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Mercado aquecido não significa emprego perfeito para todos

Se há pleno emprego, por que tenho dificuldade para arranjar um trabalho? Se o cargo exige tantas competências, por que o salário é tão baixo? Entenda esses e outros paradoxos do mercado

Por causa do alto grau de exigência das empresas, é comum encontrar pessoas revoltadas por terem sido preteridas num processo seletivo, mesmo reunindo todos os pré-requisitos observados. (Marcelo Biscola / VOCÊ S/A)
DR

Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.

São Paulo - Nos últimos meses, as conversas sobre mercado de trabalho orbitam em volta dos mesmos assuntos: pleno emprego, recorde de vagas, guerra por talentos. De fato, há 92 milhões de brasileiros empregados e a taxa de desemprego vai se manter na casa dos 6% durante este ano, índices que são excelentes para o trabalhador.

Apesar de a desaceleração da economia ter feito o Ministério do Trabalho e Emprego reduzir a previsão de geração de 3 milhões de vagas este ano no país, os números, ainda assim, devem ser semelhantes aos de 2010, quando 2,52 milhões de vagas foram preenchidas.

Todo esse cenário positivo, porém, esconde uma dura realidade: há pessoas qualificadas que não conseguem mudar de emprego e, pior, existem desempregados que mesmo ostentando um bom currículo são incapazes de obter uma recolocação.

"Há setores que realmente enfrentam uma escassez de mão de obra, mas sempre haverá pessoas bem preparadas fora do mercado", diz Claudio Salvadori Deddeca, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ), especialista em relações do trabalho.

Esse desequilíbrio é considerado natural por economistas, até mesmo quando os ventos sopram a favor do profissional, como agora. Ou seja, vivemos uma situação em que há milhares de postos de trabalho de um lado e, de outro, profissionais incapazes de conquistar uma colocação melhor.

Essa sensação de que o mercado de trabalho está louco se deve a vários fatores. Em primeiro lugar, nem sempre as qualificações pessoais atendem às exigências da empresa. Depois, as vagas frequentemente não têm salários compatíveis com a expectativa do profissional e ainda há situações em que o candidato tem restrições à rotina de trabalho da companhia.

Mesmo com o mercado aquecido, encontrar um emprego não é tarefa fácil. As empresas tornaram-se mais rigorosas na seleção de pessoas. Elas buscam profissionais completos, que já entrem dando resultado, com experiências ricas de carreira, que dominem inglês e espanhol e que tenham passado por escolas de elite.


Um trabalho no exterior conta pontos. Espera-se que a pessoa se identifique com a cultura da companhia e é preciso rolar uma sintonia com o futuro chefe. Resumindo, criou-se um modelo de profissional perfeito, que não existe na prática mas serve de gabarito para qualquer candidato na hora da contratação.

Além disso, os empregadores valorizam habilidades comportamentais, o critério que mais elimina em processos seletivos. “Encontramos excelentes técnicos, superqualificados, com ótima formação acadêmica, mas que pecam por não saber se relacionar com as pessoas”, diz Osvaldo Pires, diretor de recursos humanos da Indra, multinacional espanhola de tecnologia, que tem mais de 6.500 funcionários no Brasil.

A esse enorme grau de exigência junte-se as especificidades que cada vaga reúne. Às vezes, a empresa está em busca de um profissional cujo único pré-requisito é ter relacionamento com um único diretor de um único cliente. Quem não tem está eliminado.

Por causa do alto grau de exigência das empresas, é comum encontrar pessoas revoltadas por terem sido preteridas num processo seletivo, mesmo reunindo todos os pré-requisitos observados. Muitas vezes, faltou alguma coisa e os critérios são os mais subjetivos: simpatia com o chefe, relação histórica com a empresa, coisas desse tipo.

"O empregador escolhe quem tem valores que casam com os dele", diz o headhunter Alfredo Assumpção, presidente da Fesa, firma de busca de executivos, de São Paulo. Por isso, vale ficar atento ao estilo de gestão da companhia antes de sair por aí distribuindo currículo. Quanto melhor for o casamento de valores, maiores as chances de você ficar com a vaga.

O sucesso crescente dos programas de trainee das grandes corporações mostra como esse vínculo entre profissional e organização é importante hoje em dia. "Como é praticamente impossível mapear de cara quem casa com a cultura da empresa, muitas estão apostando em gente mais jovem para moldá-la desde cedo", diz Alfredo.


Outra dura realidade do mercado é a má-formação da mão de obra brasileira. Grande parte dos profissionais está incapacitada para assumir cargos importantes. A falha tem origem no Ensino Fundamental e vai até a pós-graduação. Tome-se como exemplo o mercado de tecnologia da informação, no qual esse problema atinge níveis críticos.

