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Como fica o RH no momento em que a empresa abre o capital?

Saiba como o profissional de RH precisa trabalhar antes e depois de um processo de abertura de capital para garantir um desempenho positivo da companhia

A vida do RH num IPO (Foto Marcelo Spatafora, agradecimento Bovespa)

A vida do RH num IPO (Foto Marcelo Spatafora, agradecimento Bovespa)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 15h29.

São Paulo - Falar em abertura de capital no Brasil hoje já não é algo restrito a poucas empresas. Desde 2004, 132 companhias foram à Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) buscar recursos para impulsionar seus negócios. A crise financeira de 2008 reduziu o ritmo das ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês), mas a retomada já começou. Espera-se que neste ano seja realizado quase o dobro de IPOs registrados em 2010 (veja quadro IPOs de Volta). “O país está bem posicionado no mundo e o mercado financeiro brasileiro amadureceu.

Essa é uma realidade que veio para ficar”, diz Tereza Kaneta, presidente da MZ América Latina, consultoria de relações com investidores que assessorou 92% das empresas que abriram capital no Brasil nos últimos sete anos. Diferentemente de um aporte de recursos mais simples, como um financiamento, esse processo provoca mudanças na estrutura das organizações e requer novas responsabilidades.

“A companhia passa a ter de prestar contas a uma série de acionistas, e não apenas ao presidente, o que exige uma mudança na atitude e na estrutura organizacionais”, diz Renê Coppe Pimentel, coordenador do MBA Finanças, Comunicação e Relação com Investidores, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), da Universidade de São Paulo. “Apesar de nem sempre liderar o processo, o RH é fundamental para coordenar essa reorganização.” 

O envolvimento da área de recursos humanos durante um processo de IPO pode ter impacto determinante no desempenho da companhia. Num estudo com empresas que abriram capital nos Estados Unidos a partir de 1988, a americana Theresa Welbourne, professora do Centro para Organizações Eficazes da Universidade do Sul da Califórnia, descobriu que uma boa gestão de RH tende a ter impacto negativo no primeiro momento do IPO (pois é vista como custo), mas garante a sobrevivência das organizações depois do IPO (com até 92% de chance de se manter ativa cinco anos depois), além de garantir alta das ações já 90 dias após a listagem na bolsa.

Entre os fatores avaliados estavam aqueles que mostravam o valor dado aos empregados, como a presença de um RH ou a forma de remuneração. A razão para o impacto positivo depois do IPO, segundo Theresa, é a criação de uma coesão estrutural, “uma sinergia gerada pelos empregados que leva a companhia adiante”. 


O papel do RH no processo de IPO varia de empresa para empresa, pois cada uma chega nessa etapa em estágio de desenvolvimento diferente. Algumas já têm uma boa estrutura de governança corporativa implementada, diálogo com investidores e uma área de recursos humanos proativa, o que facilita.

Mas também há empresas familiares pouco profissionalizadas, que contam apenas com um departamento pessoal. No processo de abertura de capital, há uma série de etapas a serem desenvolvidas, antes e depois da batida do martelo na bolsa, seja por regulamentos, seja por necessidade interna, que podem exigir alterações (ou mais trabalho) no setor de recursos humanos. A seguir, alguns tópicos que vão pedir maior atenção e participação do executivo de RH e como ele pode reagir em cada ponto para garantir o bom desempenho da companhia. 

Novas posições, novos cargos

Na preparação para o IPO, a primeira mudança que quase todas as empresas vivenciam é a criação de áreas novas, como o setor de relações com investidores (RI), que faz uma ponte entre a companhia e o público. Nesse caso, o primeiro passo é identificar se há pessoas para os novos cargos. A companhia carioca Mills, que presta serviços de engenharia, como fornecimento de andaimes e escoramentos, abriu capital em abril do ano passado e teve de buscar vários profissionais no mercado. Na lista, estavam o diretor do departamento de RI, profissionais para trabalhar com ele, um gerente financeiro, um controller, um advogado, um gerente de desenvolvimento de pessoal e um coordenador de remuneração. “O ano de 2010 demandou principalmente contratações e treinamento”, diz Cristinna Rebelo, diretora de RH da empresa. 

