Como encontrar satisfação no trabalho
Cada vez mais pessoas buscam significado no que fazem. Entenda por que isso virou uma inquietação crescente e saiba como descobrir seu propósito de carreira. Inspire-se na história de 15 profissionais que já encontraram a resposta
Da Redação
Publicado em 28 de abril de 2014 às 07h51.
São Paulo - Quando a edição do livro How to Find Fulfilling Work terminou, o editor responsável pelo projeto ficou satisfeito com o resultado. Então, desligou o computador, levantou de sua mesa e pediu demissão. É esse poder de transformar a realidade sem sentido que o filósofo australiano Roman Krznaric, autor do livro, deseja despertar nas pessoas que buscam dar um novo significado ao que fazem.
Roman é um dos fundadores da The School of Life, uma espécie de escola alternativa, fundada em Londres em 2008 por escritores e filósofos (entre eles, Alain de Botton), para promover cursos de curta duração e encontros para discutir questões práticas da vida. No Brasil, o livro recebeu o título Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida (Objetiva, 177 páginas).
O mérito de Roman é explicar a inquietação de um grupo cada vez maior de profissionais e sugerir um método de reflexão para reposicionar a carreira. "Nunca um número tão grande de pessoas sentiu tanta insatisfação com a vida profissional e tanta incerteza sobre como resolver o problema", disse Roman em entrevista a VOCÊ S/A.
Pesquisas recentes apontam que na Europa, 60% dos profissionais escolheriam uma carreira diferente se isso fosse possível e, nos Estados Unidos, o nível de satisfação com a ocupação é dos mais baixos que se tem registro.
No Brasil, a pesquisa feita para o Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar aponta que os funcionários estão menos satisfeitos a cada ano, embora as companhias tenham melhorado suas práticas de RH . Mas você nem precisaria desses dados para se dar conta de que tem muita gente infeliz com o que faz.
Basta puxar o assunto numa mesa de bar, que alguém vai reclamar de não ver propósito no trabalho. Para alguns, um salário generoso é o bastante. Segundo Roman, a partir do momento que a renda é suficiente para cobrir as necessidades básicas, aumentos acrescentam pouco ao nível de satisfação do funcionário.
"Quando se trabalha apenas por um salário é porque o emprego é só um meio para encontrar sentido fora dali", diz Taynã Malaspina, mestre em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Nem todo mundo pensa assim. O banqueiro carioca André Esteves, presidente do banco de investimento BTG Pactual, afirma que só contrata Ph.Ds, que no BTG é um acrônimo para "poor, hungry and desperate to get rich" (em bom português, "pobre, esfomeado e desesperado para ficar rico").
"Nós queremos profissionais ousados, com sangue na boca, que gostem de empreender e ganhar dinheiro", diz Renata Santiago, advogada que fez carreira no banco na área de gestão de grandes fortunas e, há sete anos, migrou para o RH do BTG. Detalhe: o programa de trainee do BTG, que está no terceiro ano, recebe 5 mil currículos de jovens interessados em ficar milionários depois de alguns poucos anos de muita, muita, ralação.
Roman não se convence por exemplos como o do BTG. Para ele, trata-se de um perfil específico de trabalhador, cujas ambições não necessariamente correspondem às da maioria das pessoas. De acordo com Roman, há outros quatro fatores, além da grana, que fazem com que o profissional se sinta motivado. São eles: ter status, fazer a diferença no mundo, usar seus talentos e colocar em prática suas paixões.
Trabalho com significado
Com mais gente buscando sentido no que faz, surgem grupos de pessoas que questionam a relação que têm com o emprego. É o exemplo da comunidade Escape the City, que começou como um movimento de três ingleses insatisfeitos com as corporações nas quais trabalhavam e reúne hoje mais de 100.000 pessoas em seu site.
O objetivo do Escape the City é fazer a ponte entre quem busca oportunidades de trabalho fora de grandes organizações e possíveis empregadores. Aqui no Brasil, o site 99jobs, montado por jovens profissionais que saíram de empresas como Odebrecht e Santander, se propõe a conectar, com 99% de assertividade (daí o 99 do nome), jovens e empresas que comungam dos mesmos valores.
Enquanto isso, o site Continue Curioso conta, por meio de curtos vídeos, as histórias de pessoas que buscam ser felizes com suas ocupações. "Nossa ideia não é filmar exclusivamente quem foi atrás dessa satisfação fora das empresas", afirma Julia na Mendonça, uma das idealizadoras do site, "mas também quem encontra soluções não convencionais para realizar o trabalho em que acredita", diz Cristiane Schmidt, uma das sócias do CC.
Infeliz, por quê?
Mas por que tantos questionamentos de carreira surgem neste momento? Para Roman Krznaric, os fatores que agregam o "sentido da vida" migraram de outras esferas sociais para o trabalho. Quando não era possível escolher a profissão (não faz tanto tempo assim, pergunte a seus avós se eles tiveram chance de escolher onde trabalhar), as pessoas conseguiam encontrar significado na religião e na vida em comunidade.