Nos últimos anos, a HP Brasil, fabricante de computadores e impressoras, tem contratado cerca de 1.000 pessoas a cada trimestre, e sempre tem posições em aberto por não encontrar gente qualificada. "Mesmo relaxando algumas barreiras de entrada, encontrar talentos é uma missão quase impossível", diz Antonio Salvador, vice-presidente de recursos humanos da HP.

Para ter uma ideia, o mercado de TI cresce em média 10% ao ano, de acordo com a consultoria IDC. Um efeito paradoxal desse crescimento é que muitos profissionais conseguem arrumar emprego antes mesmo de concluir a graduação. Isso seria bom, mas tem causado uma evasão de alunos nas faculdades de tecnologia.

Oito em cada dez estudantes abandonam a graduação em informática antes do término do curso por já ter se empregado na área, aponta um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).

O resultado desse quadro é um mercado com mão de obra deficiente, que tem um domínio incompleto do assunto. “Entre os poucos que chegam ao fim do curso, dois ou três realmente estão aptos para ingressar no mercado de trabalho”, diz Osvaldo, diretor de RH da Indra, que também é professor da Universidade Estácio de Sá.

"A maioria não se empenha e acha que com diploma na mão o emprego aparecerá", afirma. Esse cenário de má-formação de mão de obra fica mais evidente no mercado de tecnologia porque a exigência por atualização ocorre em ritmo e frequência maiores. Mas se aplica a setores mais conservadores. A diferença é que, em mercados em que a necessidade de atualização é mais lenta, o profissional corre risco maior de se acomodar e cair em defasagem mais profunda sem perceber.

Cenário de guerra

Em 2010, quando a economia ficou aquecida, a disputa por profissionais atingiu um nível agressivo, com profissionais recebendo propostas altas para trocar de emprego. Neste ano, a busca intensa de profissionais continua, mas as empresas começaram a estabelecer limites nas propostas salariais, preocupadas em não encarecer excessivamente a folha de pagamento.


Dessa medida surgem duas consequências. A primeira, mais conhecida, é que as organizações estão colocando funcionários inexperientes em cargos que demandam um nível de experiência e maturidade que eles não têm. Os recrutadores conseguem, assim, conter a alta dos salários para algumas posições, mas perdem em experiência e qualidade do quadro de funcionários.

A outra consequência é que as empresas tentam, na cara de pau, oferecer pouco para quem vale muito. "Muita organização quer contratar Batman com salário de Robin", diz Fernando Mantovani, diretor da Robert Half, empresa de recrutamento de São Paulo.

D.B, gerente de projetos de TI da Petrobras, de 40 anos, que não quis ser identificado, conta que em julho participou de um processo seletivo numa operadora de telecomunicações que oferecia a metade do que ele ganhava.

"Fala-se da disputa por gente em TI e que as empresas pagam muito bem, mas sinto que a realidade não é bem essa", diz o gerente.

Dura realidade

Faz parte desse desequilíbrio do mercado a percepção equivocada que muitos profissionais têm de si. Muita gente se considera boa, mas o mercado não as reconhece assim. Não adianta achar que ter uma vasta experiência no currículo garante vaga se você só passou por empresas pequenas ou pouco conhecidas.

Da mesma forma, cursar um MBA numa escola mediana não representa um diferencial competitivo. "Para um headhunter, chamam a atenção os currículos de quem atuou em grandes organizações e fez graduação ou pós em faculdades renomadas", diz Paulo Pontes, presidente da Michael Page, empresa de recrutamento, de São Paulo.

Em outras palavras, o mercado é injusto porque privilegia quem teve acesso a melhores oportunidades.


Candidatar-se a vagas que ofereçam salário baixo ou posição inferior configura outro erro comum. Isso ocorre bastante quando a pessoa tem pressa de mudar de emprego. Situação semelhante vive o desempregado, que se sujeita à primeira oferta. "As empresas acham que a pessoa vai aceitar por um determinado tempo, usando a oportunidade como um trampolim para algo melhor", diz Paulo.

Outro engano cometido pelos profissionais é considerar possível a transição de um mercado para outro. As especificidades de cada segmento podem ser obstáculo para a contratação. Para mudar, é preciso investir em atualização e aprender particularidades da área. Como isso leva tempo, a solução é, aos poucos, construir uma carreira diferente. Só que isso exige abrir mão de cargo e salário, pelo menos temporariamente.

