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Homens do Vale do Silício se organizam por “mais direitos”

Grupos afirmam que homens estão sendo vítimas de “caça às bruxas” e que estão sendo demitidos por departamentos de recursos humanos “perigosos”

Reunião sobre diversidada em São Francisco: alguns homens agora dizem que a linha para o que é visto como assédio se tornou muito fácil de cruzar (Jason Henry/The New York Times)

Reunião sobre diversidada em São Francisco: alguns homens agora dizem que a linha para o que é visto como assédio se tornou muito fácil de cruzar (Jason Henry/The New York Times)

EH

EXAME Hoje

Publicado em 2 de outubro de 2017 às 18h29.

Última atualização em 2 de outubro de 2017 às 18h29.

San Francisco – Suas queixas estão nas discussões do Reddit, nos fóruns de videogames, nas páginas privadas do Facebook e por todo o Twitter. Elas defendem de tudo, desde o separatismo masculino até o fim dos esforços pela diversidade de gênero.

Há anos o Vale do Silício vem acolhendo um grupo extremista de homens que dizem que as mulheres estão arruinando o mundo da tecnologia.

Agora, enquanto a capital nacional da tecnologia – há muito identificada como um dos ambientes de trabalho mais hostis para mulheres – cambaleia por causa de uma série de escândalos de assédio sexual e discriminação, essas conversas estão ganhando mais força.

James Altizer, engenheiro da empresa de produção de chips Nvidia, é um dos que tem notado essa mudança. Altizer, de 52 anos, afirma que percebeu poucos anos atrás que as feministas no Vale do Silício formaram um bando cujo objetivo é subjugar os homens. Na época, ele era um dos poucos com esse tipo de visão.

Agora, Altizer já não acha que está sozinho. “Há várias pessoas passando por isso no Vale do Silício hoje. Está explodindo. E a maioria são homens jovens, mais jovens do que eu”, afirma.

Altizer conta que este ano os encontros que ele organiza pessoalmente e on-line para discutir questões masculinas cresceram de poucas dezenas de membros para mais de 200, que as páginas privadas que frequenta no Facebook sobre direitos masculinos estão ganhando novos membros e que começa a despontar uma subcultura radical que pede separatismo total dos homens.

“É uma caça às bruxas”, disse ele em uma entrevista por telefone, afirmando que os homens estão sendo demitidos por departamentos de recursos humanos “perigosos”. “Estou sentado em uma cabine à prova de som nesse momento porque tenho medo que alguém me ouça. Quando você está discutindo questões de gênero, a resposta é quase religiosa. É quase fanatismo.”

Altizer é parte de uma reação contra o movimento de mulheres na tecnologia. Apesar de várias pessoas na indústria terem descartado anteriormente os argumentos de extremistas a favor dos direitos masculinos, agora alguns investidores, executivos e engenheiros começara a dar atenção a eles. Embora estudos e pesquisas mostrem que não há como negar os problemas que as mulheres enfrentam em uma indústria dominada pelos homens, alguns dizem que a linha para o que é visto como assédio se tornou muito fácil de cruzar e que o impulso para igualdade de gênero é um objetivo muito extremo. Poucos estão querendo falar abertamente sobre o que pensam, por medo de se destacar em um Vale do Silício de maioria progressista.

Mesmo assim, a “caça às bruxas” é o novo meme sussurrado. Algumas pessoas na indústria começaram a se identificar como “contrários”, para indicar sutilmente que não seguem o “dogma da diversidade”. E os autoproclamados ativistas dos direitos masculinos no Vale do Silício dizem que o número de membros em suas reuniões está aumentando.

A reação acontece após revelações cada vez mais comuns de assédio no Vale do Silício. Este ano, várias engenheiras e empreendedoras resolveram nomear seus assediadores e, de repente, o clube do Bolinha da tecnologia pareceu abalado. Travis Kalanick, um dos fundadores do Uber, renunciou a seu cargo de executivo-chefe depois que o serviço de caronas pagas foi envolvido em acusações de assédio. Dave McClure, chefe da incubadora 500 Startups, autodenominou-se “um pulha” e pediu demissão. Mais recentemente, o executivo-chefe do Social Finance, Mike Cagney, também deixou a empresa após um escândalo de assédio.

Depois disso, muitos defenderam a igualdade de gênero na tecnologia. Reid Hoffman, fundador do LinkedIn, pediu aos investidores que assinassem uma “promessa de decência”. E várias companhias reiteraram que precisavam melhorar a diversidade de sua força de trabalho.

“Apenas nas últimas 48 horas, falei com uma executiva de tecnologia que foi agarrada por um CEO em um grande evento e com outra a quem pediram para que participasse de uma entrevista em um fundo de investimentos porque eles ‘achavam que deviam contratar uma mulher’. A gente só deveria se preocupar com o fato do movimento de mulheres na tecnologia ter ido longe demais depois que esse tipo de coisa não esteja mais acontecendo regularmente”, afirma Dick Costolo, que foi chefe do Twitter e hoje administra a startup de fitness Chorus.