"Por um lado, houve um declínio da importância da religião nas nossas vidas", diz Roman, "e, por outro, passamos a viver em grandes cidades, o que fez com que pequenas comunidades deixassem de existir como antes". Então, o trabalho foi ganhando cada vez mais importância social, passou a ser uma fonte de significado.
Mas, se há mais oportunidades de trabalho, por que vivemos tão angustiados com a opção profissional que fizemos? Ter mais possibilidades de carreira parece ótimo, mas pode ser também extremamente frustrante. O psicólogo americano Barry Schwartz chama isso de paradoxo da escolha.
Schwartz usa uma analogia para explicar a situação. Quando as pessoas tinham apenas uma opção de modelo de calça jeans para comprar, era aquela que adquiriam, por mais que ela só se tornasse confortável depois de lavada algumas vezes. Hoje, ao entrar numa loja de roupas, o consumidor se sente perdido entre as possibilidades de modelos, tecidos, lavagens.
Quando finalmente leva um jeans para casa, não parece que aquele era, de fato, o melhor de todos. Para Schwartz, assim como temos uma grande quantidade de opções de produtos, passamos a ter uma grande quantidade de escolhas na vida. O que Schwartz quer dizer é que há mais possibilidades de escolha e, portanto, mais possibilidades de ser feliz.
Se você vai conseguir optar por algo que o realize já é outra questão. "Aumentar opções de realização no trabalho aumenta também as expectativas de que a escolha feita deve ser boa", diz o psicólogo americano. A saída, segundo ele, é lidar com o desconforto em relação ao que é deixado de lado.
Respeito e bons amigos
"Buscar a plena e ‘eterna’ identificação com o trabalho é um mito", diz Pedro Bendassoli, professor de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Isso porque não há uma identidade imutável, e é justamente à medida que as pessoas trabalham e se frustram que entendem o que as move.
Para Roman, a melhor maneira de lidar com isso é pensar que não se tem apenas uma identidade. Então, por mais que sim, o trabalho seja uma parte da identidade, muitas atividades podem assumir esse espaço, não apenas o emprego do momento.
Na galeria abaixo, você vai conhecer 15 histórias de profissionais que não abrem mão de se sentir felizes com o que fazem.
Para isso, tiveram de bancar suas escolhas e, muitas vezes, renunciar às posses materiais, a um salário mais atraente ou ao próprio emprego, para descobrir a satisfação em outra atividade. O que todos têm em comum é a vontade de ver no mundo os efeitos de seu trabalho —uma contribuição única.
São Paulo - Quando a edição do livro How to Find Fulfilling Work terminou, o editor responsável pelo projeto ficou satisfeito com o resultado. Então, desligou o computador, levantou de sua mesa e pediu demissão. É esse poder de transformar a realidade sem sentido que o filósofo australiano Roman Krznaric, autor do livro, deseja despertar nas pessoas que buscam dar um novo significado ao que fazem.
Roman é um dos fundadores da The School of Life, uma espécie de escola alternativa, fundada em Londres em 2008 por escritores e filósofos (entre eles, Alain de Botton), para promover cursos de curta duração e encontros para discutir questões práticas da vida. No Brasil, o livro recebeu o título Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida (Objetiva, 177 páginas).
O mérito de Roman é explicar a inquietação de um grupo cada vez maior de profissionais e sugerir um método de reflexão para reposicionar a carreira. "Nunca um número tão grande de pessoas sentiu tanta insatisfação com a vida profissional e tanta incerteza sobre como resolver o problema", disse Roman em entrevista a VOCÊ S/A.
Pesquisas recentes apontam que na Europa, 60% dos profissionais escolheriam uma carreira diferente se isso fosse possível e, nos Estados Unidos, o nível de satisfação com a ocupação é dos mais baixos que se tem registro.
No Brasil, a pesquisa feita para o Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar aponta que os funcionários estão menos satisfeitos a cada ano, embora as companhias tenham melhorado suas práticas de RH . Mas você nem precisaria desses dados para se dar conta de que tem muita gente infeliz com o que faz.
Basta puxar o assunto numa mesa de bar, que alguém vai reclamar de não ver propósito no trabalho. Para alguns, um salário generoso é o bastante. Segundo Roman, a partir do momento que a renda é suficiente para cobrir as necessidades básicas, aumentos acrescentam pouco ao nível de satisfação do funcionário.
"Quando se trabalha apenas por um salário é porque o emprego é só um meio para encontrar sentido fora dali", diz Taynã Malaspina, mestre em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Nem todo mundo pensa assim. O banqueiro carioca André Esteves, presidente do banco de investimento BTG Pactual, afirma que só contrata Ph.Ds, que no BTG é um acrônimo para "poor, hungry and desperate to get rich" (em bom português, "pobre, esfomeado e desesperado para ficar rico").
