Quebra da regra do biodiesel compromete vidas, emprego e o meio ambiente
Efeitos perversos da redução da mistura de biodiesel no diesel vão na contramão da transição para energia limpa
Da Redação
Publicado em 30 de maio de 2021 às 11h00.
Por Gesner Oliveira*
A decisão do Ministério de Minas e Energia (MME) de reduzir a mistura do biodiesel no diesel comercial de 13% para 10% é um grande equívoco. Gera efeitos nefastos sobre meio ambiente, saúde, segurança energética e no conjunto da economia.
O pretexto oficial foi o preço do biodiesel estar acima do diesel mineral, embora ambos estejam alinhados aos valores internacionais das matérias-primas.
A redução do percentual mínimo obrigatório do biodiesel rompe o cronograma estabelecido pelo Conselho Nacional de Política Energética que autoriza a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a atingir a mistura de 15% (B15) em 2023.
Sob pretexto de compensar o aumento de preço dos combustíveis no curto prazo, a medida vai na contramão da transição para energia limpa e quebra uma regra importante para o desenvolvimento sustentável do país.
Há cinco efeitos perversos.
Primeiro, o biodiesel contribui na redução do efeito estufa, fundamental para o meio ambiente no combate ao aquecimento global, objeto da Cúpula do Clima liderada neste momento pelo governo Biden. As emissões de dióxido de carbono do biocombustível podem chegar a uma redução superior a 80% comparativamente às do diesel de petróleo.
Segundo, a diminuição na participação do biodiesel tem impacto negativo sobre a saúde pública. Estima-se que a utilização de combustível fóssil em vez de biodiesel (B10) causaria aumento médio de 244 óbitos anuais associados a doenças respiratórias.
Terceiro, o desrespeito ao cronograma do biocombustível gera fortes impactos negativos na economia. Exercício baseado no Modelo de Insumo-Produto indica que uma redução de um ponto percentual na mistura de biodiesel elimina cerca de 34 mil postos de trabalho, reduz a massa salarial em R$ 552 milhões, encolhe a arrecadação de tributos em cerca de R$ 107 milhões e diminui o PIB em aproximadamente R$ 4,7 bilhões.
Os efeitos negativos continuam valendo mesmo quando se considera não só o choque negativo na demanda por biodiesel, como um possível aumento na demanda por diesel comercial em virtude de uma suposta redução no seu preço. A mudança de B13 para B10, neste novo cenário, reduz mais de 80 mil empregos, retrai a massa salarial em cerca de R$ 1,6 bilhão e encolhe a arrecadação de impostos em quase R$ 30 milhões. O efeito negativo sobre o PIB seria da ordem de R$ 8 bilhões.
Quarto, a medida desestrutura a cadeia produtiva do biocombustível e do complexo soja. Estima-se que dos 9,6 milhões de toneladas de óleo de soja produzidos no Brasil em 2020, 3,7 milhões (39%) foram destinados ao biodiesel. A queda na produção do biocombustível diminuirá a oferta de farelo de soja no mercado interno, uma vez que se trata de co-produto do esmagamento da soja, sendo utilizado principalmente para o consumo animal. Tal fato aumentará os preços finais da proteína de soja e das rações, encarecendo os alimentos. Além disso, a elevação do preço em toda a indústria da soja comprometerá a competitividade das exportações de derivados da soja e da proteína animal.
Por fim, a medida quebra uma regra, comprometendo a segurança jurídica. Isso inibe o investimento não apenas nesta indústria, mas em toda a economia. Afinal, se é tão fácil quebrar regras, por que alguém faria investimentos baseado em uma política tão errática?
Urge, portanto, refletir sobre os impactos negativos da medida e resgatar a confiança dos empresários na construção de um ciclo virtuoso de crescimento.
*Gesner Oliveira é sócio da GO Associados, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e ex-presidente da Sabesp.
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