Carreira

Como as pilotos conciliam horários loucos, aviões e maternidade

Mães que trabalham pilotando aviões na Azul contam seus segredos e truques para dar conta do recado em casa e na carreira

Comandante Aline, a filha Helena e o marido: " “Posso voltar para casa às 14h, ou à 0h”, diz (acervo pessoal/Site Exame)

Comandante Aline, a filha Helena e o marido: " “Posso voltar para casa às 14h, ou à 0h”, diz (acervo pessoal/Site Exame)

Camila Pati

Camila Pati

Publicado em 14 de maio de 2017 às 06h00.

Última atualização em 14 de maio de 2017 às 09h41.

São Paulo -  A rotina de um piloto de avião é não ter rotina. Na Azul, por exemplo, comandantes e copilotos ficam sabendo como será o próximo mês, duas semanas antes dele começar.

“No dia 15, sai a escala do mês seguinte”, explica Aline Silveira Lima, de 37 anos, comandante na companhia aérea. Os horários de trabalho são mesmo malucos: há dias em que ela sai de casa 3h da manhã para decolar às 5h do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), em outros o expediente nos ares pode começar, por exemplo às 16h. “Posso voltar para casa às 14h, ou à 0h”, diz.

Se não há horário certo, rota fixa também não. Comandantes e copilotos voam por todo Brasil e podem sinalizar apenas a preferência por escalas com mais ou menos pernoites fora de casa. “Em 90% dos casos dá certo, mas não é garantido que a gente consiga”, diz Aline.

Já que ela e o marido são pilotos da Azul, são duas escalas para conciliar todo mês. Quer dizer, na verdade são três. “Eu imprimo as duas e faço mais uma, a da Helena”, diz a comandante, que planeja como vai ser a escala de cuidados com a filha, que tem três anos.

Como acontece em geral com as mães que trabalham fora, Aline mobiliza toda uma rede de pessoas. “Eu, meu marido e, nos dias em que não estamos em casa, temos uma funcionária. Há vezes, porém, em que a sua irmã e os avós também precisam entrar na escala da Helena.

Com planejamento e apoio da sua rede, tudo é possível hoje, mas Aline confessa que conciliar o trabalho nos ares e a maternidade foi uma preocupação desde o momento em que descobriu estar grávida. “Era a principal preocupação, e pensava em qual seria a logística”, lembra a comandante.

As palavras rotina e logística se repetem na fala das entrevistadas. Bárbara Souza e Silva, copiloto da Azul e mãe da Valentina de um ano, compartilha da mesma necessidade de planejamento.

“Não vou dizer que é fácil ser mãe e piloto de avião, moro em São Paulo, mas assumo os voos no Rio de Janeiro. Então preciso de uma certa logística para fazer dar certo”, conta.  Marido, sogros e uma babá se dividem para que tudo corra bem enquanto ela está voando.

Maternidade e carreira sem rotina desafiam igualmente a comandante da Azul, Caroline Damé Vlasak, de 35 anos, mãe da pequena Clara, de um ano.

“Por ser uma profissão extremamente técnica e com uma rotina diferente das demais atividades, tive um pouco de dificuldade no começo para me organizar, conciliar as rotinas da casa e da minha filha com os estudos para voltar a trabalhar”, conta Caroline. Trocar horas de sono pelos estudos para “voltar à antiga forma” profissional foi o caminho encontrado.

Caroline: "Tive um pouco de dificuldade no começo para me organizar" (acervo pessoal/Divulgação)

As horas de sono diminuem, mas a ambição de carreira, não

Segundo dados obtidos com exclusividade por EXAME.com da pesquisa da Accenture - Getting to Equal 2017, com a participação de milhares de profissionais sendo mais de 4,9 mil mães e, entre elas, 165 brasileiras -  a maternidade pode diminuir muitas coisas – como as noites de sono, por exemplo - mas a ambição de carreira não é afetada.

As mães têm até mais vontade de crescer que as profissionais que não possuem filhos, indica o estudo da Accenture. Entre brasileiras entrevistadas, 85% das mães aspiram ser promovidas, percentual maior do que a expectativa das profissionais que não são mães (75%).

“Houve um forte questionamento da minha parte sobre o retorno ao trabalho, mas o amor à profissão me fez ir em frente”, diz Caroline.  É a mesma paixão que move a comandante Aline pelos ares. “Quando eu entro num avião eu penso: é aqui que eu quero estar”, diz Aline.

Mas, a comandante Caroline confessa que a competitividade no mercado deu um empurrãozinho extra na motivação. “A aviação é uma área bastante restrita e seria difícil parar por um tempo e depois retomar a carreira e eu queria muito continuar voando”, diz.

Afastamento do trabalho começa já na gravidez para aeronautas

“Assim que descobri que estava grávida, fui afastada”, diz Caroline. Isso também aconteceu com Aline, assim como ocorre com todas as aeronautas segundo determinação da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) e da legislação complementar expedida pela ANAC.

“A lei que regulamenta a profissão de aeronauta no Brasil, não permite que piloto e comissário de voo trabalhe grávida, por conta dos efeitos da pressurização e por sermos agentes de segurança de voo”, diz a copiloto Bárbara.

Para Aline, a descoberta da gravidez foi um choque porque ela acabara de ser promovida a piloto e começaria o treinamento no simulador dentro de alguns dias.

A gestação faz com a mulher perca na hora o CMA (Certificado Médico Aeronáutico) e ela sabia que precisava avisar rapidamente a liderança da Azul para que fosse substituída e o treinamento do seu copiloto não fosse interrompido. “Fiquei apreensiva mas tive todo o apoio”, conta Aline.

Esse suporte é fundamental segundo as entrevistadas pela Accenture. Noventa por cento das profissionais brasileiras que são mães relataram ser essencial trabalhar para uma empresa que possui uma boa reputação no que se refere ao apoio para que mulheres avancem em suas carreiras.

Mas nem sempre é o que acontece. A Accenture também indica que só 23% das mães entrevistadas retornaram a um emprego com uma jornada flexível de trabalho.

Na Azul, quando as mães aeronautas retornam elas podem, durante os seis primeiros meses, fazer “voos bate-volta”. “Você consegue retornar todo dia para casa. Depois desse período é que mulher volta para rota normal”, diz Aline.

Esse benefício é o que a comandante Caroline chamou de “escala de amamentação”. A possibilidade de interromper a amamentação é o que é mais difícil do retorno, na sua opinião.

“A minha decisão de amamentar a Clara até os dois anos não mudou e vou fazer de tudo para que isso aconteça, dentro das necessidades dela”, diz.

Copiloto Bárbara ao lado do seu comandante: "Não vou dizer que é fácil ser mãe e piloto de avião" (acervo pessoal/Divulgação)

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