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Prato do dia: confit de ministro

Coluna semanal do analista Márcio de Freitas comenta os temas mais debatidos entre os poderes em Brasília

Economia: "O fato é que o governo cada vez mais é a cara de Jair Bolsonaro" (Adriano Machado/Reuters)

Mariana Martucci

Publicado em 16 de setembro de 2020 às 15h49.

Última atualização em 16 de setembro de 2020 às 16h04.

O presidente Jair Bolsonaro adotou diferentes receitas para afastar seus auxiliares no governo. Cortou bruscamente como aconteceu com Gustavo Bebbiano. Depois da tempestade, veio a calmaria, e lá se foi o general Santos Cruz. Em meio à pandemia de covid-19, a crise da exoneração de Luiz Mandetta tinha desfecho anunciado nos desencontros entre a prioridade para saúde ou economia.

Com o ex-juiz Sergio Moro houve um crescente antagonismo de inimigos íntimos. Muitos achavam que haveria grande impacto na popularidade de Bolsonaro com a saída do magistrado símbolo da Lava-Jato. Até ocorreu um abalo, mas não foi nenhum terremoto que o auxílio emergencial restaurasse depois da terceira parcela.

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Supera em audiência o affair Moro a série de derrotas impostas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e à sua equipe. E nem por isso a Faria Lima está cortando os pulsos, por medo de arranhar o Rolex. A maior preocupação dos mercados é saber quem poderá substituir Guedes, se de fato ele deixar o governo. Enquanto isso, especula-se muito e planta-se bastante para colher na B3.

O fato é que o governo cada vez mais é a cara de Jair Bolsonaro. Se no começo alguns ministros chegaram à Esplanada dos Ministérios na condição de pilares do governo e eram praticamente indemissíveis, hoje demonstra-se que somente tem estabilidade quem teve voto para estar no governo, Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão.

As exonerações dos ex-ministros indemissíveis saíram no Diário Oficial e o presidente continua a publicar os atos de governo, além de não alterar a rotina de surpreender o país nas suas lives e redes sociais. Enquanto isso, coloca um ministro no óleo e deixa o fogo brando cozinhando lentamente. O confit de Paulo Guedes é o prato do dia.

Há outros pretensos poderosos sob fogo baixo que nem percebem, ou fazem de conta que não notam o calor da chapa. E o cozinheiro nem sempre costuma anunciar os pratos com antecedência. Mas a rede de fornecedores tem sempre um produto novo para entregar ao cardápio da mídia gastropolítica de Brasília.

No episódio do vazamento da proposta da equipe econômica para o Renda Brasil, com congelamento de aposentadorias e pensões por dois anos, Bolsonaro ficou ao lado da parte de baixo da pirâmide social. E gritou em defesa de sua popularidade contra seu próprio governo. A proposta era tão fria quanto a marmita que lavradores aposentados levaram a vida inteira para comer no campo, sob sol e poeira.

O presidente viu o tamanho do prejuízo político e mandou o plano para o arquivo. Fez o julgamento político correto da consequência em seu governo, e que os técnicos da fazenda já haviam ignorado ao propor o fim do abono salarial e do salário-família para financiar o Renda Brasil, numa transfusão de verbas de quem nada tem para quem não tem coisa alguma. E esse tipo de projeto ainda precisa passar no Congresso Nacional, território onde a base do governo não é sólida nem firme e, muito menos, confiável.

Seria munição para a oposição. E de calibre alto. E isso estava sendo feito justo no momento em que a inflação de alimentos dispara e afeta justamente o público que mais consome programas de assistência social. O bate-cabeças do governo talvez melhore pelo simples fato de pararem de bater cabeças.

Falta encontrar o rumo da solução para a economia em 2021. Isso não chegou a ser rascunhado depois da devastação de 2020. Sem esboço de recuperação econômica para o futuro, o governo deve apelar a outras fórmulas heterodoxas. A retomada ainda não está garantida, apesar de prometida. E um ministro da Economia fragilizado é tudo que o país não precisa para atrair investimentos em infraestrutura, alavancar o desenvolvimento, incrementar a geração de empregos e propiciar elevação de consumo.

O caminho que está sendo trilhado hoje não é a linha conceitual sempre defendida pelos economistas liberais como Guedes, mas a explicação está na pandemia do coronavírus. Sem privatizações para exibir, com o maior deficit fiscal da história para ostentar, resta saber qual a formulação dará sobrevida a Paulo Guedes para escapar de ser servido aos jornais ou às redes sociais pelo eleito—que deseja ser reeleito em 2022. E um caminho que não retire nada da parte de baixo da pirâmide social e agrade à elite do mercado financeiro.

* Analista Político da FSB

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