Já na rede de laboratórios Fleury, que fez seu IPO em 2009, a solução foi formar o profissional de RI internamente. Meses antes da estreia na Bolsa, o RH do grupo começou a desenvolver uma pessoa da área financeira e outra de comunicação. Depois da decisão pelo profissional de finanças, investiram em cursos. “Foi interessante ver o desenvolvimento desse funcionário, porque é difícil achar um no mercado. É processo longo”, diz Maria Lucia Ferraz, diretora executiva de pessoas do grupo Fleury. No caso específico da área de RI, a complicação vem do fato de não haver uma graduação para a função, apenas cursos de especialização.


Outras contratações podem ser necessárias em casos de empresas familiares que vejam a necessidade de ter uma gestão mais profissional, ou ainda quando os profissionais não se adequam à nova situação da empresa. “É necessário reavaliar os funcionários. Um diretor financeiro que não está apto a falar em público pode ter de ser substituído ou treinado”, diz Ken Wechsler, consultor sênior da Compensia, empresa americana especializada em sistemas de remuneração, que hoje auxilia 40 empresas com IPO em vista para os próximos três anos.

Mudança de cultura

Treinamento é palavra-chave entre as atribuições do RH na abertura de capital. O processo exige o desenvolvimento de uma nova cultura de transparência e diálogo com múltiplos interlocutores. “A organização tem que mudar seus processos de trabalho. Ela passa a ter auditores externos, conselho de administração, entre outras novidades”, diz Vicente Picarelli, sócio responsável pela área de capital humano da consultoria Deloitte. “O RH tem que trabalhar essa cultura de compliance, de atenção a regulamentos.” Até lançar ações na bolsa, em 2007, a construtora mineira MRV Engenharia tinha apenas uma lista de valores definidos.

Para o IPO, o RH teve de sistematizar um código de conduta, seguindo todas as regras de governança corporativa e de comportamento de uma empresa de capital aberto. Foi criado o portal de ensino à distância Clic & Saiba, para divulgar o novo código, e todo novo funcionário tem de assinar embaixo. “No IPO, o desafio é grande nas questões de transparência e sigilo. É necessária uma mudança de atitude”, diz Júnia Galvão, diretora executiva de administração da MRV, responsável pelo RH. 

Outra mudança é a adequação de algumas áreas aos regulamentos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que incluem o registro de companhia aberta e a elaboração de relatórios trimestrais com regras contábeis específicas, entre outras. A construtora Tecnisa, que também abriu capital em 2007, fez palestras para os gestores sobre governança corporativa, compliance e o funcionamento do Novo Mercado, da Bovespa. “Tudo começou antes do IPO, mas seguiu na fase posterior. A equipe de contabilidade, por exemplo, foi se adaptando às novas regras”, diz Denise Bueno, gerente de RH da empresa. 

Uma parte mais burocrática do processo de IPO envolve a elaboração de documentos com dados sobre a companhia para apresentar ao mercado. Entre eles, há alguns de responsabilidade do RH, como os perfis dos principais executivos, o sistema de remuneração da empresa e a situação de processos trabalhistas, já que podem ter influência no patrimônio da organização. “É uma preparação documental complexa. Às vezes as corporações buscam ajuda externa para isso”, diz Picarelli, da Deloitte.


O detalhamento da remuneração de executivos é um dos pontos que causam mais polêmica no Brasil, por causa do medo de sequestro. “Nos Estados Unidos, é comum ter esses dados abertos uma vez por ano, mas aqui as empresas divulgam essas informações por área, evitando dar valores individualizados”, diz Tereza Kaneta, da MZ. “O racional por trás da divulgação é que os investidores precisam avaliar se os executivos dão retorno para a companhia”, explica. Na MRV, o departamento de RH acompanha constantemente as remunerações no mercado. “Não podemos estar com valores acima do praticado, pois os acionistas vão nos cobrar, nem abaixo, pois podemos perder gente”, diz Júnia. 

Um novo jeito de remunerar

É na política de remuneração que também pode haver grandes mudanças por causa da abertura de capital. No momento em que a empresa passa a ter ações com liquidez na bolsa, os planos de opções de ações tornam-se interessantes como mais um mecanismo de atração e retenção de talentos. Muitas empresas acabam desenvolvendo planos de stock options por causa do IPO. Nesse caso, o RH precisa estudar o mercado. “É necessário decidir quem será o público-alvo, se haverá carência para a venda da ações, entre outros detalhes”, diz Ken Wechsler, da Compensia.

