir...

Exatamente. As metas afetam os resultados. As mulheres têm de descobrir modos de saber o que pedir. Há muitas maneiras de comparar, pelo menos em se tratando de salário. Há um monte de tabelas. As pessoas também podem perguntar aos amigos. As mulheres, quando tentam descobrir quanto as outras pessoas ganham, tipicamente perguntam a outras mulheres. Mas, se as mulheres ganham menos, as metas delas serão mais baixas. Elas têm de ter informações de homens.

E as situações em que não há tabelas para comparar?

Quando não há muita informação, é aí que as mulheres não pedem ou pedem muito baixo. Num dos meus estudos, entregamos uma tarefa a vários estudantes, prometendo um pagamento entre 3 e 10 dólares pela participação. No final, demos 3 dólares a todos. Queríamos ver quem pediria mais. Menos de 3% das mulheres reclamaram, ante 23% dos homens.

Mesmo o número de homens é pequeno.

Bastante. Acho que porque eles não se deram conta de que podiam negociar. Então fizemos o estudo novamente, e dessa vez dissemos que eles podiam barganhar. Nesse caso, 17% das mulheres pediram mais, e 59% dos homens.

As mulheres mais novas negociam mais?

Não. O que é uma surpresa. Costuma-se pensar que houve muito progresso rumo à igualdade entre os sexos, mas o ritmo de progresso diminuiu muito na última década.

Qual a diferença entre as pessoas que negociam e as que não negociam?

As que negociam costumam ter mais consciência de seus direitos, sentem que merecem coisas. Têm menos ansiedade.

Isso significa que os homens se sentem mais confortáveis no mundo do trabalho?

Eu diria que a ansiedade é interna. Não vejo diferença no trabalho em si. Mas, quando se trata de pedir algo para si mesmo, aí vem a ansiedade. Muitas mulheres acham que, se negociarem com o chefe, podem danificar o convívio. Os homens são menos propensos a acreditar nisso, porque crescem negociando, percebem menos risco para o relacionamento.

Depois de seus estudos, as moças na sua universidade passaram a pedir mais coisas?

É uma questão interessante. Tenho falado com minhas alunas sobre os resultados do estudo, espero que no ano que vem, quando coletarmos novos dados, possamos ver a diferença.

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