Carreira

As confissões do diretor artístico do Cirque du Soleil

Cientista do MIT, dançarino e malabarista, o diretor artístico do Cirque du Soleil, James Tanabe, conta como usa sua inusitada experiência para liderar a trupe circense mais famosa do mundo

James Tanabe: "No Cirque du Soleil, trabalhamos com sonhos e ilusões, mas as dinâmicas de criação são iguais às de uma empresa" (Divulgação)

James Tanabe: "No Cirque du Soleil, trabalhamos com sonhos e ilusões, mas as dinâmicas de criação são iguais às de uma empresa" (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 4 de abril de 2013 às 20h23.

Filadélfia, EUA - O nipo-americano James Tanabe, de 33 anos, diretor artístico do Cirque du Soleil, cumprimenta a reportagem da VOCÊ S/A e acomoda-se para a entrevista em uma das mesinhas da lanchonete da escola americana de negócios de Wharton, na cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos.

Neste semestre, James parece mais um entre alunos do mundo inteiro a cursar um MBA na instituição. Nenhum de seus colegas, no entanto, tem uma trajetória profissional capaz de carregar, nas mesmas doses, sucesso e originalidade. O cargo de executivo-criativo à frente da mais famosa e inovadora companhia de espetáculos circenses do mundo já seria suficiente para exemplificar o que é a carreira de James.

Mas ele tem mais para contar. Durante a infância e a adolescência, alternou como lares o Japão e os Estados Unidos, acompanhando o pai, um executivo da IBM. 

Aos 17, ingressou no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde graduou-se triplamente, em astronomia, biologia e física. Fez pesquisas em biologia molecular e neurologia no Mayo Clinic, um dos principais grupos hospitalares dos Estados Unidos.

Ainda no MIT, participou de pesquisas astrofísicas para a Nasa, a agência espacial americana. Aos 23 anos, gabaritado para ser cientista na instituição de ponta que quisesse, largou as ciências exatas e inscreveu-se numa das melhores escolas de circo de Montreal. Virou dançarino e malabarista, ganhou dinheiro, perdeu tudo e passou fome nas ruas de Tóquio.

Em 2007, co-fundou uma companhia circense, a New Circus Asia, onde rodou 14 países do continente, da Turquia à Tailândia. Em 2009, o Cirque du Soleil o contratou e James tornou-se o mais jovem diretor artístico da história da entidade. Na Filadélfia, onde pretende melhorar suas habilidades de gestor, James conta como usa a precisão de cientista e a sensibilidade de artista para liderar sua trupe. 

VOCÊ S/A - O que faz o diretor artístico do Cirque du Soleil?

James Tanabe - Trabalho como um maestro que conduz acrobatas, palhaços, dançarinos e equilibristas para que cada um possa aproveitar ao máximo seus potenciais, e para que o resultado seja uma experiência de sonho e mágica. Sou responsável por orientar a concepção dos números, por contratar os artistas certos para o evento, por conectar todos os atos antes, durante e depois dos shows. 


VOCÊ S/A - Quais tipos de desafios administrativos você enfrenta, á que o Cirque du Soleil produz megaeventos no mundo todo?

James Tanabe - Há vários detalhes mais técnicos, que vão desde o recrutamento de novos artistas até o gerenciamento de um orçamento milionário para aspectos artísticos. Na verdade, o que sempre me desafiou mais foi saber liderar e motivar um time de estrelas de um megaespetáculo, isso envolve o exercício de várias habilidades simultâneas, como o entendimento profundo do funcionamento e das dinâmicas de um grupo.

O que motiva cada um dos componentes do grupo que dirijo? Como tratar cada um dos egos de artistas de primeira linha? Como retirar de todos o que eles têm de melhor? Essas são dificuldades cotidianas do meu trabalho. Tal entendimento é mais amplo do que simplesmente entender das artes ou dos negócios.

VOCÊ S/A - Esse entendimento pode ser transferido para uma empresa que não trabalha na indústria do entretenimento? 

James Tanabe - Sem dúvida. Trabalhamos com sonhos e com ilusões, mas as dinâmicas de criação são iguais às de uma empresa. Há muita realidade por trás do ilusionismo. O trabalho é profissional e feito em grupo. Em uma empresa, os tópicos e os problemas são diferentes, mas os paralelos com o circo são enormes.

