Carreira

Intenção não era causar comoção, diz diretora do Magalu sobre trainee

A diretora do Magalu revelou os bastidores do programa de trainee para negros durante debate do evento Afropresença

Magalu: o programa de trainee fez parte do debate sobre ações afirmativas nas empresas (Magalu/Divulgação)

Magalu: o programa de trainee fez parte do debate sobre ações afirmativas nas empresas (Magalu/Divulgação)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 1 de outubro de 2020 às 10h57.

O que uma empresa pode fazer para aumentar a inclusão de negros? Para o Magazine Luiza, a solução de criar um programa de trainee exclusivo para estudantes e recém-formados pretos e pardos não foi um "teste de diversidade". A empresa tinha uma estratégia e objetivos claros para o programa.

Quem falou sobre a iniciativa foi a diretora executiva de gestão de pessoas do Magazine Luiza, Patricia Pugas, ao participar de um debate do evento Afropresença, organizado pelo MPT em parceria com a ONU e focado na empregabilidade dos jovens negros brasileiros.

O evento online e gratuito continua com sua programação de palestras e debates nesta quinta-feira, 1, e também na sexta-feira. Para acompanhar os dois dias restantes, basta se inscrever pelo site.

Pugas contou que a empresa já debate a diversidade há anos e já havia tentado processos às cegas, por exemplo, para contratar profissionais mais diversos. E era uma decepção chegar ao final do recrutamento sem conseguir atingir o objetivo.

E a varejista tem uma equipe em que 53% dos funcionários são negros. O problema que observam é que esse quadro não se reflete em sua liderança: apenas 16% são negros. “E isso não faz sentido, não reflete a nossa realidade. Nem social, nem da companhia”, fala a diretora.

A ideia do programa veio do entendimento que a principal função do trainee era a de acelerar carreiras. O que era exatamente o que eles buscavam: agilizar uma mudança interna.

“Resolvemos fazer uma ação que não tinha pretensão de ter uma comoção pública ou virar pauta de discussão, como tem sido. Era menos pretensioso, e a única real intenção era aumentar a representatividade”, fala ela. “Imaginamos que ia gerar algum ruído, pois ainda é um tema sensível para a sociedade. Enfim, nos surpreendemos, absurdamente, com o tamanho que tudo tomou”.

A diretora revelou esses bastidores do programa junto a um grupo de ativistas, especialistas e pensadoras sobre o movimento negro que debatia o que as empresas podem fazer para ser antirracistas.

A mesa teve a participação de Benilda Brito, mestre em gestão social e coordenadora do Odara Instituto da Mulher Negra; Heloise da Costa, analista de ações afirmativas do ID_BR; Beatriz Sans, jornalista e fundadora do Bancos de Talentos Negros; e a mediação da jornalista Carolina Trevisan.

A pedagoga e mestre de gestão social Benilda Brito falou que as ações afirmativas no Brasil começaram tardiamente e que a reação aos programas como o do Magalu e da Bayer demonstram a discriminação presente no país.

“Como o Brasil reage quando tem vagas para PcD? Quando fazemos uma discriminação positiva em outros segmentos, como prioridade para idoso, ou uma vaga de estacionamento? Quando fala do negro, se desesperam”, disse ela.

Para a pesquisadora, a discussão de inclusão significa discutir a distribuição de riqueza. “Quer dizer que o advogado, médico, dentista pode ser preto, sim”.

Heloise Costa, analista do ID_BR, explicou que as empresas precisam se planejar para esse impacto da inclusão. Contratar um profissional preto ou pardo não deve ser visto apenas como uma ação de imagem para empresa.

“As empresas precisam ter uma visão mais holística da inclusão. Não é só sair catando pessoas negras para tirar uma foto com o time diverso”, falou ela.

Além de olhar para cargos além do jovem aprendiz, estágio e trainee, os negócios devem olhar para toda sua estrutura e se preparar para receber as pessoas de maneira que seja respeitosa.

“Você precisa entender se tem um ambiente organizacional preparado para nos receber. Não somos ETs, mas temos um mundo racista, com estrutura racista”, explicou ela.

Segundo Costa, não é apenas contratar, mas garantir um ambiente seguro. As companhias precisam se antecipar ao possível racismo que pessoas e o ambiente podem proporcionar ao novo funcionário.

Isso significa ter canais de denúncia ativos, um código de ética antirracista, além de fazer o letramento racial dos funcionários e, principalmente, da liderança. Tudo isso ajuda a passar da mera diversidade para uma equidade de oportunidade na carreira.

No Magalu, a diretora contou que todo o preparo foi feito para que o ambiente da empresa e o programa fossem coerentes com os aspectos da inclusão. Para isso, a empresa se cercou de especialistas da área e consultou os próprios funcionários.

De todos os comentários negativos, desinformados e racistas nas redes, a diretora prefere focar nas respostas acolhedoras: “Achei um comentário interessante, ele dizia ‘obrigada vocês por terem feito confusão, se não tivessem feito, não teria visto [o programa]’. Se esse barulho todo se desdobrar em muitos candidatos, vai ser muito bom. Se for para isso, valeu”.

 

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