Carreira

Complexo de avestruz

Os advogados sabem que é importante desenvolver habilidades gerenciais e comportamentais, mas, na hora de investir na carreira, só têm olhos para o conhecimento jurídico

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 30 de julho de 2013 às 15h00.

São Paulo - "O que o trouxe até aqui não o levará adiante." Essa frase em inglês dá nome a um livro do coach americano Marshall Goldsmith (What Got You Here Won’t Get You There, publicado em 2007 nos Estados Unidos e sem previsão de lançamento no Brasil) e é o melhor conselho de carreira que um advogado pode receber neste momento .

Uma série de pesquisas feitas pelo GVLaw, departamento de pós-graduação da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, revela que os profissionais do Direito se comportam de maneira contraditória quando pensam sobre a carreira.

Como ocorre em outras áreas, também na advocacia as competências comportamentais e qualidades gerenciais se tornaram imprescindíveis para ascender na carreira. Os advogados sabem disso mas, segundo o GVLaw, na hora de investir na formação, 80% deles acabam optando por uma especialização em conhecimento jurídico.

No entanto, quando se pede para que advogados apontem quais são as competências mais importantes de um profissional top — diretor jurídico, sócio de escritório ou advogado sênior —, os itens que mais aparecem são liderança, capacidade de negociação, networking e conhecimento de clientes e do mercado.

“É um paradoxo”, diz Leandro Silveira Pereira, diretor-executivo do GVLaw. “O advogado sabe que é importante ter essas competências, mas não acha importante desenvolvê-las.”

Segundo Leandro, parte desse comportamento de avestruz, em que os profissionais do Direito mergulham de cabeça no universo jurídico e fecham os olhos para as questões relativas à gestão, é preconceito. Por causa de um estereótipo glamourizado da profissão, bons advogados acham pouco nobre tratar de questões como gestão de equipes, captação de clientes ou marketing.

O resultado dessa distorção é o prejuízo para o crescimento do profissional tanto para quem trabalha em escritório de advocacia como em departamento jurídico de empresas. A solução seria adotar uma visão mais próxima da realidade, admitindo que o profissional de Direito tem atribuições parecidas às de administradores de empresas, publicitários ou médicos.


“O advogado gestor tem grandes vantagens competitivas em relação aos demais e consegue administrar sua carreira em direção ao sucesso”, diz Pedro Freitas, do escritório Veirano Advogados em São Paulo, que já foi diretor jurídico de empresas como Vale, Odebrecht e Brasil Telecom.

Gestão moderna

O advogado Carlos Fernando Siqueira Castro, de 33 anos, sócio-diretor do Siqueira Castro, um dos maiores escritórios do Brasil, presente em 17 capitais, percebeu a importância dos aspectos gerenciais e comportamentais para a profissão durante um estágio que fez num escritório americano enquanto cursava mestrado na University of Chicago Law School.

De volta ao Brasil, ajudou a reestruturar o escritório da família, mudando o departamento financeiro, criando áreas novas, como marketing e comunicação, ainda raridades entre as bancas. Também incrementou a política de carreira do escritório. Hoje, cada departamento do Siqueira Castro tem seus gerentes (nem todos formados em Direito, ressalta-se).

Todos têm seu desempenho avaliado anualmente e existem regras para treinamento que contemplam, inclusive, cursos no exterior. “Os clientes não querem um advogado técnico, mas um parceiro que os ajude a pensar juridicamente e, no caso das empresas, a maximizar oportunidades de negócios”, diz Carlos, que entende que a baixa disposição dos colegas de profissão em adotar uma visão mais moderna está prestes a mudar.

Segundo ele, nos últimos anos o mercado de trabalho cresceu e os profissionais não precisaram se preocupar com a captação de clientes nem com a eficiência dos escritórios. “Mas, daqui para a frente, a sobrevivência vai passar pela diferenciação da concorrência”, diz Carlos.


Mesmo para advogados que fazem carreira dentro dos departamentos jurídicos de empresas, que estão submetidos às mesmas regras corporativas das outras áreas, ainda há necessidade de uma mudança de visão.

“Os advogados, de modo geral, ainda não estão acostumados a trabalhar com indicadores de desempenho, e as empresas querem profissionais dinâmicos, que apresentem soluções no ritmo dos negócios, que muitas vezes não é o ritmo da análise jurídica”, afirma Fabio Salomon, headhunter-chefe da divisão jurídica da Michael Page, empresa de recrutamento de São Paulo.

Entre as competências que as empresas pedem de seus especialistas em Direito estão adaptabilidade, habilidade de negociação e mediação de conflitos e capacidade de se relacionar com clientes, parceiros e fornecedores. “Quem entende do ambiente em que o negócio está inserido, o perfil de seus clientes e sabe alguma coisa de finanças tem mais chance de crescer”, diz Fabio, que considera possível um diretor jurídico se tornar presidente da organização.

Essa realidade tem feito com que as empresas direcionem a formação de seus departamentos jurídicos para a contratação de profissionais mais flexíveis. Eles precisam entender de leis e contratos, sim, mas também devem desenvolver talentos e saber se relacionar com os outros setores da empresa.

Sem barreiras

Para o advogado Roberto Paes, de 36 anos, que já trabalhou em escritório e hoje é diretor jurídico para a América Latina da divisão de aviação da General Electric, a maior dificuldade foi entender as demandas de gestores de outras áreas. Para isso, Roberto fez uma pós-graduação em administração.

“Foi fundamental me inteirar de finanças, contabilidade e recursos humanos”, diz. “Como poderia dar um bom parecer trabalhista se eu não tinha nenhuma prática de RH? Carimbar um papel qualquer um pode fazer.” Segundo Roberto, o departamento jurídico precisa romper o estigma de ser a área que coloca barreiras para o negócio.


“Até um tempo atrás, alguns setores de determinadas empresas deixavam de envolver o jurídico, pois sabiam que sua mediação faria o negócio empacar”, diz. A saída é adotar uma atitude colaborativa. “Não posso responder ‘vou fazer um parecer e daqui 30 dias eu entrego’”, diz Khalil Kaddissi, de 33 anos, diretor jurídico do grupo Totvs.

Por fim, uma boa notícia: a carreira de advogado dentro de empresas vive uma fase de alta. Na última década, os salários do departamento jurídico aumentaram acima da média de mercado.

Levantamento feito pela consultoria Hay Group aponta que na última década a média salarial dos diretores jurídicos aumentou 113% — acima da valorização de áreas como recursos humanos (92%), marketing (88%) e finanças (85%) —, pulando de 15.000 reais para cerca de 30.000 reais. Sinal de que o mercado valoriza quem é competente. 

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