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Ser legal no Brasil não pode ser uma opção

Presidente do Instituto ETCO e do FNCP analisa, em artigo especial para a Bússola, as dificuldades decorrentes do não cumprimento das leis no país

As pessoas vivem cotidianamente as dificuldades decorrentes do não cumprimento das leis (Getty Images/Reprodução)

As pessoas vivem cotidianamente as dificuldades decorrentes do não cumprimento das leis (Getty Images/Reprodução)

Isabela Rovaroto

Isabela Rovaroto

Publicado em 9 de outubro de 2020 às 08h00.

Última atualização em 9 de outubro de 2020 às 08h10.

As pessoas físicas e jurídicas, no Brasil, vivem cotidianamente as dificuldades decorrentes do não cumprimento das leis. Esse tema está diretamente ligado a um dos fundamentos do próprio desenvolvimento do país, a segurança jurídica.

O poder público tem o dever de respeitar e fazer com que seja respeitada a Constituição Federal. Ninguém está acima dos seus princípios. A atração de investimentos, com a geração de empregos e renda, depende da certeza de que todos os agentes do mercado vão respeitar as mesmas regras, que os direitos e contratos serão respeitados. O Estado deveria, de um lado, facilitar a vida de quem quer agir corretamente e, de outro lado, combater aqueles que transgridem a lei. Conceitos óbvios, porém, o caminho para garantir essa realidade normal em uma República não é nada simples.

O necessário cumprimento de leis, decretos, regulamentos em qualquer área pode ser um verdadeiro tormento. São evidentes as agruras de quem quer constituir uma empresa, conseguir um mero habite-se para uma casa, obter licenças de funcionamento de uma loja, acompanhar a transbordante legislação tributária ou as interpretações oscilantes dos tribunais.

Em paralelo, temos o avanço das práticas ilegais no mercado: contrabando, pirataria, contrafação, fraudes, subfaturamento, não cumprimento de regulamentos técnicos, sonegação, atos que distorcem a concorrência e pervertem o ambiente de negócios.

Esse quadro é preocupante. As empresas que cumprem suas obrigações têm que competir com quem busca obter vantagens ilícitas, que se estruturam para burlar todas as regras e assim conquistar o mercado, elevando suas margens de lucro de modo totalmente irregular, às custas de toda a sociedade.

O resultados são impressionantes. O mercado ilegal (quinze setores produtivos), segundo dados do FNCP – Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade -, movimentou em 2019 R$ 291,4 bilhões. Os devedores contumazes, que se estruturam com o objetivo de não pagar impostos, acumulam mais de R$ 60 bilhões em débitos.

Entretanto, esses prejuízos bilionários são muito maiores, atingem valores intangíveis, pois corroem a crença de que o crime não compensa, desestimulam novos investimentos e esgarçam princípios éticos.

Para alterar essa situação a impunidade deve ser enfrentada; e a obediência das leis, valorizada. Algumas sugestões:

  • Leis que disciplinem as condutas com clareza e objetividade. E que sejam aplicadas de modo eficaz, diminuindo o espaço, não para o legítimo exercício da ampla defesa, mas sim para atitudes meramente protelatórias, que beneficiam quem deseja ganhar tempo e, assim, permanecer auferindo vantagens e lucros;
  • As iniciativas dos setores produtivos de denunciar práticas ilegais no mercado devem ser consideradas pelos agentes públicos como um importante apoio para as necessárias ações corretivas, que devem ser encaradas como relevantes e não como uma interferência no ritmo normal de trabalho;
  • Incentivar a cooperação e a integração entre os entes da administração pública, com a participação da sociedade civil, que pode auxiliar com informações que facilitem e agilizem o trabalho de contenção da ilegalidade;
  • Combater a corrupção sem tréguas, punindo quem desonra o serviço público. É certo que esse é o único “imposto” pago pelos infratores da lei;
  • Simplificação de procedimentos administrativos e da legislação, especialmente tributária, para que seja mais fácil cumprir a lei do que ignorá-la;

Essas propostas são conhecidas, mas há resistências. O combate à ilegalidade não é algo natural como deveria.

Um exemplo desse comportamento hostil foi dado pela consulta pública que o Senado faz sobre projetos de lei. A proposta de punir a pirataria de sinal de TV foi rejeitada por 95% das manifestações.

Esse breve panorama expõe alguns dos entraves do chamado “doing business” apresentado pelo Banco Mundial (de 190 países o Brasil está na 124º. posição) e que, há muito tempo, são debatidos, porém, a cada ano postergamos as necessárias medidas e esse atraso prejudica o nosso desenvolvimento.

Em verdade, ser legal no Brasil não pode ser uma opção; é sim um dever para que deixemos de ser o “país do futuro” que nunca chega.

*Edson Vismona é advogado, presidente do Instituto ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) e do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade). Foi secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002).

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