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Má gestão em três cores

As lições de liderança que você pode aprender com o péssimo exemplo da seleção francesa na Copa da África do Sul

Raymond Domenech, treinador da seleção francesa na Copa: faltou pulso para comandar a equipe (Gianluigi Guercia/AFP)
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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.

São Paulo - Eles são profissionais talentosos, bem remunerados e reconhecidos na área em que atuam. Ocupam alguns dos melhores “cargos” em seu mercado. Os jogadores da seleção francesa de futebol, com todas essas qualificações, deveriam ter chegado como favoritos à conquista da Copa do Mundo da África do Sul. Mas, antes mesmo do torneio começar, já havia a expectativa de que a campanha francesa fosse um fiasco. Desunião entre os jogadores, panelinhas, um técnico demitido dias antes do início da Copa.

A campanha foi fraquíssima. Empate de zero a zero com o Uruguai, derrota para o México e para a anfitriã, África do Sul. O atacante Nicolas Anelka discutiu com o treinador Raymond Domenech e foi demitido. O preparador físico Robert Duverne bateu boca com o capitão do time, Patrice Evra, e saiu por conta própria.

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Os jogadores organizaram um motim. A França voltou para casa carregando na bagagem um dos maiores vexames que o futebol já viu. Que lições de gestão podem ser tiradas desse episódio? É o que executivos e consultores debatem a seguir. Confira.

José Valério Macucci, professor de liderança e gestão de pessoas do Insper (antigo Ibmec-SP)

Houve excesso de confiança devido às realizações anteriores. Com ótimo elenco e bom histórico, a seleção se deixou levar pelos “louros do passado”. Em uma empresa, o maior perigo para o sucesso do futuro é o sucesso do passado, pois há uma tendência de cristalizar as práticas do êxito conquistado, que levam as companhias e seus líderes ao imobilismo.

A arrogância leva ao menosprezo dos adversários, que seria como desconsiderar seus concorrentes e desprezar a opinião de clientes. Outro ponto é que bons jogadores nem sempre formam um bom time. Líderes como Domenech, que não conseguiu conquistar seus comandados e, portanto, não exerceu a liderança, são meros “gerentões” sentados no cargo.

Na crise, perdem o controle do time e o emprego. Também faltou mesclar novos talentos com a experiência dos antigos. O conservadorismo é mortal.

Edson Rodriguez, autor de Futebol para Executivos: Como Aplicar as Táticas do Futebol nas Empresas (Editora Versus)

O treinador conhecia muito sobre os aspectos táticos, mas não soube lidar com o lado pessoal da equipe. Um time de estrelas, com jogadores que atuam nos melhores clubes da Europa, é um caldeirão de vaidades que precisa ser administrado com psicologia. Se o técnico age com prepotência, pode piorar o clima no grupo.

Não adianta ser um líder impositivo nem obrigar o time a fazer algo a que não está disposto. Faltou a sabedoria de ouvir, a esperteza de revisar conceitos e a seriedade para filtrar as opiniões. Afinal, não é porque ele abre a discussão que deve acatar aos palpites. Esse diálogo é motivador, pois leva o líder a conhecer os anseios de sua equipe e lhe permite tentar convencê-la de suas decisões.

Pedro Mandelli, consultor de gestão de empresas e sócio-diretor da Mandelli Consultores Associ ados

O senso de urgência é responsabilidade da liderança e esse treinador não soube colocá-lo para o time. Faltou a ele expor a importância da empreitada, convencer seu time de que o campeonato era um excelente negócio para a carreira de todos.


As grandes empresas, quando se envolvem em projetos da magnitude de uma Copa do Mundo, como uma concorrência internacional ou a corrida pela liderança mundial em seu segmento, se preparam para obter o melhor resultado no menor tempo.

Se os colaboradores se convencem de que o projeto vale a pena, de que o bom resultado vai dobrar o seu currículo, os líderes conseguem uma equipe preparada para a guerra, e não para o fair play.

Wilson Borges, presidente do Zambon Laboratórios Farmacêuticos e ex-jogador profissional de futebol

As lições mais importantes que aprendi como gestor não foram dadas nos cursos que frequentei em Harvard ou na London Business School. Foram, sim, ensinadas durante minha carreira como jogador, dos 14 aos 29 anos. A principal é que uma equipe só vai bem se tem um líder inspirador.

No caso da seleção francesa, o técnico não era visto como exemplo pelos jogadores, o que levou à insubordinação, reforçada pela satisfação profissional e financeira que cada atleta possui individualmente. Também aprendi que um jogo não se ganha nem se perde no dia da partida, mas ao longo da semana, durante o treinamento.

E outra lição importantíssima é que o líder precisa se aproximar das bases, estar próximo dos seus subordinados. Como jogador, eu nunca troquei mais do que um “bom-dia” com meus treinadores fora de campo, apesar de ter um monte de coisas que gostaria de falar para eles. Eu desabafava com o massagista, com o fisioterapeuta.

Hoje, como presidente de empresa, sei que dificilmente os colaboradores se encorajarão a puxar papo comigo. Cabe a mim perguntar a eles como andam as coisas e mostrar interesse por suas opiniões. Caso contrário, os líderes estão fadados ao isolamento e ficam sabendo dos problemas somente quando a situação está insustentável, vendo-se numa posição de tomar medidas drásticas, como foi a demissão do Anelka.

Maurício Goldstein, consultor e coautor do livro Jogos Políticos nas Empresas (Ed. Campus/Elevier)

Os gestores precisam ter um alto nível de inteligência emocional. Demitir Anelka foi uma decisão precipitada, pois o técnico Domenech não cortou o mal pela raiz. Embora não tenha gostado da forma como o atacante falou com ele, o treinador deveria ter mantido a curiosidade em entender o descontentamento da equipe, deveria ter procurado compreender os motivos das reclamações de Anelka.

Ao cortá-lo, numa medida autoritária, causou uma retaliação maior, um “grito” ainda mais alto, envolvendo todo o grupo no boicote ao treino. Essa atitude afastou dele a equipe. Esse é um típico exemplo das organizações modernas, nas quais os funcionários querem cada vez mais contribuir com o processo decisório. É um reflexo dos nossos tempos, em que todos querem se sentir incluídos, e não se sentir máquinas cumpridoras de ordens.

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