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Opinião: e se o próximo passo não for subir, mas mudar de lugar?

Entenda por que sair da zona de conforto e planejar a sucessão não é fracasso, mas um sinal de maturidade profissional e liderança

Quem eu posso ser quando deixo de ocupar o lugar que me trouxe até aqui? (Getty Images)

Quem eu posso ser quando deixo de ocupar o lugar que me trouxe até aqui? (Getty Images)

Carlos Guilherme Nosé
Carlos Guilherme Nosé

CEO e sócio da FESA Group - Colunista Bússola

Publicado em 22 de dezembro de 2025 às 13h00.

O fim do ano tem um jeito particular de nos desarmar. O ritmo desacelera, as agendas finalmente respiram, e o barulho que nos protege das perguntas difíceis diminui.

Nesse silêncio — raro, incômodo e às vezes angustiante — fica mais difícil confundir movimento com sentido.

É nesse intervalo entre um ano que termina e outro que ainda não começou que algumas perguntas ganham volume. Não surgem de repente. Vêm sendo ensaiadas há algum tempo, em desconfortos pequenos, em pensamentos interrompidos, em decisões adiadas. Até que ficam altas demais para serem ignoradas.

Algumas transições não começam quando são anunciadas. Começam muito antes. Acontecem por dentro.

O apego ao cargo e a identidade profissional

Existe um momento na vida profissional em que a pergunta deixa de ser “O que mais eu posso construir?” e passa a ser “O que precisa funcionar sem mim?”.

Essa não é uma pergunta exclusiva de CEOs ou fundadores. Ela aparece para qualquer pessoa que, por tempo suficiente, tenha sido definida pelo que faz, pelo cargo que ocupa ou pelo lugar que aprendeu a habitar.

Mudar de lugar não é fracasso. Mas também não é simples. Envolve identidade, apego e, muitas vezes, o medo silencioso de perder relevância.

É mais confortável continuar sendo necessário do que aprender a ser útil de outro jeito. Por isso, tanta gente adia esse movimento — não por falta de competência, mas por excesso de vínculo com uma narrativa que já funcionou muito bem.

Planejamento de sucessão e maturidade

Planejar uma transição de carreira exige maturidade emocional. Exige reconhecer que permanecer no centro por tempo demais pode gerar dependência — da organização em relação a você, e sua em relação ao papel que ocupa.

Quando isso acontece, o cargo deixa de ser função e vira identidade. E identidades, quando ameaçadas, resistem.

Nos últimos meses, vivi esse processo de forma consciente. Depois de uma longa jornada à frente da consultoria de Recursos Humanos, decidi mudar de lugar, assumindo um papel diferente daquele que ocupei por tantos anos.

Deixar o cargo de CEO e assumir o cargo de Executive Chairman, não é tão simples e rápido assim. Exigiu muitas conversas, confianças e alinhamentos.

A sucessão foi comunicada, estruturada e feita no tempo certo. Não como ruptura, mas como continuidade de uma jornada. Não como saída, mas como amadurecimento do modus operandi e da sociedade da instituição.

Reinventar-se para o futuro

Compartilho isso não como ponto de chegada, mas como exemplo de uma reflexão que muitos profissionais evitam fazer.

Em algum momento da carreira, o verdadeiro avanço pode não estar em subir mais um degrau, mas em trocar de eixo. Em sair do lugar conhecido para permitir que outras pessoas cresçam — e que você também cresça, mas desta vez, de outro jeito.

Talvez o fim do ano seja o melhor convite para esse tipo de balanço. O que, hoje, depende demais de você? O que continua existindo apenas porque você ainda está ali?

E o que poderia florescer se você abrisse espaço — na agenda, na estrutura, ou até na sua própria identidade profissional? E por que não, abrir espaço no seu coração?

A leveza de encerrar ciclos

Toda reinvenção começa com uma perda. Do cargo, do ritmo, da centralidade, da narrativa confortável. Mas ela também traz algo raro: leveza.

Uma sensação estranha e boa de não precisar provar o tempo todo quem você é. De contribuir sem controlar. De trocar urgência por perspectiva.

Reinventar-se não é se desfazer da própria história. É reposicioná-la. O trabalho muda, o crachá também, mas a experiência fica — mais disponível, mais generosa, menos ansiosa. Ela passa a servir de base, não de armadura.

Poucos de nós encerram ciclos de forma consciente. A maioria simplesmente emenda um no outro, sem pausa, sem elaboração.

O fim do ano oferece essa chance rara: fechar capítulos com honestidade, reconhecer o que foi construído, agradecer o que cumpriu seu papel e, liberar o que já não precisa continuar igual.

Talvez o futuro profissional que você imagina não comece com um planejamento de carreira detalhado, mas com uma boa pergunta.

E talvez a mais poderosa delas seja justamente esta: Quem eu posso ser quando deixo de ocupar o lugar que me trouxe até aqui?

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