Brasileiros que se mudaram para Finlândia compartilham uma lição: a vida não é só trabalho
O estilo “work-life balance” é algo comum no país considerado o mais feliz do mundo; veja quais iniciativas existem lá e que poderiam ser praticadas no Brasil
Repórter
Publicado em 24 de agosto de 2024 às 08h39.
Última atualização em 24 de agosto de 2024 às 10h24.
Em agosto de 2012 arquiteta Juliana Padilha Riekki, de 38 anos, decidiu deixar a capital do Rio de Janeiro para viver em Tampere, cidade mais popular da Finlândia. O casamento com um finlandês não foi o único motivo que a levou a trocar o calor do Rio de Janeiro pelo frio intenso do país nórdico. As condições de trabalho atraíram Riekki que viu no país um lugar bom para trabalhar e construir uma família.
“Dentro da minha área, na época em que sai do Brasil, era comum contratar arquitetos como MEI. Isso gerava uma sensação de insegurança muito grande, já que dessa forma todas as conquistas trabalhistas que todos deveríamos usufruir eram descartadas”, afirma a brasileira que hoje trabalha na Finlândia como arquiteta em um escritório especializado em arquitetura hospitalar.
O publicitário André Moreira Forni, de 39 anos, tomou a mesma decisão. Trocou São Paulo por Helsinki, cidade no sul da Finlândia, em 2021. Junto com a esposa e a primeira filha, ele se mudou para ocupar o cargo de diretor de arte de uma empresa de jogos digitais e em busca de mais qualidade de vida.
“Existe um real respeito pelo balanço entre trabalho e vida pessoal aqui na Finlândia. No trabalho, se é cobrado produtividade e ação, mas a partir das 16h30 todos começam a sair, todos entendem a importância de se ter uma vida pessoal funcional.”
No Brasil, Forni lembra que já teve um benefício parecido, mas não pode aceitar por ser a exceção. “Eu sairia por conta do meu cargo, mas meus colegas estariam trabalhando enquanto isso. Não achava justo”.
Em entrevista à Exame, os dois brasileiros compartilham os benefícios que a cultura de trabalho na Finlândia pode trazer para o Brasil.
O respeito pelo profissional é de dentro para fora
Na Finlândia, é comum as empresas investirem na qualidade de vida dos profissionais para que eles não queiram ou precisem sair das empresas. Na Supercell, onde o publicitário Forni trabalha, suas duas filhas estudam em uma creche que fica no mesmo prédio da empresa.
“Consigo tomar um café vendo minhas filhas brincando em um parquinho. Eu recebo um bom salário, mas o que me faz gostar mesmo da minha empresa é sentir que ela se importa. E o legal disso, é que eu crio uma pressão em mim mesmo de fazer um excelente trabalho para retribuir o carinho que recebo”, afirma Forni.
Uma medida que algumas empresas na Finlândia costumam adotar é “fechar as portas” durante o mês de julho, que é o verão, para que os funcionários possam aproveitar a temporada.
“Essa medida é motivada por causa do intenso inverno, que costuma ser uma temporada mais longa, em que é difícil ter programas de lazer com a família fora de casa”, afirma Forni.
Antes de se mudar para o país europeu, a brasileira Riekki estudou as oportunidades de trabalho e levou em consideração o respeito que os finlandeses tem com a carreira profissional. Ela afirma que uma vez contratada, a pessoa tem direitos que são levados muito a sério.
“Por exemplo, antes de você ser dispensado, seu líder tem que demonstrar que tentou te manter por outras vias, como investimento em treinamento ou mudança de área. Aqui as ferramentas de proteção ao trabalhador são de fato praticadas”, diz a brasileira que antes de se mudar conheceu o mercado internacional e fez um mestrado no país europeu.
A cultura do"work-life balance"
O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal passou a ser mais praticado após a pandemia, mas ainda assim muitos profissionais se assustam com o benefício. Para Forni foi difícil reduzir os passos e dar prioridade para outras áreas da vida que não seja o trabalho.
“No Brasil eu estava acostumado a trabalhar das 09h às 20h, enquanto aqui eu trabalho das 09h00 às 16h30. Aprender a focar e se programar para sair no horário sem levar trabalho no pensamento, para me adaptar levou um tempo”, afirma o publicitário.
Por causa do horário, Forni conseguiu ter mais tempo em família, especialmente no verão quando os dias são mais longos.
“Consigo ir para parques, levar minhas filhas nas aulas, pegar um barco para uma ilha próxima e até aproveitar uma das praias locais. Eu sinto que estou realmente fazendo parte da vida das minhas filhas, e elas da minha”, diz.
O tempo em família é valioso para Riekki, e ela consegue aproveitar, porque o país se adaptou muito bem com o home office após pandemia. “Temos mais abertura para fazer home office, o que aumenta o tempo de estar com a minha família”, diz. “No verão nós passamos muito tempo passeando no lago ou aproveitando nosso jardim. Temos qualidade de vida, além do trabalho”, afirma a arquiteta que tem dois filhos, um menino de 10 e uma menina de 4 anos.
Apesar do finlandês não ser um idioma fácil e do clima frio espantar muitos profissionais internacionais, Riekki afirma que prefere ser 'a arquiteta brasileira' na Finlândia do que ser 'mais uma arquiteta' no Rio.
“Aqui fui vista além de profissional, mas como pessoa também. Nosso bem-estar é levado muito a sério e anualmente fazemos avaliação no escritório como um todo, onde podemos expressar nossas vontades e expectativas.”
O que o Brasil pode aprender com a Finlândia?
Uma das lições que a cultura do trabalho na Finlândia oferece ao mundo é a importância de valorizar o profissional. Além de tentar manter o trabalhador por diferentes vias, a brasileira Riekki afirma que as empresas reconhecem o esforço do time.
“Quando as empresas reconhecem o esforço e o investimento de tempo na formação de um funcionário, elas geram trabalhadores mentalmente mais saudáveis e consequentemente resultados melhores no trabalho em si”, diz.
O respeito ao tempo pessoal e do trabalho é outra lição do país mais feliz do mundo, segundo Riekki. “Uma vez que é possível balancear tempo de lazer e trabalho, tem-se profissionais mais satisfeitos, mais saudáveis e, consequentemente, mais produtivos, porque no final, o tempo é o que há de mais valioso”.
Para o publicitário Forni, voltar ao estilo de vida que tinha antes não é mais possível. “É preciso valorizar a qualidade de vida como um ‘meio de remuneração’. A qualidade de vida precisa fazer parte do pacote de benefícios que a empresa oferece ao funcionário, isso é confiar que ele vai fazer um bom trabalho, e acredite, quem tem um voto de confiança, não vai querer desperdiçar”.