Dar passos para trás, aliás, é algo que poucos estão dispostos a fazer, sobretudo quem tem acima de 40 anos e uma extensa bagagem profissional. As companhias têm esse preconceito também. "Muita empresa vê o cara de 40 ou 50 anos como alguém cheio de vícios e defeitos", diz Alfredo Assumpção, da Fesa.

Uma das principais reclamações de quem passou dos 40 é sentir as portas fechadas e ouvir justificativas lacônicas quando é excluído do processo seletivo. E daí surge outra dura realidade: as empresas não serão sinceras no feedback, jamais vão assumir publicamente restrições contra idade.

Alguns setores preferem, sim, os mais jovens, a exemplo de tecnologia da informação, internet, bebidas, consumo, serviços e finanças. "São mercados muito dinâmicos, que exigem um profissional cheio de garra e energia, que acompanhe e se adapte às rápidas mudanças", diz Paulo Pontes, da Michael Page.


Outros setores valorizam a experiência e os profissionais mais velhos não sofrem tanto para encontrar emprego. Os mercados mais favoráveis para esse pessoal acima de 40 anos são óleo e gás, infraestrutura, siderurgia e mineração. A contratação de cinquentões nos últimos anos tem aumentado. A remuneração também pode ser um problema para a transição de carreira, principalmente para o alto escalão.

Pesquisa da Dasein Executive Search realizada com 80 multinacionais aponta que o crescimento do Brasil continua fazendo crescer os salários de diretores e presidentes. O salário médio de um diretor no maior centro econômico do país, São Paulo, chega a 31 580 reais, enquanto em Nova York é de 27.688 reais.

"O executivo brasileiro ficou caro, e isso pesa na hora de ele se recolocar", diz o headhunter Dominique J. Einhorn, da Heidrick & Struggles, que atua no recrutamento de altos executivos. Essa realidade com frequência se aplica ao profissional que ficou muito tempo numa mesma organização, recebendo aumentos e reajustes salariais.

Normalmente, uma pessoa assim acostumou-se a um nível salarial que não corresponde à realidade das ofertas para cargos semelhantes no mercado e tende a considerar baixa qualquer proposta.

Contradições sempre existiram nas relações entre empregados e empregadores. A novidade nesse conflito é o novo cenário do mercado de trabalho que, teoricamente, deveria favorecer mais o profissional. Descobre-se agora que mesmo na fartura as organizações têm interesses próprios e os defendem.

A lição que fica para o profissional é que o cuidado com a empregabilidade deve ser intenso, mesmo quando a balança parece estar pendendo para ele. Mostrar resultados, estar atualizado e ter boas recomendações continuam sendo o melhor remédio para as incoerências e injustiças do mercado.

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São Paulo - Nos últimos meses, as conversas sobre mercado de trabalho orbitam em volta dos mesmos assuntos: pleno emprego, recorde de vagas, guerra por talentos. De fato, há 92 milhões de brasileiros empregados e a taxa de desemprego vai se manter na casa dos 6% durante este ano, índices que são excelentes para o trabalhador.

Apesar de a desaceleração da economia ter feito o Ministério do Trabalho e Emprego reduzir a previsão de geração de 3 milhões de vagas este ano no país, os números, ainda assim, devem ser semelhantes aos de 2010, quando 2,52 milhões de vagas foram preenchidas.

Todo esse cenário positivo, porém, esconde uma dura realidade: há pessoas qualificadas que não conseguem mudar de emprego e, pior, existem desempregados que mesmo ostentando um bom currículo são incapazes de obter uma recolocação.

"Há setores que realmente enfrentam uma escassez de mão de obra, mas sempre haverá pessoas bem preparadas fora do mercado", diz Claudio Salvadori Deddeca, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ), especialista em relações do trabalho.

Esse desequilíbrio é considerado natural por economistas, até mesmo quando os ventos sopram a favor do profissional, como agora. Ou seja, vivemos uma situação em que há milhares de postos de trabalho de um lado e, de outro, profissionais incapazes de conquistar uma colocação melhor.

Essa sensação de que o mercado de trabalho está louco se deve a vários fatores. Em primeiro lugar, nem sempre as qualificações pessoais atendem às exigências da empresa. Depois, as vagas frequentemente não têm salários compatíveis com a expectativa do profissional e ainda há situações em que o candidato tem restrições à rotina de trabalho da companhia.

Mesmo com o mercado aquecido, encontrar um emprego não é tarefa fácil. As empresas tornaram-se mais rigorosas na seleção de pessoas. Elas buscam profissionais completos, que já entrem dando resultado, com experiências ricas de carreira, que dominem inglês e espanhol e que tenham passado por escolas de elite.