Vejo isso aqui em Wharton. Tanto nos grupos de alunos quanto nos de professores e palestrantes, a experiência de vida, assim como a profissional, varia radicalmente. O que conecta as pessoas interessadas em aprender sobre gestão é o conhecimento ou a vontade de entender sobre as dinâmicas de grupo, liderança e poder dentro de uma organização.  

VOCÊ S/A - Você tem uma trajetória profissional e pessoal muito diferente. Como ela o ajuda em seu trabalho?

James Tanabe - Desde jovem sempre fui muito curioso e essa curiosidade ajuda demais na carreira. Quase nada passava despercebido para mim. Pratiquei vários esportes individuais, fiz teatro, fui ginasta competitivo, dancei profissionalmente. Minha curiosidade também se estende para os ramos mais abstratos da ciência.


Aos 18 anos, quando era preciso decidir qual seria a direção profissional a tomar, pensei em seguir na música, montar uma banda de garagem e ser um artista faminto, mas realizado. Candidatei-me para duas universidades americanas de elite, Harvard e MIT, pensando que jamais me aceitariam. Os meus planos de músico deram “errado” porque iniciei os estudos de astronomia, física e biologia no MIT.

VOCÊ S/A - Astronomia, física e biologia? Ginástica, dança, teatro, música e circo? Há alguma coisa que conecta todos esses interesses?

James Tanabe - Meu pai trabalhava na IBM e várias vezes foi transferido do Japão para os Estados Unidos e vice-versa. Cresci entre duas culturas que em muitos aspectos são radicalmente opostas. A hierarquia japonesa não condiz com o impulso inovador americano, por exemplo. Talvez a exposição a essas diferenças tenha me tornado um apaixonado pelo desconhecido e pelo que não entendo.

Posso dizer que o que me levou a estudar astronomia foi a paixão pelo desconhecido, pelo que não se pode tocar, pela magia que as estrelas e o Universo despertam em mim. Um espetáculo circense pode proporcionar uma sensação de encantamento e de sonho similar à das estrelas. Pode parecer um clichê, mas sempre fiz as coisas com muita paixão e isso é importante em qualquer coisa que você faça.

VOCÊ S/A - E como o circo entrou em sua vida?

James Tanabe - Trabalhei como pesquisador de neurociência em um centro renomado de pesquisa [a Mayo Clinic] e em um laboratório de astrofísica e pesquisa espacial da Nasa. Apesar de achar ambos os trabalhos intelectualmente instigantes, o lado de espetáculo das coisas sempre me fascinou.

Próximo de me formar no MIT me candidatei a um dos mais competitivos cursos de formação de artistas de circo do mundo, a National Circus School, de Montreal, no Canadá. Há quase mil candidatos por ano, sendo aceita uma média de seis canadenses e seis estrangeiros. Mais uma vez, pensei que jamais seria aceito.


Mas tive a coragem de me candidatar. E passei três anos lá, tendo uma rotina duríssima, mas apaixonante, de treinamento físico e também nas mais variadas disciplinas artísticas.

VOCÊ S/A - E, até o Cirque du Soleil aparecer e o contratar, você levou uma vida de artista de circo.

James Tanabe - Tive a vida de cigano que normalmente se associa aos artistas de circo. Dormi em hotéis cinco estrelas e em bancos de praça, passei frio nas noites russas e calor no Caribe. Ganhei com meu grupo de artistas mais dinheiro na Rambla de Barcelona do que eu poderia carregar, aprendi a ser desregrado em determinadas situações sem que isso afetasse meu desempenho.

Tudo isso me deu bagagem. E essa experiência é importante para adquirir coragem e com ela correr o risco de tentar coisas novas. E foi então que resolvi criar o meu próprio espetáculo e formar o New Circus Asia. Por alguns anos viajei fazendo espetáculos pelo mundo, até que o Cirque du Soleil me contratou. 

VOCÊ S/A - Percebe-se que você ainda está em excelente forma. Qual é o seu treinamento agora?

James Tanabe - Os três anos na escola de Montreal ampliaram o treinamento físico de ginasta que eu já tinha. Melhorei minha percepção para várias disciplinas artísticas, como a dança. Hoje pratico diariamente uma rotina de parada de mãos e de acrobacias que me toma mais ou menos uma hora e meia. Estou ficando mais velho, mas ainda treino com paixão e entusiasmo. 

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