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Os impactos do mercado ilegal de cigarros no Brasil

Submundo do cigarro ilegal deixa rastros na sociedade de uma forma muito mais profunda do que pode parecer

Brasil perdeu quase R$ 90 bilhões nos últimos dez anos em decorrência do contrabando de cigarros (Bússola/Reprodução)
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Bússola

Publicado em 2 de abril de 2022 às 11h00.

Última atualização em 2 de abril de 2022 às 11h56.

Por Bússola

Quando se fala de contrabando de cigarros, você tem ideia de tudo o que está por trás desse crime no Brasil? Talvez o primeiro pensamento seja o envolvimento do crime organizado e um produto vendido por um preço mais baixo e com qualidade inferior. Porém, o submundo do cigarro ilegal deixa rastros na sociedade de uma forma muito mais profunda do que pode parecer.

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Nesse texto você vai entender algumas das principais consequências do contrabando de cigarros, que é o produto mais apreendido pela Receita Federal e causa impactos tanto econômicos como sociais, refletindo na segurança pública, na saúde e na geração de empregos formais.

Paraguai: produção voltada ao contrabando

O Brasil perdeu quase R$ 90 bilhões nos últimos dez anos em decorrência do contrabando de cigarros. Hoje, quase metade (48%) dos cigarros consumidos no país é ilegal, segundo levantamento do Ipec Inteligência, sendo que a maioria é contrabandeada principalmente do Paraguai. O país vizinho é a principal origem desse mercado ilícito, com uma produção que supera em seis vezes as vendas registradas pelas empresas do país (incluindo exportações legais para nações vizinhas), de acordo com estudo realizado pelo Cadep (Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia), em 2021.

Estima-se que essa produção excedente de cigarros das fábricas paraguaias abasteça o contrabando, principalmente para o Brasil. Sem pagar impostos, o produto ilegal atrai o consumidor brasileiro, especialmente o de baixa renda, pelo preço, que chega a ser até 65% mais baixo que o produto legal, propiciando uma elevada margem de lucro para os criminosos.

Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), afirma que a diferença tributária entre os dois países é um dos fatores determinantes para a problemática do contrabando, uma vez que no Brasil os impostos para produção do cigarro vão de 70% a 90%, dependendo do Estado, enquanto no Paraguai esse percentual é de apenas 20%, a menor carga tributária do mundo.

“A repressão ao mercado ilegal, por meio de ações das forças de segurança, é muito importante, mas é necessário que sejam adotadas medidas que impactem a demanda do cigarro ilegal. Para isso, a questão tributária é fundamental e deve ser colocada em discussão”, ressalta Vismona.

O barato sai caro

Além do impacto econômico, os cigarros contrabandeados não obedecem às normas e critérios estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não havendo, portanto, nenhum controle da sua composição. O resultado é que o consumidor brasileiro não sabe o que está comprando. De acordo com estudos de universidades públicas brasileiras, o cigarro ilegal chega a conter ácaros, fungos e até pelos de ratos, além de alta concentração de metais pesados.

Após análises das 30 marcas de cigarros mais contrabandeadas no Brasil, a Universidade Estadual de Ponta Grossa, entre 2012 e 2015, identificou que mais de 80% das marcas apresentaram algum tipo de contaminação. Já a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) identificou plástico, restos de metais e, novamente, partes de insetos, em cigarros ilegais.

No Brasil, desde 1999, a Anvisa é a agência reguladora de todos os produtos cuja composição contenha fumo, em especial os cigarros. Para terem a venda aprovada, os cigarros devem passar por uma série de análises químicas e físicas, tais como composição da fumaça, níveis de metais e análise laboratorial da presença e concentração de 162 diferentes ingredientes.

“Os protocolos da Anvisa são fundamentais para garantir o controle sanitário dos produtos que chegam ao consumidor. O fato é que metade dos cigarros consumidos no país não obedecem a essas regras, posto que, por serem produto do contrabando, não cumprem as exigências sanitárias”, diz o presidente da Comissão Especial de Combate ao Mercado Ilegal da OAB, Juliano Rebelo Marques.

Um crime sem fronteiras

Nem só de cigarro paraguaio vive o contrabando no Brasil. Campeão mundial no consumo de cigarros ilícitos, o mercado brasileiro é tão atrativo para o crime organizado que passou a despertar a atenção de novos atores da ilegalidade.

Principalmente no Norte e Nordeste do país, marcas de cigarros vindas do Suriname, da Coreia do Sul, dos Estados Unidos e até do Reino Unido já dividem o mercado clandestino com o produto paraguaio.

Com uma fronteira de 25 mil quilômetros, o país recebe, por terra, rio e mar, os mais diversos tipos de mercadorias contrabandeadas, tornando o monitoramento completo da área uma missão quase impossível.

Um exemplo é que, apenas em 2021, foram apreendidos 5,4 bilhões de cigarros ilegais pelas forças de segurança — ainda assim, esse montante representa apenas 10% do produto ilegal que é vendido no Brasil.

O cenário torna-se ainda mais complexo com a associação do contrabando com outras modalidades criminosas, como lavagem de dinheiro, roubo de veículos, tráfico de drogas e armas e trabalho escravo, contribuindo diretamente para o aumento da violência no país.

Mais contrabando, menos futuro

Além do impacto na segurança pública, o contrabando impacta diretamente na redução de oferta de vagas de emprego e, com isso, ainda prejudica a ascensão social da população. É o que revela estudo da consultoria Oxford Economics, que mostra que o Brasil perde cerca de 173 mil novos postos de trabalho apenas com o mercado ilegal de cigarros.

O estudo considerou os dados da indústria nacional do tabaco de 2019, o último ano antes da pandemia de covid-19, para estimar o tamanho do impacto econômico do mercado de cigarros ilícitos no Brasil. Caso os mais de 53 bilhões de cigarros ilegais vendidos no país tivessem circulado na legalidade, esse comércio teria adicionado R$ 6 bilhões ao PIB do Brasil, contribuído com R$ 12,7 bilhões em tributos federais e estaduais, além de mais R$ 1,3 bilhão em receitas fiscais associadas ao emprego e à atividade sustentada.

“Hoje, o desemprego atinge cerca de 12 milhões de pessoas no Brasil – um dos índices mais altos do mundo. Num cenário sem contrabando, teríamos certamente muito mais empregos, inovação e investimentos da indústria, alavancando a retomada econômica", afirma o presidente do FNCP.

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