Técnicos da Embraer, em São José dos Campos, no interior de São Paulo: o passe deles está mais caro (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 26 de abril de 2013 às 15h00.
São Paulo - O Brasil vive um momento ímpar em sua história. A previsão de economistas e especialistas no mercado de trabalho é que o país termine o ano com crescimento do Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas geradas pelos diversos setores produtivos, na casa dos 7% e com pleno emprego ou muito próximo disso. As perspectivas de futuro também são promissoras. Estatísticas mostram que a economia do país tem a possibilidade de dobrar de tamanho ao fim desta década — possibilidade que vai depender bastante do desempenho do próximo governo e de como o cenário internacional vai se comportar daqui para a frente.
Esse ciclo de pujança anima empresários e executivos, que estão fazendo o planejamento estratégico de suas empresas e áreas de negócio considerando os bons ventos da economia que devem continuar soprando por aqui. Em outras palavras, o mercado de trabalho vai continuar aquecido. Há forte demanda por profissionais para ocupar cargos de gestão — de supervisor em diante. Mas há também cada vez mais postos sendo criados para cargos nos níveis de operação e produção. São posições para técnicos de nível médio e de nível superior, os chamados tecnólogos, e para engenheiros com perfil de especialista.
Todas essas boas notícias têm sido recebidas com um misto de satisfação e frio na barriga pelos grandes empregadores. E isso acontece porque a oferta de profissionais não acompanha nem de perto a demanda das empresas por eles. As faculdades brasileiras formarão cerca de 800 000 profissionais anualmente nos próximos cinco anos, número de cérebros insuficiente para atender o ritmo de crescimento do país, segundo o professor Valério Maccucci, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em São Paulo.
Nas contas do professor, seriam necessários 1,5 milhão de profissionais saindo todos os anos dos bancos das faculdades prontos para ingressar no mercado de trabalho. Daí empresários, executivos de recursos humanos e estudiosos estarem buscando meios de evitar que o desenvolvimento nacional desacelere em razão da falta de gente capacitada. Para o nível técnico, em alguns setores, já é necessário importar mão de obra.
De acordo com pesquisa conduzida pela consultoria em recrutamento Manpower no primeiro semestre do ano, 64% das empresas no Brasil afirmaram que faltavam profissionais disponíveis e que a primeira necessidade delas era a contratação de técnicos para produção, operação, engenharia e manutenção. Até a primeira semana de novembro, havia na Manpower cerca de
500 vagas para profissionais técnicos de nível médio e superior, o que representa 10% do número de vagas abertas mensalmente. No Catho Online, uma das maiores recrutadoras online do país, o número de vagas abertas para técnicos de nível médio e superior contabilizava 9 500 durante o mês de novembro.
As principais oportunidades eram para vendedor técnico e técnicos em eletrônica, edificações, informática e segurança do trabalho. A preocupação com a falta de pessoas com perfil de especialista é tão séria que 20 grandes organizações de atuação nacional, representando quase todos os setores da economia e os dependentes dessa formação, criaram um grupo para atacar o problema.
“Percebemos que precisamos valorizar esse pessoal e atrair jovens para essa carreira”, diz Lívia Sousa Sant’Ana, diretora de recursos humanos da construtora Mendes Junior e coordenadora do grupo. Fazem parte desse fórum Petrobras, Vale, Usiminas, ArcelorMittal, Braskem, Odebrecht, Mendes Júnior, Andrade Gutierrez, Basf, Magnesita, Mercedes-Benz e Fiat. Após mapear a mão de obra no Brasil, o grupo, formado há apenas oito meses, pretende fazer um raio X da sua real demanda por técnicos das mais variadas áreas.
Como uma espécie de mea-culpa, essas grandes empresas reconhecem que são reféns das ações que tomaram em determinado momento, quando priorizaram a formação gerencial em detrimento do reconhecimento da carreira técnica. Nos anos 1980, e sobretudo durante a recessão econômica dos anos 1990, a formação de técnicos também foi pouco enfatizada pelas empresas e governos porque eles tinham baixa empregabilidade. Até os engenheiros foram para outras áreas de atuação — principalmente para o mercado financeiro e áreas de gestão, disputando espaço com os administradores — porque não encontravam trabalho em suas áreas.