Na Renova Energia, especializada em projetos para uso de fontes renováveis, a ampliação do plano de opções de ações após o IPO, realizado em julho de 2010, provocou mudanças grandes na área de gestão de pessoas. A primeira foi a criação da área de RH, cujas funções, até então, eram terceirizadas. “Montamos uma área de RH interna para ajudar a explicar os benefícios do programa aos profissionais”, diz Ricardo Delneri, diretor-copresidente da Renova.

Dos 100 funcionários, cerca de 40% participam do plano, que premia de altos executivos a gerentes de áreas estratégicas. “A atuação do RH foi de contextualizar o que é o programa e a mudança da visão do funcionário, de colaborador para um associado”, diz Wilson Albertoni Oliveira, gerente de recursos humanos da empresa. “O plano é de extrema importância para captação e retenção de talentos. O sentimento de ser um acionista gera no colaborador maior comprometimento e vontade de fazer parte do futuro da companhia, pois ele sabe o valor da recompensa.”


Clima organizacional 

A introdução de um sistema de remuneração variável, porém, exige cuidados, na opinião de Cesar Bullara, professor do departamento de gestão de pessoas do ISE-Educação Executiva, em São Paulo. “É recomendável fazer um contrapeso com avaliação de desempenho, para não pensar só em metas, e sim no clima. Uma pesquisa de clima pode ser inserida como fator importante na avaliação dos profissionais”, observa Bullara. 

Perto do Dia D, o clima dentro da organização é uma das preocupações primordiais. “Como toda mudança, num processo de IPO sempre há grande apreensão sobre o que muda na vida de cada funcionário”, diz Osvino Pinto de Souza Filho, coordenador do núcleo de gestão em saúde da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. “Um dos papéis mais importantes do RH nessa fase é organizar a comunicação interna do processo, de forma transparente e cuidadosa, para não alimentar ansiedades.” 

Para deixar claro qual seria o impacto do IPO na vida dos funcionários, o departamento de RH do Fleury organizou palestras para as lideranças da empresa, incluindo os coordenadores, que depois repassaram as informações a suas equipes. Nos encontros, havia representantes do grupo, da Bovespa e de outra companhia do setor de saúde que já tinha aberto capital, para contar como seria a dinâmica do processo e as mudanças no dia a dia de cada um.

“O objetivo era informar e educar. Questões importantes abordadas foram sigilo de informação e como as pessoas deveriam se comportar, pois os resultados não podem ser divulgados antes dos anúncios oficiais”, conta Maria Lucia, do Fleury. Seis meses antes da listagem na bolsa, diretores e gerentes seniores de algumas áreas do grupo ainda participaram de um curso de imersão na CVM. A preocupação com o clima nas empresas também se estende para depois do IPO e no dia do evento. Muitas companhias transmitem ao vivo o pregão de estreia. 

Recrutar, selecionar e treinar 

Participar das discussões sobre o processo de abertura de capital pode ser tarefa importante para o RH, sobretudo para o que vem depois. Um dos motivos é garantir que seja possível realizar os objetivos da empresa com a captação de recursos na bolsa. Não raro as motivações do IPO envolvem expansão de unidades ou de novos negócios, o que demanda um trabalho pesado do RH. No ano passado, quando fez seu IPO, a Mills dobrou o número de filiais (agora são 40) e teve o número de funcionários ampliado de 3 400 para 4 300.


Para dar conta do crescimento, foram ministradas 85 000 horas de treinamento técnico, operacional e comportamental. “Também implantamos um sistema de gestão de desempenho, com objetivo de mapear as defasagens de competência e orientar os programas de desenvolvimento de pessoas”, diz Cristinna. A empresa ainda fez uma revisão dos planos de remuneração e de carreira para atrair e reter talentos. “Isso exigiu da área de RH uma atuação menos operacional e um maior entendimento das atividades da companhia”, completa Cristinna. 