"Nós queremos profissionais ousados, com sangue na boca, que gostem de empreender e ganhar dinheiro", diz Renata Santiago, advogada que fez carreira no banco na área de gestão de grandes fortunas e, há sete anos, migrou para o RH do BTG. Detalhe: o programa de trainee do BTG, que está no terceiro ano, recebe 5 mil currículos de jovens interessados em ficar milionários depois de alguns poucos anos de muita, muita, ralação.
Roman não se convence por exemplos como o do BTG. Para ele, trata-se de um perfil específico de trabalhador, cujas ambições não necessariamente correspondem às da maioria das pessoas. De acordo com Roman, há outros quatro fatores, além da grana, que fazem com que o profissional se sinta motivado. São eles: ter status, fazer a diferença no mundo, usar seus talentos e colocar em prática suas paixões.
Trabalho com significado
Com mais gente buscando sentido no que faz, surgem grupos de pessoas que questionam a relação que têm com o emprego. É o exemplo da comunidade Escape the City, que começou como um movimento de três ingleses insatisfeitos com as corporações nas quais trabalhavam e reúne hoje mais de 100.000 pessoas em seu site.
O objetivo do Escape the City é fazer a ponte entre quem busca oportunidades de trabalho fora de grandes organizações e possíveis empregadores. Aqui no Brasil, o site 99jobs, montado por jovens profissionais que saíram de empresas como Odebrecht e Santander, se propõe a conectar, com 99% de assertividade (daí o 99 do nome), jovens e empresas que comungam dos mesmos valores.
Enquanto isso, o site Continue Curioso conta, por meio de curtos vídeos, as histórias de pessoas que buscam ser felizes com suas ocupações. "Nossa ideia não é filmar exclusivamente quem foi atrás dessa satisfação fora das empresas", afirma Julia na Mendonça, uma das idealizadoras do site, "mas também quem encontra soluções não convencionais para realizar o trabalho em que acredita", diz Cristiane Schmidt, uma das sócias do CC.
Infeliz, por quê?
Mas por que tantos questionamentos de carreira surgem neste momento? Para Roman Krznaric, os fatores que agregam o "sentido da vida" migraram de outras esferas sociais para o trabalho. Quando não era possível escolher a profissão (não faz tanto tempo assim, pergunte a seus avós se eles tiveram chance de escolher onde trabalhar), as pessoas conseguiam encontrar significado na religião e na vida em comunidade.
"Por um lado, houve um declínio da importância da religião nas nossas vidas", diz Roman, "e, por outro, passamos a viver em grandes cidades, o que fez com que pequenas comunidades deixassem de existir como antes". Então, o trabalho foi ganhando cada vez mais importância social, passou a ser uma fonte de significado.
Mas, se há mais oportunidades de trabalho, por que vivemos tão angustiados com a opção profissional que fizemos? Ter mais possibilidades de carreira parece ótimo, mas pode ser também extremamente frustrante. O psicólogo americano Barry Schwartz chama isso de paradoxo da escolha.
Schwartz usa uma analogia para explicar a situação. Quando as pessoas tinham apenas uma opção de modelo de calça jeans para comprar, era aquela que adquiriam, por mais que ela só se tornasse confortável depois de lavada algumas vezes. Hoje, ao entrar numa loja de roupas, o consumidor se sente perdido entre as possibilidades de modelos, tecidos, lavagens.
Quando finalmente leva um jeans para casa, não parece que aquele era, de fato, o melhor de todos. Para Schwartz, assim como temos uma grande quantidade de opções de produtos, passamos a ter uma grande quantidade de escolhas na vida. O que Schwartz quer dizer é que há mais possibilidades de escolha e, portanto, mais possibilidades de ser feliz.
Se você vai conseguir optar por algo que o realize já é outra questão. "Aumentar opções de realização no trabalho aumenta também as expectativas de que a escolha feita deve ser boa", diz o psicólogo americano. A saída, segundo ele, é lidar com o desconforto em relação ao que é deixado de lado.
Respeito e bons amigos
"Buscar a plena e ‘eterna’ identificação com o trabalho é um mito", diz Pedro Bendassoli, professor de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Isso porque não há uma identidade imutável, e é justamente à medida que as pessoas trabalham e se frustram que entendem o que as move.
Para Roman, a melhor maneira de lidar com isso é pensar que não se tem apenas uma identidade. Então, por mais que sim, o trabalho seja uma parte da identidade, muitas atividades podem assumir esse espaço, não apenas o emprego do momento.
Na galeria abaixo, você vai conhecer 15 histórias de profissionais que não abrem mão de se sentir felizes com o que fazem.
Para isso, tiveram de bancar suas escolhas e, muitas vezes, renunciar às posses materiais, a um salário mais atraente ou ao próprio emprego, para descobrir a satisfação em outra atividade. O que todos têm em comum é a vontade de ver no mundo os efeitos de seu trabalho —uma contribuição única.