Um trabalho no exterior conta pontos. Espera-se que a pessoa se identifique com a cultura da companhia e é preciso rolar uma sintonia com o futuro chefe. Resumindo, criou-se um modelo de profissional perfeito, que não existe na prática mas serve de gabarito para qualquer candidato na hora da contratação.

Além disso, os empregadores valorizam habilidades comportamentais, o critério que mais elimina em processos seletivos. “Encontramos excelentes técnicos, superqualificados, com ótima formação acadêmica, mas que pecam por não saber se relacionar com as pessoas”, diz Osvaldo Pires, diretor de recursos humanos da Indra, multinacional espanhola de tecnologia, que tem mais de 6.500 funcionários no Brasil.

A esse enorme grau de exigência junte-se as especificidades que cada vaga reúne. Às vezes, a empresa está em busca de um profissional cujo único pré-requisito é ter relacionamento com um único diretor de um único cliente. Quem não tem está eliminado.

Por causa do alto grau de exigência das empresas, é comum encontrar pessoas revoltadas por terem sido preteridas num processo seletivo, mesmo reunindo todos os pré-requisitos observados. Muitas vezes, faltou alguma coisa e os critérios são os mais subjetivos: simpatia com o chefe, relação histórica com a empresa, coisas desse tipo.

"O empregador escolhe quem tem valores que casam com os dele", diz o headhunter Alfredo Assumpção, presidente da Fesa, firma de busca de executivos, de São Paulo. Por isso, vale ficar atento ao estilo de gestão da companhia antes de sair por aí distribuindo currículo. Quanto melhor for o casamento de valores, maiores as chances de você ficar com a vaga.

O sucesso crescente dos programas de trainee das grandes corporações mostra como esse vínculo entre profissional e organização é importante hoje em dia. "Como é praticamente impossível mapear de cara quem casa com a cultura da empresa, muitas estão apostando em gente mais jovem para moldá-la desde cedo", diz Alfredo.


Outra dura realidade do mercado é a má-formação da mão de obra brasileira. Grande parte dos profissionais está incapacitada para assumir cargos importantes. A falha tem origem no Ensino Fundamental e vai até a pós-graduação. Tome-se como exemplo o mercado de tecnologia da informação, no qual esse problema atinge níveis críticos.

Nos últimos anos, a HP Brasil, fabricante de computadores e impressoras, tem contratado cerca de 1.000 pessoas a cada trimestre, e sempre tem posições em aberto por não encontrar gente qualificada. "Mesmo relaxando algumas barreiras de entrada, encontrar talentos é uma missão quase impossível", diz Antonio Salvador, vice-presidente de recursos humanos da HP.

Para ter uma ideia, o mercado de TI cresce em média 10% ao ano, de acordo com a consultoria IDC. Um efeito paradoxal desse crescimento é que muitos profissionais conseguem arrumar emprego antes mesmo de concluir a graduação. Isso seria bom, mas tem causado uma evasão de alunos nas faculdades de tecnologia.

Oito em cada dez estudantes abandonam a graduação em informática antes do término do curso por já ter se empregado na área, aponta um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom).

O resultado desse quadro é um mercado com mão de obra deficiente, que tem um domínio incompleto do assunto. “Entre os poucos que chegam ao fim do curso, dois ou três realmente estão aptos para ingressar no mercado de trabalho”, diz Osvaldo, diretor de RH da Indra, que também é professor da Universidade Estácio de Sá.

"A maioria não se empenha e acha que com diploma na mão o emprego aparecerá", afirma. Esse cenário de má-formação de mão de obra fica mais evidente no mercado de tecnologia porque a exigência por atualização ocorre em ritmo e frequência maiores. Mas se aplica a setores mais conservadores. A diferença é que, em mercados em que a necessidade de atualização é mais lenta, o profissional corre risco maior de se acomodar e cair em defasagem mais profunda sem perceber.

Cenário de guerra

Em 2010, quando a economia ficou aquecida, a disputa por profissionais atingiu um nível agressivo, com profissionais recebendo propostas altas para trocar de emprego. Neste ano, a busca intensa de profissionais continua, mas as empresas começaram a estabelecer limites nas propostas salariais, preocupadas em não encarecer excessivamente a folha de pagamento.


Dessa medida surgem duas consequências. A primeira, mais conhecida, é que as organizações estão colocando funcionários inexperientes em cargos que demandam um nível de experiência e maturidade que eles não têm. Os recrutadores conseguem, assim, conter a alta dos salários para algumas posições, mas perdem em experiência e qualidade do quadro de funcionários.

A outra consequência é que as empresas tentam, na cara de pau, oferecer pouco para quem vale muito. "Muita organização quer contratar Batman com salário de Robin", diz Fernando Mantovani, diretor da Robert Half, empresa de recrutamento de São Paulo.

