Carreira

Despedida amarga

Prática mais espinhosa da gestão de pessoas, a demissão continua a ser um processo malconduzido pelas empresas

Empresa automobilística (Marcos Issa / Bloomberg / Getty Images)

Empresa automobilística (Marcos Issa / Bloomberg / Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 8 de julho de 2014 às 10h32.

São Paulo - Ao longo de 2013, mais de 1.000 funcionários da fábrica da GM em São José dos Campos foram dispensados por causa da drenagem de investimentos de lá para outras plantas da companhia no país. Estima-se que 40% desse contingente tenha sido demitido em dezembro, mais especificamente entre o Natal e o Réveillon.

Não bastasse a data dos desligamentos, encaixada exatamente no meio do período de festas (e de gastos), pesou a forma que a montadora escolheu para comunicar os desligamentos — por telegrama.

A correspondência, recebida em casa, informava que o contrato de trabalho seria encerrado quatro dias depois. Também continha orientações protocolares sobre procedimentos burocráticos e documentos que seria necessário apresentar. E só.

O caso acima — passado numa empresa gigante — revela como as companhias ainda derrapam no assunto mais espinhoso da gestão de pessoas: demissão. Apesar de conhecer os riscos embutidos num processo de desligamento malconduzido, os profissionais de RH conti­nuam a ignorar o tema.

Preferem investir tempo e dinheiro desenhando projetos para a porta de entrada (atração e seleção) e esquecem que a porta de saída é igualmente (ou mais) importante. “A maior parte das empresas brasileiras ainda não tem políticas estruturadas de demissão com regras definidas”, diz Rafael Souto, fundador e CEO da consultoria Produtive, especializada em transição de carreiras.

“Em geral, as companhias realizam o processo de desligamento com pouca antecedência, pouco planejamento e muita decisão impulsiva.” Uma pesquisa realizada anualmente pela consultoria Lens & Minarelli com executivos demitidos aponta para os resultados da pouca atenção dispensada aos desligamentos.

Dos profissionais ouvidos na última edição do levantamento, publicada no ano passado, 55% consideram que a demissão não foi bem conduzida e 53% alegaram que o motivo apresentado para justificar a dispensa não foi convincente. O estudo indica que raramente a demissão é negociada e pactuada de forma amistosa, e sim de maneira cirúrgica.

Imagem arranhada

As consequências são inúmeras. Demissões mal pensadas abrem espaço para comprometer o clima na organização inteira. “Quando se percebe que um desligamento foi feito de forma justa, com auxílio da empresa ao demitido, quem fica na organização tende a abraçar o projeto.

O contrário, no entanto, também é verdadeiro”, afirma José Ramón Pin, professor de gestão de pessoas da escola de negócios Iese, em Navarra, na Espanha. Se esse parece um custo intangível demais para ser considerado, há outros tantos bem mais palpáveis — como as consequências de um embate trabalhista, situação vivida pela Universidade­ de Franca (Unifran) no ano passado.

Comprada pelo grupo Cruzeiro do Sul em maio, a universidade do interior paulista passou por uma reestruturação durante 2013 que culminou com a demissão repentina de quase 200 funcionários em dezembro, o equivalente a 15% do corpo funcional.

Como não houve negociação de antemão com os empregados, a Unifran acabou sendo alvo de uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho — e perdeu a disputa, sendo obrigada a reintegrar todos os demitidos.

De volta ao trabalho, ainda em dezembro, os profissionais encontraram um cenário desolador na universidade. “Não havia ambiente para o desenvolvimento regular das atividades. Então iniciamos uma negociação coletiva para efetivar as dispensas, mitigando todos os efeitos possíveis das demissões”, afirma José Nelson Aureliano Menezes Salerno, advogado que defendeu os demitidos pelo Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino e Educação de Franca.

No fim das contas, a Unifran foi obrigada a conceder um pacote de benefícios que incluiu o pagamento de cestas básicas e plano de saúde por mais um ano aos demitidos, pagou multa extra de 60% sobre os habituais 40% do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e uma indenização segundo o tempo de casa de cada ex-funcionário, e teve até de oferecer bolsas de estudos para dependentes.

Estima-se que o desembolso imediato por funcionário demitido — fora as bolsas de estudos — tenha ficado entre 20.000 e 30.000 reais, além dos custos tradicionais de uma dispensa. “Foi um erro de julgamento enorme, que acabou deflagrando uma profunda crise de imagem perante a comunidade”, diz Salerno.

Segundo o levantamento da Lens & Minarelli, aproximadamente 65% das empresas afirmam ter políticas definidas de demissão. Mas uma análise mais criteriosa das respostas a outras perguntas feitas no estudo leva a consultoria a estimar que não mais de 17% das empresas realmente coloquem em prática programas efetivos.

“Política de demissão é um conjunto de orientações explícitas e regras escritas, preferencialmente comunicadas aos funcionários desde o dia da contratação”, diz José Augusto Minarelli, presidente da consultoria. Apenas prever um pacote de benefícios, portanto, está longe de ter uma política de demissão, como muitos gestores acreditam.

A “boa” demissão

Na filial brasileira da multinacional canadense Magna Cosma, que produz suprimentos para a indústria automobilística, a gerente de recursos humanos Renata Bacelar passou seis meses planejando o desligamento de 85 funcionários, em sua maioria operadores de máquina e metalúrgicos.

Até o fim de 2013, eles trabalhavam na unidade da empresa em Jundiaí, São Paulo, que teve as atividades transferidas para São Bernardo do Campo, no ABC paulista. “Fizemos de tudo para que, em vez do peso da demissão, os funcionários percebessem a situação como uma oportunidade de recomeçar”, diz Renata.

Além de benefícios econômicos — como o pagamento de uma indenização, a cobertura estendida do plano de saúde e a entrega de cesta básica por mais alguns meses —, a empresa desenvolveu um projeto de recolocação profissional.

Todos os demitidos foram convidados a participar de um dia de atividades em um hotel em Jundiaí, em que aprenderam a montar um currículo profissional e receberam orientações sobre como se portar em entrevistas de emprego.

De posse dos currículos dos funcionários, a equipe de RH da Magna Cosma se comprometeu a encaminhá-los, com recomendações, às agências de emprego da região. “Em menos de três meses, cerca de 90% dos demitidos estavam empregados novamente”, afirma Renata.

Mais do que suavizar o processo que, por si só, é pesado, programas responsáveis de demissão, como o desenhado pela Magna Cosma, se revertem em ganhos para a empresa. Primeiro porque a chance de os funcionários desligados saírem com uma boa impressão da companhia e falar bem do antigo empregador é enorme — o que é uma propaganda gratuita e poderosa.

Segundo porque essas empresas se tornam mais produtivas e rentáveis. É o que aponta uma pesquisa conduzida pela Right Management, do grupo Manpower, com 1.700 profissionais em dez países.

De acordo com o levantamento, companhias que oferecem serviço de recolocação profissional para seus empregados são mais propensas a conquistar ganhos de produtividade, aumento de lucratividade e melhora no preço de suas ações.

Essas empresas também reportam níveis mais baixos de rotatividade e de afastamento em comparação com as companhias que não oferecem nenhum tipo de serviço de transição de carreira. São motivos de sobra para colocar a política de demissão no mesmo patamar estratégico das políticas de atração e retenção de profissionais.

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