Mas as pessoas que pensam que as coisas foram longe demais ganharam uma voz com James Damore, de 28 anos, engenheiro do Google de fala mansa. Frustrado após mais um treinamento sobre diversidade, Damore escreveu uma nota e publicou em um quadro interno de mensagens do Google. Nele, argumentava que talvez as mulheres não estivessem representadas igualmente na tecnologia porque fossem biologicamente menos capazes de trabalhar com engenharia. Ele foi demitido pelo Google.

Depois de meses de pedidos de desculpas por mau comportamento vindos de todo o Vale do Silício, ali estava um jovem em quem alguns dos líderes da tecnologia poderiam se escorar.

Paul Graham, que fundou a influente incubadora de startups Y Combinator publicou dois artigos sobre como a ciência por trás do texto de Damore estava correta. Outro investidor de startup, John Durant, escreveu que “o próprio Charles Darwin teria sido demitido do Google por sua visão sobre os sexos”.

E o parceiro de negócios do investidor Peter Thiel, Eric Weinstein, tuitou, “Querido @Google, pare de ensinar minha filha que seu caminho para a liberdade financeira não está em programação, mas nas reclamações ao RH”.

Durant não quis comentar. Graham escreveu em um e-mail que deveria haver mais distinção entre fato e leis, e Weinstein afirmou que havia “uma grande quantidade de mulheres brilhantes” e que mais precisava ser feito para “descobrir como capacitá-las plenamente”.

Essa mudança na conversa sobre gênero é uma boa notícia para Damore. “O imperador está nu. A partir do momento em que alguém disse isso, tornou-se mais aceitável”, afirma ele.

E adiciona: “A ideia de que a diversidade melhora o resultado do local de trabalho não tem respaldo científico”.

Damore preencheu uma reclamação de trabalho contra o Google em agosto e diz que mais de 20 pessoas se uniram em uma ação coletiva sobre a discriminação sistêmica contra os homens. Ele está sendo representado pelo advogado local Harmeet Dhillon.

“Virou moda no Vale do Silício que pessoas como James, homens brancos, sejam colocados em uma categoria menos desejável para promoções e avanços de carreira. Algumas empresas possuem objetivos de contratações como ‘Se você for um gerente e contratar 70 por cento de mulheres para esta organização vai ganhar bônus’. Isso é ilegal”, afirma Dhillon.

O Google não quis comentar.

As pessoas que estão liderando o movimento de igualdade de gênero no Vale do Silício dizem que ficaram surpresas com o fato de, no mesmo momento em que sua ação está tendo um impacto, ela ter aberto as comportas para uma perspectiva ainda mais radical de direitos masculinos.

“É exaustivo. Cria divisões que não imaginamos”, afirma Joelle Emerson, diretora da Paradigm, empresa que projeta estratégias de diversidade.

Um dos grupos radicais que vem crescendo é o MGTOW (acrônimo de Men Going Their Own Way, ou Homens Seguindo seu Próprio Caminho). O MGTOW tem como objetivo a separação total dos homens, incluindo esquecer filhos, evitar o casamento e limitar seu envolvimento com as mulheres. Seus quadros de discussão estão repletos de atividades do Vale do Silício, segundo Altizer.

Cassie Jaye, que vive em Marin e produziu o documentário “The Red Pill” sobre o movimento de direitos dos homens, conta que o mundo da tecnologia e a comunidade de direitos dos homens assumiram um efeito de bola de neve juntos e que o crescimento do número de pessoas no MGTOW é um fato novo.

Nos grupos de discussão do MGTOW, os membros conversam sobre trabalho (“Já trabalhou para uma mulher? Arregace as mangas e conte sua história de terror”), tecnologia (“As coisas que namoradas e mulheres não suportam – computadores, jogos e consoles”) e namoros (em sua maioria as melhores práticas para evitar compromissos).

“Acho que existem muitos caras que viviam dessa maneira sem conhecer o movimento, e então eles encontram o MGTOW”, explica Jaye, que se autointitula ex-feminista.

Altizer lidera o Bay Area Father’s Rights (Direitos dos Pais da Região da Baía), um grupo de apoio mensal para que os homens conversem sobre as questões que enfrentam de forma única. Ele se interessou pela comunidade depois de se divorciar e disse que seus olhos se abriram para quão poucos direitos os homens possuem. Quanto ao número de mulheres na tecnologia, o esforço por paridade é absurdo, afirma ele.

“Estive do lado dos contratantes por anos. Seria bacana ter mulheres, mas você não consegue achar candidatas”, garante ele, afirmando que neste momento não está contratando.

Nellie Bowles © 2017 New York Times News Service

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