Passe valorizado
“A consequência desse abandono é que ainda existe, por parte dos selecionadores e das grandes companhias, certo preconceito em contratar técnicos e tecnólogos [profissionais de nível superior com formação em área específica]. Muitas vezes eles dão preferência ao engenheiro”, diz Marcus Soares, também professor do Insper. Esse quadro está mudando. A demanda reprimida por profissionais com formação técnica tem impulsionado uma onda de investimentos em escolas e centros de formação por todo o país.
A necessidade do conhecimento técnico tem valorizado o passe desses profissionais. “Dependendo do nível de especialização, é possível até ganhar mais do que um gestor”, diz Vladmir Araújo, diretor de projetos da consultoria Ricardo Xavier, sediada em São Paulo.
Em 2001, havia 56 000 matriculados nos cursos técnicos de nível médio e 27 000 nos cursos de graduação tecnológica (técnicos de nível superior) nas escolas federais. De acordo com o Ministério da Educação, em 2010 esse número pulou para 219 000 alunos nos cursos de nível médio e 89 000 nos de nível superior somente nessas escolas. Mas a evasão fica entre 10% e 50%, dependendo do curso, segundo Garabed Kenchian, pró-reitor de extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Outra questão que aflige os empregadores é a qualificação dos que saem das faculdades.
O setor de TI é um exemplo. Na última pesquisa da Sociedade Brasileira para Promoção da Exportação de Software (Softex), 86,1% de suas filiadas possuíam vagas em aberto para desenvolvedor e programador e 50,5% delas tinham vagas para analistas de sistemas. A quantidade de gente que sai das escolas técnicas e faculdades deveria ser suficiente para suprir a necessidade, mostra o estudo. “O problema não é a quantidade, mas a qualidade desse pessoal”, diz Virgínia Duarte, gerente do Observatório Softex.
Técnicos 2.0
“O técnico de hoje pertence a uma geração mais jovem, com conhecimento mais sofisticado, que lida com equipamentos e tecnologias mais avançadas e mais caras”, observa o professor Anderson Sant’Anna, da Fundação Dom Cabral, em Minas Gerais. “Esse novo profissional é diferente daquele que está no imaginário que temos do técnico do passado, aquele operário atrás de um torno mecânico. Isso não existe mais.” Segundo levantamento do Ministério da Educação, há 185 cursos técnicos de nível médio no país e 112 graduações tecnológicas, como gestão ambiental, hospitalar, de qualidade, cooperativas, recursos humanos, automação industrial, manutenção de aeronaves, processos metalúrgicos, processos químicos, jogos digitais e segurança da informação, entre outros.
O novo profissional traz também novos desafios para as empresas, que terão de aprender a lidar com um público mais jovem e exigente em termos de demanda por desenvolvimento, treinamento e crescimento profissional, levando as companhias a mudar seu sistema de remuneração e compensação para atraí-los e retê-los, segundo o professor da Fundação Dom Cabral. Hoje, fazer curso técnico não é mais uma alternativa para quem não consegue entrar em uma faculdade. “Seguir a carreira técnica é uma opção do indivíduo de iniciar sua trajetória profissional e posteriormente abrir um caminho para a carreira em Y na área de gestão por meio de requalificação ou de cursos de nível superior.”
Como se viu, motivos para seguir essa carreira não faltam: a demanda reprimida, a empregabilidade que passa dos 90%, o assédio das organizações e a revalorização do técnico são alguns deles. Mas existe certa confusão no mercado quando se fala em formação técnica e se misturam os conceitos de técnicos de nível médio, tecnólogos e engenheiros. “A diferença entre o tecnólogo e o bacharel da mesma área é o foco do curso.
Enquanto o engenheiro é mais genérico e teórico, o tecnólogo está voltado mais para a produção e sua formação é centrada em uma única especialização”, diz Décio Moreira, presidente da Associação Brasileira de Educação Tecnológica. Veja nas próximas páginas o que o mercado reserva para cada uma dessas formações.