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Empresas brasileiras temem delegar poder a estrangeiros

Empresas brasileiras em fase de internacionalização vivem o dilema de superar a desconfiança e abrir postos de comando nas subsidiárias a executivos estrangeiros

Vale no exterior: por uma questão de cultura, multinacionais brasileiras preferem enviar compatriotas a contratar liderenças locais (Divulgação Vale Canadá)

Vale no exterior: por uma questão de cultura, multinacionais brasileiras preferem enviar compatriotas a contratar liderenças locais (Divulgação Vale Canadá)

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Da Redação

Publicado em 4 de março de 2013 às 19h31.

São Paulo - Neste mês de dezembro, o pernambucano Alberto Carvalho, de 46 anos, assume o comando da P&G no Brasil. Ele substitui o egípcio Tarek Farahat, nomeado presidente da companhia na América Latina, maior multinacional de consumo do mundo.

A movimentação envolvendo um sul-americano e um africano ilustra a naturalidade com que as multinacionais delegam a executivos estrangeiros o comando de suas operações no exterior.

Em empresas latino-americanas a situação é outra. Em geral, elas optam por enviar executivos da matriz para comandar as subsidiárias no exterior. “De um modo geral, nas companhias com origem em países emergentes existe uma maior resistência em delegar o comando a pessoas do país de destino”, diz Claudio Garcia, presidente da LHH/DBM, consultoria de recolocação de executivos para o Brasil e América Latina, de São Paulo. 

Para Dirk Boehe, pesquisador de gestão internacional do Insper, de São Paulo, a diferença de atitude está relacionada ao amadurecimento do processo de internacionalização empresarial de um país.

Segundo ele, a cultura corporativa pode ser dividida em três fases quando o assunto é expansão global: na primeira, executivos da matriz são enviados ao país de destino com a missão de transferir para as subsidiárias os valores, as práticas de gestão e os processos.

Num segundo momento, quando se entende que essas competências já foram transferidas e que a subsidiária está pronta para caminhar com relativa autonomia, um executivo local pode assumir o comando. “Na terceira fase, que já reflete um estágio avançado, até mesmo executivos de um terceiro país podem vir a comandar a operação da subsidiária”, afirma Dirk. “Empresas americanas e britânicas cruzaram as fronteiras há mais de 100 anos e estão bem mais avançadas do que as brasileiras, onde esse processo começou a se intensificar há cerca de 20 anos.” 

Outros fatores definem uma cultura corporativa mais (ou menos) centralizadora. Uma pesquisa realizada pelo Insper em parceria com a Universidad de los Andes, do Chile, mostra que, em países como Estados Unidos, Reino Unido, Suécia e Dinamarca, é grande a tendência de os líderes delegarem responsabilidades a seus subordinados, enquanto em países como Venezuela, China e Grécia essa probabilidade é muito baixa.

Os autores verificaram que a maior ou menor predisposição dos líderes de um país a delegar estava associada à qualificação da mão de obra nativa, ao comportamento ético predominante nele e à motivação desse pessoal para assumir mais responsabilidades.

Na prática, isso quer dizer que quanto mais qualificada for a mão de obra nacional, maior a confiança na ética profissional e maior a vontade de tocar os negócios com a mesma responsabilidade que o dono faria, maior a tendência de compartilhar o poder. 

“Como nos países emergentes esses indicadores nem sempre são tão positivos, isso explicaria a menor confiança dos gestores em delegar responsabilidades aos seus subordinados”, afirma Dirk. Diante da dificuldade de delegar, a empresa acaba optando por expatriar executivos com quem já tem um histórico de convivência sem problemas. 


No caso das companhias brasileiras, a origem familiar pode ser um empecilho adicional à disposição em dar autonomia a executivos estrangeiros — e a maior parte das empresas brasileiras que estão se internacionalizando ainda tem a marca de seus fundadores.

“Se nas organizações de gestão profissional o executivo tem de gerar lucros para ganhar a confiança do acionista, nas familiares a lógica é inversa”, diz Claudio Garcia, da LHH/DBM. “Nessas, é preciso ganhar a confiança do dono para começar a gerar lucro.” 

As soluções para esse dilema — delegar ou não delegar posições de comando nas subsidiárias a líderes nativos — encerram vantagens e desvantagens. A grande vantagem de contar com um executivo da matriz no comando da subsidiária é justamente a de ter alguém de confiança cuidando dos negócios no exterior.

Por outro lado, ter executivos nativos, já familiarizados com o ambiente cultural do país de destino e com conhecimento do mercado local, pode facilitar o crescimento dos negócios. “Principalmente em alguns países africanos e latino-americanos, onde as instituições são fracas, faz muita diferença contar com executivos locais, bem relacionados, com contatos no governo, para as coisas acontecerem”, afirma Dirk, do Insper. Claudio Garcia, da consultoria LHH/DBM, cita outras vantagens da contratação desses executivos para comandar a subsidiária.

Em países muito fechados ao estrangeiro, por exemplo, um executivo local certamente abrirá mais portas. O próprio modelo de liderança sofre diferenças culturais de país para país, por isso contar com alguém que sabe como as relações profissionais são construídas facilita as coisas. “Por fim, os custos de expatriação de executivos são muito elevados”, diz Claudio.  

Segundo os especialistas, a tendência natural é que, com o amadurecimento do processo de internacionalização, as empresas brasileiras se abram à presença de estrangeiros no comando de suas subsidiárias.

Mas, para Sherban Cretoiu, coordenador do Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, as companhias nacionais são capazes de se adequar rapidamente a novos cenários e já têm se preparado para dar esse próximo passo.

“Muitas começam a formar profissionais nativos que poderão vir a assumir postos-chave no médio e longo prazos”, diz ele. Natura e Andrade Gutierrez, por exemplo, já aceitam a candidatura de estrangeiros em seus programas de trainee. Mas, no final, independentemente do passaporte, o que fará a diferença é a qualidade do time.

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