Play: Pelé, quem faltou e o fim dos extremos
Muito se criticou a falta de jogadores no velório do Rei do Futebol e pouco se falou sobre Sandra, a filha reconhecida na justiça: dois erros do radicalismo
Bússola
Publicado em 9 de janeiro de 2023 às 09h40.
Por Danilo Vicente*
O noticiário deste início de 2023 está agitado. Novos governos federal e estaduais ganharam a fatalidade como concorrência, com as mortes do papa emérito Bento 16 e de Pelé. Este último, no Brasil, com justiça, teve velório e enterro acompanhados quase que em tempo real por televisão, rádio e internet. Com a atenção geral, vieram as polêmicas. E dois erros causados pela ânsia em extremar.
Começo pela maior polêmica, que incita o primeiro erro. Campeões do mundo pelo Brasil foram criticados por não comparecerem ao funeral do Rei do Futebol. Nenhum jogador do pentacampeonato mundial de futebol foi, e quase nenhum do tetra, com exceção de Mauro Silva, hoje vice-presidente da Federação Paulista de Futebol. Comentaristas e jornalistas se apressaram a criticar.
"Será que eles são importantes? Temos que imaginar quem são as pessoas importantes da sua vida, da nossa vida. Talvez as pessoas só vão onde ganham cachê. Eu respeito as pessoas, só acho que as pessoas têm que saber quem foi o Pelé. São campeões do mundo e não vieram ver o Pelé? No mínimo, é falta de respeito", disse o ex-jogador Neto.
Faltaram os campeões mundiais? Faltaram. Mas também faltou Neymar, cria do Santos, tantas vezes dito como “o novo Pelé”. Neymar, inclusive, foi a uma festa na França ao mesmo tempo que o velório acontecia. E faltou muito mais gente.
Onde estavam os jogadores de outros países? A morte de Pelé impactou o planeta. E os atletas que jogam atualmente? Poucos compareceram. Dos campeões mundiais pela seleção canarinho jogando com Pelé, apenas Coutinho, seu parceiro mais célebre, foi à Vila Belmiro, onde ocorreu o velório.
Entretanto, é preciso ponderar. E pesquisar. “Só um momento de revolta à beira do túmulo” foi o título de matéria do jornal O Globo na cobertura da morte de Garrincha, em 22 de janeiro de 1983. O texto abre desta forma: “Houve apenas um momento em que a multidão esqueceu a despedida alegre e enternecida e se tornou agressiva. ‘Pelé é um safado’, assim se manifestaram três torcedores anônimos à beira do sepultamento de Garrincha”.
Pois é... Pelé não foi ao velório ou ao enterro de Garrincha. E não preciso explicar a importância do ponta-direita para o futebol brasileiro e até para Pelé. Uma coroa de flores enviada pelo Rei do Futebol foi retirada por um amigo de Garrincha, de acordo com matéria de O Estado de S. Paulo à época. Esta mesma reportagem aponta que Pelé passou a noite em uma festa na casa do seu amigo Alfredo Saad, no Rio de Janeiro. O enterro foi em Pau Grande, na Baixada Fluminense, perto de onde Pelé estava. Ele foi avisado da morte de Mané, mas optou por não aparecer.
Em entrevista à revista Época, em 2000, Pelé afirmou que não foi ao funeral de Garrincha por "não gostar de enterros", além de não estar tão próximo do ídolo botafoguense à época de sua morte.
Se Pelé não compareceu ao velório de Mané, o que dizer dos jogadores que agora não foram ao do Rei? Todos podem, sim, ter errado, Pelé, os tetra e penta campeões, os atuais jogadores... Mas é preciso parar com esse radicalismo bobo. Errar é humano. E, claro, Pelé errou em vida.
Pelé virou “Deus” nesta últimos dias, o segundo equívoco desde seu falecimento. Pouco se abordou na imprensa a questão de sua filha Sandra Regina, assumida somente na justiça. É um caso em que Pelé foi “crucificado” em vida, mas pós-morte virou pecado tocar no assunto. Está errado.
Não sei se a razão é de Sandra, que morreu em 2006, ou de Pelé. O que não se deve fazer é radicalizar a idolatria. Pelé não fica menor por ter errado. Ele acertou muito mais. Os ídolos humanos não precisam ser perfeitos.
Fico com o depoimento de Octávio, filho de Sandra e neto de Pelé, pouco antes da morte do jogador, após visita ao jogador hospitalizado. “Errar e acertar fazem parte da nossa vida. Toda família tem brigas e rusgas, e a nossa não é diferente, mas há momentos em que o amor é mais importante do que qualquer coisa!”.
*Danilo Vicente é sócio-diretor da Loures Comunicação
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