D.B, gerente de projetos de TI da Petrobras, de 40 anos, que não quis ser identificado, conta que em julho participou de um processo seletivo numa operadora de telecomunicações que oferecia a metade do que ele ganhava.

"Fala-se da disputa por gente em TI e que as empresas pagam muito bem, mas sinto que a realidade não é bem essa", diz o gerente.

Dura realidade

Faz parte desse desequilíbrio do mercado a percepção equivocada que muitos profissionais têm de si. Muita gente se considera boa, mas o mercado não as reconhece assim. Não adianta achar que ter uma vasta experiência no currículo garante vaga se você só passou por empresas pequenas ou pouco conhecidas.

Da mesma forma, cursar um MBA numa escola mediana não representa um diferencial competitivo. "Para um headhunter, chamam a atenção os currículos de quem atuou em grandes organizações e fez graduação ou pós em faculdades renomadas", diz Paulo Pontes, presidente da Michael Page, empresa de recrutamento, de São Paulo.

Em outras palavras, o mercado é injusto porque privilegia quem teve acesso a melhores oportunidades.


Candidatar-se a vagas que ofereçam salário baixo ou posição inferior configura outro erro comum. Isso ocorre bastante quando a pessoa tem pressa de mudar de emprego. Situação semelhante vive o desempregado, que se sujeita à primeira oferta. "As empresas acham que a pessoa vai aceitar por um determinado tempo, usando a oportunidade como um trampolim para algo melhor", diz Paulo.

Outro engano cometido pelos profissionais é considerar possível a transição de um mercado para outro. As especificidades de cada segmento podem ser obstáculo para a contratação. Para mudar, é preciso investir em atualização e aprender particularidades da área. Como isso leva tempo, a solução é, aos poucos, construir uma carreira diferente. Só que isso exige abrir mão de cargo e salário, pelo menos temporariamente.

Dar passos para trás, aliás, é algo que poucos estão dispostos a fazer, sobretudo quem tem acima de 40 anos e uma extensa bagagem profissional. As companhias têm esse preconceito também. "Muita empresa vê o cara de 40 ou 50 anos como alguém cheio de vícios e defeitos", diz Alfredo Assumpção, da Fesa.

Uma das principais reclamações de quem passou dos 40 é sentir as portas fechadas e ouvir justificativas lacônicas quando é excluído do processo seletivo. E daí surge outra dura realidade: as empresas não serão sinceras no feedback, jamais vão assumir publicamente restrições contra idade.

Alguns setores preferem, sim, os mais jovens, a exemplo de tecnologia da informação, internet, bebidas, consumo, serviços e finanças. "São mercados muito dinâmicos, que exigem um profissional cheio de garra e energia, que acompanhe e se adapte às rápidas mudanças", diz Paulo Pontes, da Michael Page.


Outros setores valorizam a experiência e os profissionais mais velhos não sofrem tanto para encontrar emprego. Os mercados mais favoráveis para esse pessoal acima de 40 anos são óleo e gás, infraestrutura, siderurgia e mineração. A contratação de cinquentões nos últimos anos tem aumentado. A remuneração também pode ser um problema para a transição de carreira, principalmente para o alto escalão.

Pesquisa da Dasein Executive Search realizada com 80 multinacionais aponta que o crescimento do Brasil continua fazendo crescer os salários de diretores e presidentes. O salário médio de um diretor no maior centro econômico do país, São Paulo, chega a 31 580 reais, enquanto em Nova York é de 27.688 reais.

"O executivo brasileiro ficou caro, e isso pesa na hora de ele se recolocar", diz o headhunter Dominique J. Einhorn, da Heidrick & Struggles, que atua no recrutamento de altos executivos. Essa realidade com frequência se aplica ao profissional que ficou muito tempo numa mesma organização, recebendo aumentos e reajustes salariais.

Normalmente, uma pessoa assim acostumou-se a um nível salarial que não corresponde à realidade das ofertas para cargos semelhantes no mercado e tende a considerar baixa qualquer proposta.

Contradições sempre existiram nas relações entre empregados e empregadores. A novidade nesse conflito é o novo cenário do mercado de trabalho que, teoricamente, deveria favorecer mais o profissional. Descobre-se agora que mesmo na fartura as organizações têm interesses próprios e os defendem.

A lição que fica para o profissional é que o cuidado com a empregabilidade deve ser intenso, mesmo quando a balança parece estar pendendo para ele. Mostrar resultados, estar atualizado e ter boas recomendações continuam sendo o melhor remédio para as incoerências e injustiças do mercado.

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