A função mais estratégica do RH é vista como fundamental num processo de IPO. “Ele precisa sentar à mesa, no nível dos diretores, para poder dizer o que será necessário fazer para garantir retorno aos investidores”, diz Souza Filho, da Fundação Dom Cabral. “O RH tem que acompanhar a proposta do que se espera do IPO, para ser mais ágil em recrutamento e seleção.” Foi essa mudança de papel que garantiu à MRV não ter tantos gargalos para crescer nos últimos quatro anos, na opinião da responsável pelo RH, Júnia Galvão: “Se o RH não adotasse uma posição mais estratégica, não daria conta do trabalho”.

Em 2008, no ano seguinte ao IPO, a empresa fundiu a área de recursos humanos com a de desenvolvimento organizacional, criada por causa da abertura de capital. “Essa área de processos faz diferença para garantir um custo administrativo menor”, diz Júnia. “Trabalhando junto com o RH, conseguimos mapear o que é necessário mudar e avaliar as melhores pessoas para cada processo.” Entre 2007 e 2011, a organização passou de 1 700 funcionários para 9 000, e o faturamento subiu de 170 milhões de reais para 3 bilhões. 

Imagem e Ética

O crescimento das empresas também pode exigir um trabalho mais focado em aspectos culturais. Na Renova Energia, a recém-criada área de RH tem desenvolvido atividades de integração entre seus cinco escritórios e começou, em março, o programa Nossos Valores Têm Valor, para disseminar os valores e a cultura da organização.

“O programa surgiu da necessidade de alinhar os princípios da companhia entre os antigos e os novos funcionários”, diz Albertoni Oliveira. Inicialmente, serão trabalhados os princípios da empresa e depois haverá uma etapa de prática em que cada profissional terá um talão de cheques para passar a seus colegas quando reconhecer no outro um valor da companhia, que corresponderá ao valor do cheque.


“O programa também é importante para nossos empregados do programa de stock options saberem do que eles são donos”, diz Ricardo Delneri, copresidente da empresa. No âmbito cultural, outro ponto importante é a ética. “Caso a companhia não tenha, é necessário criar um código e ensinar aos funcionários, para garantir a integridade ética da companhia”, diz o espanhol José Ramón Pin, professor de gestão de pessoas e ética empresarial do Iese, escola de negócios da Universidade de Navarra, na Espanha. Uma das razões é zelar pela imagem da empresa para o mercado, fora a garantia de evitar escândalos. 

Para Ramón Pin, a imagem da companhia também pode ser trabalhada pelo RH por meio da inclusão da companhia nos rankings de melhores empresas para trabalhar. O RH, segundo ele, tem de assumir uma função de marketing, de divulgar os atributos positivos da organização, para garantir a atração dos melhores talentos. “Isso gera valor no longo prazo. Quando há uma situação de crise, as empresas com boa imagem de RH tendem a ter menos queda em suas ações”, diz Pin.

Os números provam que ele está certo. Pelo quarto ano seguido, a média da rentabilidade sobre o patrimônio líquido das 150 empresas classificadas no Guia Você S/A-EXAME – As Melhores Empresas para Você Trabalhar é 4 pontos percentuais superior à média das 500 companhias listadas no anuário Melhores & Maiores, publicado pela revista EXAME. Quando consideradas apenas as dez melhores do ranking no ano passado, essa diferença é ainda maior: passa de 7 pontos percentuais. Para garantir uma boa colocação, a sugestão, portanto, é que profissionais de recursos humanos cuidem da casa, mas também vendam seu peixe. 

Esses são cuidados que perduram além do período do IPO. Em algumas organizações é comum acionistas fazerem demandas sobre como anda a gestão de pessoas. “Investidores olham com atenção para indicadores de recursos humanos como turnover, investimento em educação, horas de treinamento, ouvidoria interna”, diz Maria Lucia, do Fleury. 

“O retorno desse tipo de investimento é difícil de ser medido objetivamente, mas os investimentos feitos em pessoas são confrontados com os resultados da organização.” Em algumas áreas, a demanda está por vir. “Num futuro próximo, veremos como os investidores avaliam a gestão de pessoas, pois os maiores problemas no setor de construção civil, como falta de mão de obra, virão com os grandes eventos, como a Copa do Mundo e a Olimpíada”, diz Werner Mitteregger, diretor de RH da Tecnisa. Seja na fase anterior ao IPO, seja depois, o RH tem de se movimentar para acompanhar — e apoiar — as mudanças da empresa.

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